Colunismo social goiano: do declínio no impresso à ascensão no digital

07 janeiro 2024 às 00h01

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Dedicado a mostrar o que (e quem) é destaque em uma cidade, num estado e no país, o colunismo social foi responsável por ocupar por décadas um dos mais importantes espaços nos jornais e revistas impressas. Diários, semanais ou mensais, as informações relacionadas a acontecimentos e fatos sobre a vida de artistas, famosos, celebridades de diversos segmentos ou pessoas consideradas ícones de alguma área faziam sucesso nestes meios de comunicação desde a década de 30.
Britz Lopes, que por 29 anos escreveu sobre a sociedade para a revista People, afirma que o colunismo social, antigamente, era a vitrine da sociedade tradicional, de famílias que tinham dinheiro e história. Ela explica que quem não pertencia a esse grupo de privilegiados costuma acompanhar a vida de luxo dos endinheirados por meio das publicações físicas — hoje digitais.
“Sou essencialmente repórter de rua, mas à época houve a necessidade de criar esse espaço para mostrar as pessoas que faziam parte do público-alvo da publicação. Hoje acho que isso não faz mais sentido. Ostentação virou coisa muito brega, típica daqueles que chamamos de ‘novos-ricos’. Rico de verdade, creio, prefere sair na lista da Forbes”, conta Britz Lopes.
A colunista Ciça Carvello diz que a escrita social demorou algum tempo até o estilo maturar e atingir sua época de ouro, com Ibrahim Sued. Para ela, a coluna social, mesmo atacada por comentários como “não é jornalismo”, “é fútil”, consiste em um documento do modo de viver de um determinado recorte social no tempo e no espaço.
Ciça diz que, desde as curtas notas sobre fatos sociais na década de 30 até os portais especializados em celebridades dos tempos atuais, muita gente foi fotografada, entrevistada, assediada e esteve em evidência pelas páginas de jornais, revistas e endereços eletrônicos. Para ela, entender como esse processo se deu é importante para compreendermos em que tipo de sociedade vivemos hoje.
“Sempre que fui atacada com críticas. Eu enxergava que esses críticos ignoravam o fato que, ao longo da história, foram relatos como os que eu escrevia diariamente que desenhavam um retrato fiel do comportamento e dos costumes”.
Pioneira em Goiás
Uma das pioneiras no segmento em Goiás foi Daura Sabino, que morreu em 2011. Estilista, primeiro se destacou na alta costura, depois atuou no jornalismo por anos no Jornal Opção, fazendo história no colunismo social goiano. Fina e de classe, era amiga de 99% dos homens e mulheres do alto Produto Interno Bruto (PIB) goiano. Sabia tudo o que estava ocorrendo nos bastidores da sociedade. Às vezes não publicava, mas contava para a redação o que estava acontecendo.
“O colunismo social é viver e conviver em sociedade. É informar e formar opinião. Assim, divulgando e promovendo pessoas e acontecimentos, você acaba incentivando os demais a fazerem o melhor e isso é bom para a sociedade. Sem excessos e bajulação desnecessária. Não adianta você descrever o lado ruim, feio, errado, pois é perceptível e acaba no ridículo. Perde-se a credibilidade e aí, meu amigo, recuperar é difícil. Outra coisa, o colunista social tem que saber escrever, ter poder de síntese é impor respeito”, afirmou o colunista Arthur Rezende que, por 46 anos, assinou a coluna do jornal O Popular.
Arthur fez a estreia no jornal no dia 4 de novembro de 1973, substituindo o ícone do colunismo social da época, Lourival Batista Pereira. Antes, ele escrevia no então Cinco de Março, a convite do polêmico jornalista Batista Custódio, que morreu em dezembro do ano passado e também fundou o Diário da Manhã.
Ciça, da mesma forma, também foi convidada a ingressar no jornalismo social. Antes de se tornar colunista, ela tinha uma boutique gourmet, uma loja de acessórios de luxo para cozinha. Depois de se formar em jornalismo, se especializou em gastronomia e comunicação com o mercado. Essas duas habilidades, além do histórico, lhe renderam um excelente relacionamento e trânsito social. Algo insubstituível para escrever sobre o meio social.
“Quando ele me convidou, eu estranhei. Falei pra ele que meia página por dia sobre gastronomia nem o New York Times tinha. Ele riu e me contou que eu faria a coluna social do jornal a partir de segunda-feira se aceitasse o convite. Fiquei chocada. Não tinha a menor ideia de como começar e dei muitos foras nos primeiros meses até pegar o jeito”, contou.
Outro ícone do colunismo social, Luiz Carlos, dedicou 51 anos da vida a escrever sobre a alta sociedade goiana. Assim como Arthur e Ciça, ele estreou como colunista social por acaso, mas conquistou espaço rápido dando, inclusive, furos também na política.
A estreia no meio se deu também a pedido de Batista Custódio, uma das figuras mais importantes e emblemáticas da história do jornalismo goiano. Apenas no Diário da Manhã, Luiz trabalhou por 48 anos.
“O colonialismo social foi tudo na minha vida. Comecei muito menino, foi a minha única profissão. Ajudei muito as pessoas, fiz muitas festas beneficentes, conheci e fiz amizades com muitas pessoas da alta sociedade. Isso marcou muito a minha vida”, contou.
Surgimento das redes sociais
Com a chegada das redes sociais, o colunismo social no meio impresso foi perdendo força. Hoje, o espaço que era considerado “intocável”, está praticamente extinto. O papel perdeu interesse com a evolução dos meios de comunicação e, consequentemente, o surgimento de páginas de fofoca.
Ana Cláudia, que assinou a coluna do O Popular entre 2011 e 2020, diz que começou a perceber a queda do espaço no meio impresso entre 2016 e 2018, quando começaram a surgir colunas sociais em veículos digitais e em redes sociais. Ela acredita que, no início, a grande quantidade de colunistas pode ter dado força a essa modalidade de jornalismo, fazendo-a ser mais popularizada.
Entretanto, o excesso logo passou a prejudicar os conteúdos das colunas, já que nem todas eram assinadas por profissionais preparados. Por fim, a pandemia do coronavírus dificultou o trabalho em razão do isolamento social e da ausência de eventos. Muitos espaços sociais de publicações se fecharam. O retorno foi tímido e o colunismo, por sua vez, perdeu ainda mais força.
“Em um determinado momento, qualquer pessoa passou a se sentir repórter, fazendo de seus perfis na internet uma espécie de coluna social improvisada. Logicamente, com grande perda na qualidade e confiabilidade das informações. Mas essa prática ganhou muito espaço, principalmente pela agilidade e rapidez na postagem. A notícia chega ao leitor em uma infinidade de perfis e páginas, praticamente em tempo real. Friso, apesar da qualidade rasa e questionável”, afirmou Ana.
A opinião também é compartilhada por Arthur, Luiz, Britz e Ciça. Os dois primeiros, por exemplo, acreditam que as colunas nos jornais impressos já não possuem mais espaço. Já Britz afirma ainda que a modalidade já não tem mais importância para os meios de comunicação jornalísticos físicos.
“Ninguém mais precisou ser rico, bonito e importante para se mostrar. A pandemia sepultou de vez, pois igualou todo mundo. E as redes sociais nivelaram todos. Um filtro e você fica com cara de rico. Acabou o glamour”.
Com o avanço da tecnologia, tanto Luiz como Britz migraram para o meio digital com blogs autênticos. Arthur, por outro lado, passou a trabalhar em projetos de rádio e TV. Ciça também não ficou para traz e hoje escreve conteúdo online.
Segundo ela, mesmo perdendo espaço no meio impresso, o colunismo está mais forte do que nunca, mas em um outro formato. Entretanto, a credibilidade do área é impactada devido ao excesso de fake news, uma das consequências das plataformas digitais.
“Hoje as pessoas se informam sobre política, economia, cultura, mercado, cotidiano e pessoas pelas redes sociais. As pessoas continuam interessadas no ‘Grand Monde’, como era no início. Só que hoje, ao invés de abrir o jornal, elas abrem os Stories do Instagram para acompanhar as festas, as viagens, os costumes, o estilo, os jargões, as fofocas. Enfim, os mesmos assuntos de sempre”, concluiu.