Problemática tanto para Goiás quanto para Brasília, região que abrange 19 municípios goianos localizados ao redor da capital federal aos poucos vem se desenvolvendo. Mesmo com pontuais avanços, ainda há problemas de sobra decorrentes de anos de descaso

A divisa marca uma “terra de  ninguém”, onde sobram prolemas. Foto: Divulgação
A divisa marca uma “terra de ninguém”, onde sobram prolemas. Foto: Divulgação

É comum ouvir dos munícipes das cidades goianas que cercam a capital da República que a microrregião conhecida como Entorno do Distrito Federal é uma terra de ninguém. Não é de Goiás e tampouco de Brasília. Abandonada à própria sorte por décadas, a área de 48.331,7 km2 que abrange 19 municípios goianos, tornou-se sinônimo de problema tanto para o governo estadual quanto para os distrital e federal. Apesar disso, nos últimos anos, houve uma pequena melhoria dos serviços públicos daquela área, mas longe ainda do ideal. A região continua sofrendo diversos problemas estruturais que denunciam quase total omissão do poder público.

O velho jogo de empurra dos governos pelas responsabilidades da enorme demanda ainda persiste e tem penalizado o contribuinte goiano que mora no Entorno. Os municípios goianos de Abadiânia, Água Fria de Goiás, Alexânia, Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho, Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Padre Bernardo, Pirenópolis, Planaltina de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Vila Boa, Valparaíso e Novo Gama somam juntos cerca de 1,1 milhão de moradores. No entanto, os investimentos ainda não estão à altura do número populacional.

A maioria dos moradores trabalha ou estuda em Brasília, ou seja, mantém com a capital federal quase total dependência de serviços. Os habitantes do Entorno possuem uma relação de pertencimento ao Distrito Federal, embora os benefícios da capital da República não sejam disponibilizados igualitariamente para os moradores daquela microrregião goiana.

A própria existência do Entorno como a segunda mais populosa região de Goiás, atrás somente da Metropolitana de Goiânia, se deve unicamente à proximidade com Brasília. Mas, ao contrário da realidade da capital federal, resguardado com o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que assegura generosas verbas ao Palácio dos Buritis para custear e investir em segurança pública, saúde e educação, os serviços públicos do Entorno são extremantes precários. Princi­palmente no que tange à saúde, segurança e infraestrutura, como asfalto, sistema de águas pluviais, coleta de lixo, água tratada e sistema de esgoto.

Outra situação que salta aos olhos de quem mora no Entorno, mas trabalha ou depende de Brasília para ter acesso às escolas, hospitais, comércios, bancos, postos de saúde, entre outros serviços, é o fosso econômico e social entre as cidades goianas e o Distrito Federal. Princi­palmente em relação às taxas de desemprego, pobreza e violência. A disparidade de renda é tão grande que em um curto espaço territorial, num raio de 40 quilômetros, é possível encontrar indicadores sociais totalmente díspares. Ao passo que setores brasilienses como Mansões Park Way e Lago Sul apresentam Índice de Desenvolvimento Hmano (IDH) comparável a países europeus como Bélgica e Suíça, algumas cidades goianas como Águas Lindas e Cidade Ocidental apresentam indicadores semelhantes a de países africanos subsaarianos.

A abissal desigualdade de renda e qualidade de vida deve ser compreendida por meio da formação histórica da região. As municipalidades que hoje compõem a região do Entorno apresentaram diferentes processos de formação. Pirenópolis, Corumbá de Goiás, Formosa e Luziânia, por exemplo, surgiram no início do século 18, no período conhecido como o ciclo do ouro, ainda no Brasil colônia. Enquanto outros municípios foram criados a partir de desmembramentos sucessivos, especialmente a partir de 1960, com a construção de Brasília que atraiu e ainda continua atraindo grandes fluxos migratórios.

A ocupação indiscriminada dessas áreas limítrofes ao Distrito Federal não foi acompanhada por intervenções do poder público, que não investiu suficientemente para dotar tais municípios com a infraestrutura necessária. A mais visível das consequências se nota pela pressão que, atualmente, as populações desses municípios goianos exercem sobre a infraestrutura disponível em Brasília. Outro gargalo é em relação à insuficiência de oportunidades de emprego nas cidades do Entorno, que há décadas são verdadeiras cidades-dormitórios.

Mobilidade urbana

Por abrigar grande parte de trabalhadores com ocupações em Brasília, milhares de trabalhadores dependem do transporte coletivo para seguir das cidades do Entorno para o Plano Piloto. Frota antiga, tarifas exorbitantes e problemas trabalhistas são como fogo para rastilho de pólvora que se desenha no trajeto entre as cidades do Entorno e o Distrito Federal. É recorrente a reclamação dos passageiros pelas péssimas condições dos ônibus, veículos velhos, sujos e que constantemente rodam arrebentados.

Os ônibus sucateados rodam completamente lotados e com atrasos nos horários de pico, notadamente na BR-040, principal via de ligação do Entorno Sul e a capital federal. Em janeiro deste ano, a Superintendência do Desenvolvi-mento do Centro-Oeste (Sudeco) assinou a ordem de serviços para estudos de viabilidade técnica, ambiental e econômica para a implantação de trem de passageiros numa linha férrea já existente que liga Luziânia à Brasília. O projeto, no entanto, ainda não tem previsão para sair do papel.

O avanço da linha do Veículo Leve Sobre Pneus ou BRT para o território goiano no Entorno é outra solução negociada entre governos. Atualmente em construção, o modal se inicia no Plano Piloto e vai até Santa Maria. A intenção é estender o serviço até o Entorno Sul, ligando desta forma Brasília a Luziânia, a maior cidade do Entorno. O governador Marconi Perillo (PSDB) já esteve com a presidente Dilma Rousseff (PT) e pediu a liberação de R$ 901 milhões do Orçamento Geral da União para a execução das obras de extensão do BRT. O montante viria do Programa de Mobi-lidade Urbana e Trânsito do Ministério das Cidades.

Calcula-se que a extensão do corredor do BRT vai beneficiar cerca de 600 mil moradores do Entorno que, diariamente, saem das cidades do Entorno Sul em direção a Brasília. A obra beneficiaria diretamente as populações de Luziânia, Cidade Ocidental e Valparaíso, num trajeto de aproximadamente 40 quilômetros de vias exclusivas, utilizando os leitos da BR-040.

Segurança pública

Outro tema crítico quando se fala de Entorno é a segurança pública. As cidades goianas daquela região estão entre as mais perigosas do Brasil, sendo que cinco delas apareceram entre as 70 mais violentas do País em um ranking divulgado no ano passado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos. Segundo a pesquisa, Luziânia é a 21ª localidade mais perigosa seguida de Valparaíso (40ª), Santo Antônio do Descoberto (68ª), Cristalina (74ª) e Águas Lindas (70ª).

Em média, a cada dez assassinatos ocorridos em Goiás, quatro são registrados no Entorno, onde se concentram apenas 19 dos 246 municípios do Estado. Como se não bastasse, nessa mesma região há muitos inquéritos estacionados por falta efetivo da Polícia Civil para dar continuidade às investigações. A Polícia Militar, responsável pelo policiamento ostensivo, também tem problemas de déficit de efetivo, e trabalha sobrecarregada. Para efeito de comparação, a PM de Brasília tem cerca de 15 mil policiais , 2 mil a mais que todo o efetivo da corporação goiana que atende o Estado inteiro.

As raízes do problema sustentam-se no contexto histórico da região marcado pelo adensamento populacional e pela falta de infraestrutura adequada aos habitantes. A solução, sempre apontada a cada novo surto de crime e de violência, é de mais policiais, mais delegacias, mais quartéis, mais viaturas, mais armas e mais prisões. A saída que parece efetiva permanece sempre adiada: investimentos sociais e econômicos.

É importante a união das forças de segurança de Goiás e do Distrito Federal, e também necessária a participação do governo federal nesse esforço. A União atualmente disponibiliza uma tropa da Força Nacional de Segurança Pública para atuar na área, entretanto o efetivo é de apenas 50 militares. Muito pouco para uma área vasta e populosa como o Entorno. Enquanto isso é alarmante a taxas de criminalidade em cidades como Novo Gama, Luziânia, Valparaíso e Águas Lindas. Em Luziânia há média de 71,04 homicídios para cada 100 mil habitantes, quase o triplo do índice nacional e do Distrito Federal.

Solução para o Entorno é a industrialização

Ex-secretário do Entorno Gilvan Máximo: “Falta hospital de grande porte”. Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Ex-secretário do Entorno Gilvan Máximo: “Falta hospital de grande porte”. Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Poucas são as pessoas que conhecem tão bem a realidade da região goiana que circunda a capital da República como o ex-secretário Extraordinário do Entorno do Distrito Federal Gilvan Máximo. Ele afirma que a região tem grandes potencialidades e que precisa passar por um processo de industrialização para que se desenvolva autonomamente sem depender de ajuda dos governos goiano, distrital e federal. O fato da microrregião goiana se localizar ao lado da maior renda per capita do País é uma vantagem. Se a região fosse aproveitada como sede de uma cadeia industrial, grande parte dos produtos ali industrializados poderia ter como destino final o mercado consumidor do Distrito Federal.

Gilvan Máximo afirma que a maior demanda da região é por mais investimentos em mobilidade urbana. É preciso estender a linha do BRT que sai do Plano Piloto a Santa Maria — cidade satélite de Brasília — até Luziânia. Para a área do Entorno Norte, ele aponta que é necessário levar o BRT de Taguatinga até Planaltina de Goiás.

Outro demanda preocupante é em relação à saúde. Sem unidade de saúde para suprir a demanda da região, a população do Entorno é forçada a utilizar os hospitais de Brasília, sobrecarregando o sistema da capital federal. A saída seria investimentos com recursos federal e estadual para a construção do hospital de Águas Lindas que, segundo Gilvan Máximo, pode passar para a rede Hugo de hospitais, juntamente com a unidade de saúde de Santo Antônio do Descoberto. “A área do Entorno Sul, onde se concentra a maior intensidade populacional, ainda não conta com um hospital de grande porte, e a situação já é uma necessidade de extrema urgência.”

A segurança pública precisa de intervenções, apesar do apoio da Força Nacional de Segurança Pública. Gilvan Máximo lembra que houve um trabalho intensivo de combate ao crime, entre Secretaria Extraordinária do Entorno e a Polícia Militar, que reforçou o efetivo na área com mais 300 policiais. A instituição da lei seca, que obrigava estabelecimentos a fecharem as portas em determinadas horas da noite, e a implantação de um disque-denúncia nas redes sociais facilitou os trabalhos da polícia.

Em quatro anos, região recebeu investimentos pontuais

Segundo Gilvan Máximo, no período de quatro anos, foram construídas e implantadas 40 novas escolas padrão século 21, com recursos do Programa de Acele­ração do Crescimento (PAC), do governo federal. Ele afirma que a partir do ano que vem todas as cidades que integram a área do Entorno Sul vão receber saneamento básico, como água tratada captada no Lago Corumbá, além de rede de esgoto. As obras serão executadas com recursos do PAC. “O Entorno foi a região do Brasil que mais recebeu créditos para o programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.”

Ex-deputado Ernesto Roller: “Água é um grande problema”
Ex-deputado Ernesto Roller: “Água é um grande problema”

Mas a opinião de Gilvan Máximo não é compartilhada pelo ex-deputado e ex-secretário de Segurança Pública no governo de Alcides Rodrigues, Ernesto Roller (PMDB). Ele, que é de Formosa, afirma que na saúde e na segurança não houve investimentos nos últimos anos. Outra questão levantada por ele é sobre problemas de abastecimento de água que poderiam ser contornados com as obras de ampliação da barragem do Córrego Bandeirinha. “Anun­ciaram as obras desta barragem, mas até agora nada foi feito.”

Potencialidades e turismo

O Entorno não é apenas problema. O maior PIB agrícola do Brasil é de Cristalina. O município tem a maior área de irrigação da América Latina, proporcionando uma produção diversificada o ano todo e com um alto índice de produtividade. A altitude característica do Planalto Central, o clima e o relevo permitem, durante os seis meses de chuva, armazenar a água que é utilizada no período da seca. E é fácil observar o resultado: lavouras saudáveis, produtivas e diversificadas.

Outro potencial a ser explorado do Entorno é o turístico. Em Formosa se localiza o Salto do Itiquira, uma queda de água de 168 metros de altura. As belezas naturais, como cachoeiras, trilhas e paredões de Pirenópolis, juntamente com os casarões coloniais, as festas populares e as igrejas estão entre os maiores destinos turísticos de Goiás.

Outra área que se desenvolve a passos largos na região do Entorno é o pujante comércio e o setor imobiliário. Atraídos por um mercado que representa mais de 1 milhão de consumidores, grandes redes varejistas estão se instalando no Entorno. O Condomínio de luxo Residencial Alphaville terá uma unidade na capital federal, e 90% da área do empreendimento imobiliário de alto padrão estará em território goiano. “Cidade Ocidental vai se tornar a Baruiri do Cerrado”, diz Gilvan Máximo, numa alusão ao município da Região Metropolitana de São Paulo que concentra um alto número de condomínios horizontais.