Conheça os desafios que aguardam o próximo presidente do Brasil em 2023

02 outubro 2022 às 00h00

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Desafios longamente gestados pela pandemia, pelo cenário internacional e pelo desbalanço entre os poderes da república aguardam o próximo presidente. Em um ano cuja campanha presidencial ficou marcada pela superficialidade nos debates e ausência de propostas, é difícil conhecer as soluções mais prováveis, mas já se conhece bem as questões urgentes: equilíbrio entre militares, Legislativo e Judiciário; a crise inflacionária, energética e de alimentos. O Jornal Opção ouviu cientistas políticos, economistas e especialistas em relações internacionais para projetar possíveis cenários que esperam o Brasil em 2023.
Economia
Sergio Duarte de Castro é pós-doutor em Ciência Econômica pela Università Degli Studi de Roma Tre e professor titular da Pontificia Universidade Católica de Goiás (PUC-Go). O economista afirma que o quadro econômico internacional é desafiador. Alta do dólar, a guerra na Ucrânia e a crise energética provocaram a situação de inflação generalizada que atinge diversos países.
Para combater a pressão inflacionária, diversos países aumentam suas taxas de juros, o que causa uma redução na expectativa de crescimento global para o próximo ano. Após revisão para baixo na previsão de crescimento médio, o cenário esperado é de que o crescimento global seja de 2,2%. Nos Estados Unidos, se espera que seja próximo de zero ou que até haja recessão.
“É um quadro preocupante, mas que ao mesmo tempo traz possibilidades”, diz Sérgio Duarte. “Pelo lado mais otimista, há o fato de que a China, que até hoje mantinha rígido controle da pandemia, começa a funcionar a pleno vapor novamente. Como este país é o maior demandante das commodities brasileiras, a expectativa de mais de 5% de crescimento Chinês pode aumentar o valor da nossa produção agrícola e mineral.”

O Brasil ainda responde com baixas expectativas para 2023: a inflação esperada é de 4,7%; as tentativas de angariar votos por Jair Bolsonaro (PL) na reta final de seu mandato prometem uma bomba fiscal para o próximo ano; os preços do petróleo devem se manter elevados. Entretanto, Sérgio Duarte afirma: “Obviamente não será um ano excelente, mas com políticas adequadas, pode ser melhor do que o está se prevendo agora (crescimento de 0,5%) e pode ser um ano que nos prepare para plena recuperação a partir de 2024.”
Sérgio Duarte lembra que o país, que não crescia desde antes da pandemia, mostrou dinamismo pois a injeção de dinheiro via Auxílio Brasil provocou um aquecimento da economia perceptível. “Digo que há possibilidades pois temos uma capacidade reprimida. A manutenção dos incentivos para o ano que vem, somada à investimentos em infraestrutura e à estabilização do clima político são grandes oportunidades. A instabilidade política afasta investimentos desde 2014. Espero que, com as eleições, a legitimação de um presidente acabe com esse clima de radicalidade que vem se refletindo na economia.”
Política
Professor e consultor em comunicação e marketing político, Marcos Marinho avalia os obstáculos que aguardam o próximo presidente da República. Desde 2016, com o governo Michel Temer (MDB), o Legislativo começou a avançar em suas funções, afirma Marinho. “O governo fragilizado precisa negociar apoio do Congresso. Com algum traquejo, Temer articulou sua manutenção a troca de emendas. Jair Bolsonaro (PL) apenas aprofundou esse movimento, pois, desde que assumiu, se colocou de joelhos para o Legislativo.”
Sem projetos consistentes que deem subsídios a sua liderança popular, o presidente da República precisou fazer concessões ao parlamento. “Essa sinalização mexe com as ambições dos parlamentares. O próximo presidente vai encontrar esse Congresso (que não deve ter tanta renovação) nesse tom de exigências volumosas. É um parlamento que percebeu que consegue se organizar para demandar mais. O desafio será criar meios para regular essas exigências.”
O exercício mais caro será o de tirar o arbítrio sobre orçamento por meio de emendas parlamentares das mãos do presidente da Câmara. Marinho afirma que, com base alargada no congresso e um presidente aliado, é possível tentar trabalhar com margem sem colocar o pescoço na degola. Mas, caso essa articulação não se consolide, o país terá de encontrar outra forma de lidar com o fato de o orçamento estar sendo despachado secretamente pelo Legislativo.

“No processo, há variáveis como a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e a força do presidente legitimado popularmente. Movido pela opinião pública, um presidente pode fazer recrudescer essa força do Congresso. Não é uma questão ancorada apenas no executivo, o que deixa tudo mais imprevisível. Apenas metade da possibilidade de reconfiguração depende do presidente”.
Outro fator preocupante é a participação dos militares no governo. Com mais de cinco mil cargos na administração pública, os membros das forças armadas não devem abandonar seus postos com a troca do governo, mas ocupá-los de outra maneira, explica Marinho. “Não há papel político previsto para forças armadas, e a possível recobrada do bom senso provoca também uma mudança dentro da estrutura dos militares. Enquanto Bolsonaro está no comando, seus pares têm mais eminência. Diante da possibilidade do fim de seu governo, aqueles militares que preferem a normalidade começam a se empoderar. Em Brasília, as forças já se organizam em torno do provável novo contexto.”
Isso não significa que será o fim do verde oliva no Governo. Com 1.866 candidaturas a cargos eletivos, o número de militares está crescendo nas urnas. “Eles se organizam para eleger representantes. Os egressos veem na política uma perspectiva de poder e é provável que isso altere dentro de poucos anos o processo político, mas, dessa vez, a partir de dentro da representação do próprio Executivo”, conclui Marinho.
Relações Internacionais
Carlo Patti é doutor em História das relações internacionais pela Universidade de Florença e professor adjunto do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG). Segundo o pesquisador, imagem e o status internacional do Brasil mudaram ao longo dos últimos anos, bem como o cenário das relações diplomáticas.
“Podemos dizer que, a partir de 2015, a imagem do Brasil começou a deixar aquela de um país claramente pujante, potência emergente, de sexto lugar nas economias mundiais. Esse processo não é dramático, mas, gradualmente, as expectativas sobre o Brasil foram frustradas. Nos últimos anos, o presidente Jair Bolsonaro aprofundou as diferenças entre a política externa do país e o cenário internacional.”
Carlo Patti ressalta que esse movimento não foi inexplicável ou totalmente arbitrário. Quando Bolsonaro assumiu, havia um momento de radicalização em direção à direita com líderes como Donald Trump e Orbán. A onda de centro-esquerda ainda não havia começado na América do Sul, com Argentina, Chile e Colômbia. “Hoje, Bolsonaro parece muito mais fora de contexto do que em 2019.”

As relações com a Europa hoje também são menos profundas do que no passado. Embora haja relações positivas com os governos onde havia partidos políticos de direita – como a Italia, onde existiu entre 2018 e 2019 a afinidade pelo movimento populista Cinco Estrelas – países como Alemanha, Noruega e França se indispuseram com a política brasileira de preservação ambiental. Para resolver a questão, o próximo presidente terá de fazer mais do que um trabalho de convencimento via diplomacia; terá também de mudar a postura em relação ao meio ambiente dentro de casa.
“Brasil e China fazem parte do bloco dos países emergentes BRICS”, diz Carlo Patti. “Entretanto, a relação foi desgastada pelo chanceler Ernesto Araújo – questão que, mesmo amenizada com a troca do ministro por Carlos França, ainda não foi francamente abordada. Outros pontos de desgaste na imagem brasileira para o mundo são os direitos humanos, o decepcionante combate à pandemia e o mau desempenho econômico.”
Entretanto, o país tem um grande potencial, afirma Carlos Patti. “Ainda é membro do G20, está participando do diálogo internacional, almeja uma posição permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e possui um Itamaraty ativo em cenários de cooperação.” Em relação à guerra na Ucrânia, Carlo Patti afirma: “O Brasil e a Rússia fazem parte dos Brics, mas a maior parte da Europa e Ocidente apoiam a Ucrânia. Articular para aprofundar parcerias será um desafio que vai exigir jogo de cintura.”