Como o integralismo sobreviveu e o que faria com a democracia se pudesse
05 janeiro 2020 às 00h01
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Primos do fascismo italiano, integralistas são definidos pelas ideias de nação sobre individualidade e anticomunismo – sendo que a definição de comunista pode variar para abraçar qualquer um eleito como inimigo
“A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi fundada em 1932 pelo escritor Plínio Salgado e aglutinou em suas fileiras milhares de adeptos atraídos pela propaganda anticomunista, difundida pela rede de imprensa montada pela organização, pelo nacionalismo advogado pela mesma e ainda pelas críticas ao liberalismo”, escreve Rogério Lustosa Victor em seu doutorado em História sobre o Integralismo. Atualmente professor do Instituto Federal de Brasília, o historiador ajuda a compreender este movimento que recentemente tem voltado a atenção nacional.
Após após reivindicar autoria do ataque à produtora de vídeos Porta dos Fundos, os neo integralistas atraíram os holofotes da imprensa para a doutrina de Plínio Salgado. O escritor paulista aprendeu diretamente de Benito Mussolini, ditador italiano aliado de Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial, o que viria a se tornar o primeiro movimento de massas brasileiro, com sua busca pela valorização de símbolos nacionais como o índio, a anta e o tupi guarani.
Como ilustra a adoção do lema integralista “Deus, Pátria e Família” pelo presidente Jair Bolsonaro, estes membros da extrema direita nunca foram extintos e é cada vez mais importante rememorá-los, bem como relembrar o que fizeram os fascistas na Europa e o que tentaram fazer com a democracia brasileira.
Rogério Lustosa Victor escreveu diversos livros e artigos sobre o assunto, entre eles “O Labirinto Integralista: o PRP e o conflito de memórias”, publicado em 2012 pela editora da Universidade Federal de Goiás.
Primeiramente, gostaria de fazer a distinção entre os termos integralismo, fascismo e extrema direita. O integralismo foi um movimento intrinsecamente fascista?
Integralismo e fascismo, em termos gerais, pertencem à mesma cultura política. Podemos dizer que o integralismo e o fascismo são membros da “família extrema direita”. Alguns autores afirmam que o integralismo é a versão brasileira do fascismo dos anos 30, com suas singularidades por estar aqui nos trópicos.
Plínio Salgado o reconhecia assim?
Plínio Salgado foi à Itália em 1930 escreveu dois textos após se encontrar com Benito Mussolini. Um desses documentos é uma carta a seu amigo Manoel Pinto em que afirma que é daquele regime que o Brasil precisava – “Tenho estudado muito o fascismo: não é exactamente esse o regimen que precisamos ahi, mas é cousa semelhante”, escreveu Plínio Salgado. Nos anos 1930, textos do Miguel Reale fazem elogios ao fascismo que nem mesmo Mussolini faria.
E este se tornou, de fato, o primeiro movimento de massas do Brasil, que existiu na legalidade até o decreto de Getúlio Vargas de 10 de novembro 1937, que implantou o período do Estado Novo.
Mas isso não os extinguiu.
Continuaram posteriormente na clandestinidade. Depois do golpe do Estado Novo, tentaram um “levante integralista”, invadindo o Palácio da Guanabara numa madrugada em 1938 com intenção de assassinar Getúlio Vargas. A insurgência e a desobediência à regra democrática sempre foram práxis do integralismo. A intentona fracassou, resultando na execução de alguns revoltosos e no exílio de Miguel Reale para Roma e de Plínio Salgado para Portugal.
Como chegaram aos dias atuais?
Plínio Salgado retornou ao Brasil e fundou o Partido de Representação Popular (PRP). Disputou em 1955 contra Juscelino Kubitschek, obtendo 8% dos votos. Ainda nos anos 50, voltou a usar o sigma e fazer o anauê. Foi eleito para representar o Paraná na Câmara dos Deputados em 1958 e reeleito em 1962, desta vez para representar São Paulo. Não foram protagonistas, mas conspiram nos anos 60 pela ruptura da ordem democrática. Quando em 65 o governo militar criou o AI-2, o PRP migra para a Arena. Plínio Salgado foi deputado sempre reeleito por São Paulo. Morreu na metade dos anos 70, mas o integralismo nunca deixou de existir.
Recentemente, se fragmentou por vários partidos, mas nunca deixou de existir. Na realidade, o movimento está aí, entre centenas de grupelhos que não conseguiram se organizar. Esses neo integralistas nunca deixaram de tentar se organizar, publicar manifestos e jornaizinhos, se encontrar. O Enéias Carneiro aglutinava com o discurso ultranacionalista alguns deles.
E hoje, estão em torno de quem?
Não há pesquisa para monitorá-los, mas se você fizesse esse esforço (seria perda de tempo e energia, pois a resposta é óbvia) encontraria que todos votaram no Bolsonaro. Praticamente todos eles. Entre aqueles que conheço, não vi uma exceção. Isso porque as principais marcas do fascismo são o anticomunismo, o nacionalismo, a ligação com o cristianismo, e Bolsonaro encarna esse discurso.
Como conseguiram continuar integralistas após a derrota do fascismo na Segunda Guerra Mundial? O discurso deles não entrou em descrédito?
O PRP herdou a visão ideológica. Trata-se do integralismo do pós-guerra; teve de se ajustar. Depois do Julgamento de Nuremberg, não era mais possível ser fascista. Isso continua: hoje, se você disser a um deles que fascismo e integralismo são sinônimos, eles vão ficar nervosos com você. Tiveram de reconstruir o sentido do termo “integralista”.
Entre estudiosos do assunto, apenas colocamos o prefixo “neo” para indicar que se trata de um novo momento, mas a doutrina é a mesma. O PRP é o integralismo que trocou as camisas verdes pelo paletó, o sigma pelas gravatas, as marchas por tramas de gabinete.
E hoje, eles não veem problema em se definir como integralistas?
Após a ditadura militar o que surgiram foram tribos urbanas de jovens que, na tentativa de construir uma identidade, encontram uma substância no integralismo histórico. São vários grupos, várias tribos, com pouca capacidade de arregimentação.
A memória é volátil. Com esse sistema educacional que nós temos, muita gente não formou essas memórias; esses sentidos críticos desaparecem. Os integralistas não veem problema ético porque não sabem o que o fascismo fez.
Pensando em como esquecer pode abrir possibilidades, tomemos o exemplo da Alemanha, onde não há esquecimento. Um candidato neonazista alemão teria muita dificuldade de se eleger porque museus, livros, escolas e famílias fazem questão de rememorar o holocausto. No Brasil, não se organiza essa memória. Poucas pessoas sabem o que foi o fascismo.
Plínio Salgado publicou algumas ideias que vão contra o que Paulo Guedes prega. Tem escritos que na sociedade de hoje parecem muito estranhos. Isso ainda tem apelo?
No neo integralismo se reorienta a doutrina. Existem grupos que estudam muito os escritos integralistas, que entram neste debate que você apresentou, mas estes são a exceção. De modo geral, eles reordenam tudo em torno da bandeira nacional, de uma noção imaginada de estado nacional e principalmente de anticomunismo. Em resumo: não ligam pra essa filosofia toda.
Todos da família Bolsonaro já deram entrevistas dizendo que o Brasil se livraria do comunismo. Além disso, adotaram o lema integralista “Deus, Pátria e Família”. Quer dizer, esses dois principais elementos estão presentes em nossa política até hoje.
Ainda existe identificação entre neo integralistas e a extrema direita europeia?
Em outubro de 2018, quando Bolsonaro venceu, entrevistaram a representante da extrema direita na França, Marine Le Pen, e ela afirmou que Bolsonaro é extremo demais. “Ele tem dito coisas que são extremamente desagradáveis, que não podem ser transferidas para nosso país, é uma cultura diferente”, ela disse.
Na Europa, há um patrimônio de intelectualidade. Marine Le Pen é ultranacionalista, é contra a União Europeia, etc, mas dentro de uma racionalidade. Há avanços de direitos que não são questionáveis.
O avanço da extrema direita brasileira o preocupa?
Aqui no Brasil a coisa é mais preocupante do que na Europa. É muito sui generis a junção da política da extrema direita com o universo da cultura cristã evangélica. Evangélicos vêm fazendo um trabalho “de formiguinha” com pessoas que (afirmo sem juízo de valor) são em grande parte excluídos sociais, com baixa escolaridade, sem aquela memória formada sobre o fascismo ou importância do estado laico.