Farmacêuticas começam a testar seus imunizantes em crianças e adolescentes, mas grupo não é prioritário no plano de imunização nacional

Vacina é aplicada em criança | Foto: Fernando Frazão/ABr

Enquanto diversas vacinas contra Covid-19 estão disponíveis para adultos em todo o mundo, suas versões infantis ainda estão em testes clínicos. Até o momento, nenhuma foi aprovada por órgãos internacionais para aplicação em crianças e adolescentes por falta de estudos neste grupo e a única vacina que pode ser injetada a partir dos 16 anos é a da Pfizer/BioNTech.

É natural que surja a pergunta: crianças realmente precisam de vacinas especificamente testadas para elas? A resposta curta é: sim. Parte do segmento que tem menos de 19 anos também integra grupos de risco por apresentar comorbidades, além do fato de que jovens vacinados ajudarão a proteger os adultos e idosos ao seu redor. Há ainda o fator humanitário da proteção de pessoas que têm um potencial de várias décadas de vida pela frente.

As crianças não fizeram parte dos ensaios clínicos iniciais porque, de forma geral, não são tão vulneráveis à Covid-19 quanto os adultos. Compondo 31% da população brasileira, a faixa etária abaixo dos 19 anos representa 1,6% de todos os mortos por Covid-19 no País. Outra razão pela qual os testes se concentraram primeiro em adultos foi a velocidade. Existem mais níveis de proteção bioética quando as crianças estão envolvidas em ensaios clínicos e, portanto, fazia sentido estudar primeiro uma vacina em adultos para agir rapidamente.

Segundo a endocrinologista Brunilda Nazario, os cientistas também precisam de mais tempo para pesquisar vacinas infantis porque seus sistemas imunológicos mudam rapidamente. Isso significa que o corpo de uma criança pode responder de maneiras diferentes a uma vacina, dependendo de sua idade. “Levará mais tempo para estudar essas diferenças para ter certeza de que as vacinas são seguras”, afirmou a médica.

Pfizer/BioNTech na vanguarda

Pfizer anunciou vacina com “100% de eficácia” para adolescentes de 12 a 15 anos | Foto: Divulgação

Nesta quarta-feira, 31, a farmacêutica americana Pfizer anunciou que sua vacina contra a Covid-19 produz “100% de eficácia e respostas robustas de anticorpos” em adolescentes de 12 a 15 anos. O ensaio incluiu 2.260 participantes; os resultados são ainda melhores do que as respostas anteriores de participantes com idades entre 16 e 25 anos.

A Pfizer e seu parceiro de vacina BioNTech disseram que enviarão os resultados “o mais rápido possível” para a Food and Drug Administration (FDA – espécie de Anvisa americana) e a European Medicines Agency (EMA), pedindo às agências reguladoras que expandam suas autorizações para o uso da vacina em jovens. Os novos testes clínicos prometem segurança às crianças a partir de 12, anos que retornam à escola no outono do hemisfério norte. 

Durante o ensaio clínico, 18 pessoas que estavam no grupo placebo desenvolveram Covid-19, enquanto nenhuma das pessoas no grupo vacinado contraiu a doença. Os exames de sangue mostraram uma forte resposta do sistema imunológico um mês depois que os participantes receberam a segunda dose da vacina, de acordo com um resumo dos dados do teste divulgado pela Pfizer. Quanto aos potenciais efeitos colaterais, a Pfizer disse que a vacina foi bem tolerada no último estágio do estudo.

Perspectivas futuras

Vacinas Pfizer e Moderna são eficazes ainda na primeira dose | Foto: Dado Ruvic

Atualmente, Pfizer e BioNTech estão trabalhando para testar sua vacina em crianças a partir dos 6 meses. Na semana passada transcorreu a primeira fase deste estudo, em que as primeiras doses foram administradas a um grupo de crianças entre 5 a 11 anos. Um segundo grupo, com idades entre 2 e 5 anos, deve receber suas primeiras doses na próxima semana.

A empresa americana de biotecnologia Moderna, cuja vacina contra Covid-19 é autorizada para pessoas com 18 anos ou mais, também está testando sua vacina em adolescentes. Em dezembro, foi anunciado um teste envolvendo de 3.000 participantes de 12 a 18 anos em dezembro. No início de março, a Moderna anunciou que as primeiras doses de sua vacina foram administradas à crianças em um estudo que envolve crianças de 6 meses a menos de 12 anos de idade.

A Johnson & Johnson, cuja vacina obteve autorização do FDA há um mês, também se esforça para incluir crianças em testes clínicos. A empresa testará a vacina em apenas um pequeno número de adolescentes inicialmente, com planos de expandir o estudo se ela se mostrar segura, de acordo com um porta-voz da Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson que desenvolveu a vacina.

Alternativa brasileira

vacina Oxford,AstraZeneca

No dia 13 de fevereiro, a Universidade de Oxford anunciou o início dos estudos de fase 2 da vacina em crianças e adolescentes de seis a 17 anos. Nesta etapa de testes, são avaliadas a segurança e as respostas imunológicas em 300 participantes – 240 recebendo a vacina e 60 pertencendo ao grupo placebo. As primeiras vacinações do ensaio clínico aconteceram ainda em fevereiro.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detém a tecnologia para produzir o imunizante desenvolvido pela parceria entre Oxford e a farmacêutica britânica-sueca AstraZeneca. Sendo uma das duas únicas vacinas distribuídas no Brasil, esta é a expectativa mais otimista que o país possui de vacinar suas crianças em curto prazo. 

Nesta terça-feira, 30,  em evento online sobre a covid-19 realizado por autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS), a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, afirmou que um pedido será apresentado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realização no Brasil de estudo com crianças da vacina de Oxford/AstraZeneca contra a Covid-19.

“Nesse momento deve ter início, deve-se entrar com protocolo para pesquisa no Brasil da vacina que nós estamos produzindo na Fiocruz a partir do acordo com a AstraZeneca, para uso pediátrico. Então, espero que em breve nós tenhamos a aprovação desse estudo”, disse a presidente da Fiocruz. “Acho que tem que ser de fato um dos focos de atenção ter aprovação para uso pediátrico e em adolescentes também”, acrescentou Nísia Trindade.

Quanto à CoronaVac, vacina contra a covid-19  desenvolvida pelo Instituto Butantan e pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech, os dados parecem promissores, mas iniciais. Testes clínicos foram conduzidos na China pela Sinovac com mais de 500 crianças e adolescentes com idades entre 3 e 17 anos, que receberam duas doses médias ou baixas da vacina ou um placebo.

No dia 22 de março, Zeng Gang, pesquisador da Sinovac Biotech, afirmou em uma conferência acadêmica em Pequim que a vacina parece ser segura e capaz de provocar reações imunológicas em crianças e adolescentes, conforme reportado pela Agência Reuters em Pequim. “A maioria das reações adversas foi branda”, disse Zeng Gang.

Os níveis de anticorpos desencadeados pela vacina CoronaVac foram maiores do que aqueles vistos em adultos de 18 a 59 anos e em pessoas idosas em testes clínicos anteriores, disse Zeng na apresentação. Para crianças de 3 a 11 anos, a dose menor conseguiu induzir reações de anticorpos favoráveis, e a dose média funcionou bem nos jovens de 12 a 17 anos, acrescentou o pesquisador.

Os dados preliminares ainda não foram publicados em um periódico científico analisado pela comunidade científica. Os testes de estágio avançado da Sinovac no exterior, que avaliam a capacidade da vacina para impedir a covid-19, ainda não incluíram menores de idade.