Cid Gomes assume com a intenção de mudar 40 anos de políticas educacionais
02 janeiro 2015 às 15h47
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O novo auxiliar da presidente Dilma Rousseff pretende implantar mudanças profundas em um sistema já ultrapassado, o que é bom. A questão: conseguirá vencer o desafio proposto nesses 4 anos?
Frederico Vitor
Selecionado pela presidente Dilma Rousseff (PT) para dirigir o Ministério da Educação em seu segundo mandato, o agora ex-governador do Ceará Cid Gomes (Pros) pretende fazer pelos próximos quatro anos uma revisão profunda na prioridade de investimentos do governo para a área, no qual o ensino básico terá mais ênfase em detrimento do superior.
Entre as medidas defendidas pelo ministro está um novo currículo para o ensino médio, com o objetivo de possibilitar ao aluno se aprofundar nas áreas com as quais tenha mais afinidades. A questão: ele acredita que os estudantes não devem ser obrigados a ter conhecimento em todos os campos. O novo modelo de ensino médio idealizado pelo próximo ministro é o mesmo utilizado nos Estados Unidos e em países da Europa.
Se o estudante tem maior habilidade e vocação na área de humanas, por exemplo, ele se aprofundará em disciplinas como História, Geografia, Sociologia e Filosofia. Caso o aluno tenha facilidade em matérias que envolvam cálculos e tiver mais vocação para o campo de tecnologia, ele terá mais horas-aula em Matemática, Física e Química. A grade curricular não mais forçaria os alunos a aprender de tudo como é atualmente, acabando, dessa maneira, a obrigatoriedade de conhecimento em todas as áreas.
Como este modelo ainda é uma novidade no País, a sua implantação será precedida de ampla discussão junto ao meio acadêmico. O próprio ministro nomeado já declarou à imprensa que vai ouvir sugestões e estudar as experiências de outros países, pois não será fácil implantar um programa educacional em substituição a um modelo consolidado no Brasil há mais de 40 anos. Cid acredita que o ensino médio “enciclopedista” desmotiva e provoca evasão escolar.
Outro desafio assumido por Cid Gomes é em relação aos investimentos prioritários da área que, depois de décadas, vão se voltar para o ensino básico em detrimento do superior. O novo ministro acredita que atacar o problema nos primeiros anos de ensino seja um caminho para melhorar sua qualidade.
Para isso, ele sabe que a pasta vai necessitar de mais recursos, porém, acredita que a verba necessária para a redefinição das prioridades no financiamento educacional virá à medida que o Congresso Nacional encarar a questão como prioritária e colocar o projeto do aumento do porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) para a Educação em votação.
Cid Gomes pretende adotar estratégias diferenciadas para melhorar o ensino em regiões onde os indicadores são piores, como no Nordeste e Norte e alguns centros urbanos. O novo ministro defende que o foco deve ser onde se concentra a pobreza e que um caminho será ampliar a oferta de escolas de tempo integral para evitar o contato de estudantes com o mundo das drogas. Para ele, não é correto tratar os desiguais igualmente, e que as questões regionais e os baixos indicadores da Educação no Norte e Nordeste são associados à pobreza.
Em relação ao Enem, Cid Gomes diz que o exame nacional para o ensino superior é um caminho sem volta. Segundo ele, no futuro, as provas de acesso às universidades poderão acontecer a partir de um grande banco de dados com questões que possam ser feitas a qualquer momento, em diferentes locais, em um sistema similar ao do exame de legislação de trânsito.
Em relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), no qual Goiás tirou o primeiro lugar no último balanço, a ideia é reduzir sua periodicidade para fazer avaliações anuais.
Sobre o ensino superior que, desde os governos militares tem sido a prioridade de investimentos, o desafio será a da retomada da qualidade priorizando sempre a integração com as necessidades do País. O novo ministro pretende aproximar as universidades da sociedade e do meio empresarial. Cid Gomes quer um sistema de para evitar que mais estudantes ingressem em cursos de má qualidade. Outro objetivo é aproximar os secretários estaduais de Educação com o governo federal, porém, sem alterar a legislação de responsabilidade de cada ente para com a área.
As medidas anunciadas vêm em boa hora, apesar de os desafios da educação no Brasil serem árduos. Agora, resta saber se o projeto é a longo prazo ou meramente populista.
“É fantástico que o novo ministro da Educação defenda o ensino básico”
Para o deputado federal Thiago Peixoto (PSD), Cid Gomes está com o pensamento no caminho certo em priorizar a educação básica e implantar uma reforma no currículo do ensino médio. O ex-secretário estadual de Educação de Goiás entende que o atual método utilizado é ultrapassado e que a adequação do currículo à aptidão do aluno é um avanço no sistema educacional do País. “Ele vem com essa visão de fortalecer a educação básica. É fantástico o ministro da Educação reconhecer que é preciso ter mudanças.”
Thiago Peixoto diz que o novo titular do ministério terá dificuldades em realizar as mudanças anunciadas por conta da resistência do meio acadêmico. Atualmente, 75% dos recursos da área vão para o ensino superior e os outros 25% para o básico. Inverter essa lógica exigirá diálogo. O deputado lembra que conhece Cid Gomes e revela que em conversas com o novo ministro notou que o cearense tem conhecimento e experiência na área: “Fazer mudança de currículo é difícil no meio acadêmico, mas ele entende que essa medida é necessária.”
É bom lembrar que Cid Gomes foi o responsável por um projeto bem sucedido de alfabetização em seu Estado, e que se tornou referência nacional. O Programa de Alfabetização na Idade Certa, desenvolvido inicialmente no município cearense de Sobral, foi a base para a criação do Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa, do governo federal. O programa foi criado quando Cid Gomes era prefeito de Sobral e foi executada a partir de 2007. No Ceará, o programa capacitou cerca de 15 mil professores dos 184 municípios cearenses e beneficia, atualmente, mais de 300 mil alunos de 1º e 2º ano do ensino fundamental, de acordo com o governo do Estado. O projeto recebeu investimento de R$ 20 milhões do governo estadual.
Priorização da educação superior no Brasil é herança do regime militar
A opção pela educação superior em detrimento da básica é uma herança do regime militar que seguiu nos demais governos democráticos. Segundo estudiosos em educação, a partir da década de 1970, o País errou em não priorizar a universalização do ensino básico de qualidade. Não foi dada a importância que deveria à educação de base, justamente aquela que forma cidadãos. O resultado é sentido atualmente com a baixa escolarização da população brasileira e a falta de mão de obra qualificada para diversas atividades produtivas, que se transformaram em ameaças ao desenvolvimento do País.
Desde o regime militar, o governo vem optando por investir na educação superior, imaginando que isso alavancaria mais rápido o desenvolvimento. A ideia que prevaleceu foi a de que era necessário investir na educação universitária e que, se se elevasse a massa de preparados no terceiro nível, ou seja, graduação em curso superior, a promoção dos primeiro e segundo níveis seriam automáticas.
Apesar de ter semeado um sistema de ensino superior que hoje coloca o País entre os maiores em produção científica (segundo o Instituto Scimago Journal & Country Rank), a escolha feita pelo regime militar, e seguida pelos demais governos, retardou a universalização do ensino e ainda compromete sua qualidade. O investimento em educação leva anos para dar retorno, porém, se formulada uma estratégia de desenvolvimento, o ponto chave deve ser uma virada na educação e no treinamento.