Chegada de novos modais impacta trânsito da capital e preocupa poder público
12 fevereiro 2020 às 13h05
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Autoridades apontam falta de diálogo entre startups de mobilidade e o poder público e inobservância às leis municipais
Os novos modais de transporte exigem um olhar atento do poder público, assim torna-se possível acompanhar qual é o seu impacto no trânsito, como se dará a regulamentação e quais serão os benefícios para a população. Para o secretário municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade de Goiânia, Fernando Santana, também é importante que os novos serviços procurem o poder público ao desembarcarem em uma nova localidade. No entanto, pontua, que isso não é realidade em nossa capital.
Santana lembra que, há poucos meses, Goiânia foi invadida pela onda dos patinetes e bicicletas elétricas. Porém, antes mesmo de a regulamentação desses modais ser concluída, eles foram retirados das ruas e a operação finalizada na capital. “Agora, acompanhamos pela imprensa a chegada do serviço de mototáxi por aplicativo, mas sequer fomos procurados ou informados sobre o início das atividades em nossa cidade”, explica Santana.
O titular da SMT enumera que, atualmente, há vários serviços de transporte nas ruas, entre eles, táxi, vans escolares, transporte coletivo e os veículos de transporte por aplicativos, que impactam a mobilidade urbana e a vida de toda a população. Ele pontua que o serviço de motoristas de carro por aplicativo, já regulamentado por decreto desde outubro de 2017, é acompanhado de perto pela Prefeitura de Goiânia.
“Atualmente, trabalhamos em alterações neste decreto, que está sendo aprimorado para atender em sua plenitude: sociedade, motoristas e empresa. Assim deve acontecer com os novos modais. Já esse novo sistema por aplicativo envolvendo motos é uma novidade”, afirma o presidente da SMT. “Percebemos que é um serviço que vai chegar, como ocorreu em outras cidades. Por isso, vamos estudar a parte de regulamentação para essa modalidade”, adianta.
A SMT também estuda como atuar em relação ao serviço de motofrete, que ganhou uma nova dimensão com a popularização de aplicativos para entrega de gêneros alimentícios. “É uma facilidade para as pessoas, mas que vem trazendo certa insegurança para a cidade por conta de uma série de infrações de trânsito”, pondera Santana, ao citar que muitas vezes os motociclistas furam sinais, cortam os carros e passam pelos canteiros.
Motociclistas estão envolvidos em 60% dos acidentes
Segundo Fernando Santana, as infrações são cometidas não apenas pelos motociclistas que fazem entregas, mas estes muitas vezes sofrem mais pressão em relação aos prazos de entrega, o que incentiva esse comportamento perigoso. “Isso nos preocupa e faz com que busquemos uma regulamentação e fiscalização rigorosa, para contribuir com a mobilidade e com a vida. Esse é o nosso espírito e vontade. Até porque sabemos que os motociclistas estão envolvidos em 60% dos acidentes ocorridos nas ruas de Goiânia”, defende. Ele comenta que esse processo requer muito estudo e planejamento e cita o exemplo da regulamentação dos patinetes que já estava adiantada, mas o serviço não prosperou.
“Estamos fazendo a nossa parte, estudando e atuando no sentido de buscar alternativas para o trânsito, porém acreditamos que a melhoria da mobilidade passa por menos veículos nas ruas e um transporte coletivo mais eficiente. Essa questão é responsabilidade da CMTC, mas temos atuado de forma a ajudar esse modal”, destaca Santana, ao explicar o semáforo inteligente que será realidade em breve nas ruas de Goiânia.
“Os ônibus serão priorizados nos corredores do transporte inteligente, que irá funcionar assim: quando o ônibus se aproximar do cruzamento o sinal vai abrir para ele. Com isso, teremos uma redução de até 30 minutos nas viagens, beneficiando um grande número de pessoas”, explica. Para ele, Goiânia está seguindo a tendência mundial que prioriza o transporte coletivo em detrimento do individual.
Entre os benefícios, além do desafogamento das vias, Fernando cita a diminuição da poluição sonora, da emissão de gases, e redução de velocidade nas vias. Essa é outra bandeira defendida pela SMT, que implantou a área 40 na região central da capital. “É um exemplo prático de diminuição drástica dos acidentes e atropelamentos. É uma mudança grande para a sociedade, com resultados extremamente positivos”, chancela.
Prazos cobrados estão levando os trabalhadores a cometerem infrações
Além das ações de fiscalização, a SMT toca um programa de Educação de Trânsito em escolas de ensino fundamental e prepara a expansão da ação para igrejas e praças com grande circulação de pessoas. “Também vamos chamar essas empresas de entrega e transporte por aplicativos para que participem disso. Queremos conscientizá-los de que os prazos cobrados estão levando os trabalhadores a cometerem infrações. E o impacto disso vai além do acidente, afeta o sistema de saúde, as famílias que ficam sem o seu esteio por meses ou de forma permanente, enfim, as consequências são sentidas por toda a sociedade”, conclui.
Essa cobrança excessiva aliada ao trânsito pesado também pode levar entregadores a situações extremas, a exemplo do ataque de fúria registrado na tarde de quinta-feira, 14, quando um motorista de entrega por aplicativo se irritou no trânsito e deferiu golpes de capacete contra um veículo de passeio. A cena foi registrada e compartilhada nas redes sociais.
Sobre o ocorrido, a plataforma Ifood informou que iniciou uma apuração interna para identificar o entregador que aparece no vídeo. Se comprovado que ele está cadastrado na plataforma, a empresa informa que tomará as medidas cabíveis, desativando o cadastro do prestador. “A empresa reitera que esse tipo de conduta não representa seus valores e nem os da categoria de entregadores e que valoriza a integridade de seus colaboradores, terceiros, parceiros e fornecedores”, disse em nota.
Vidas ceifadas, sonhos destruídos
O vereador Andrey Azeredo (MDB), que já esteve à frente da SMT, entende que o uso da tecnologia em questões de mobilidade tem trazido um grande benefício das mais variadas formas para a população. Segundo o parlamentar, a micromobilidade por meio das bicicletas compartilhadas e dos patinetes são benéficos para determinados nichos da sociedade. “Nós temos também os aplicativos de carro como a Uber e 99Pop, que geram uma comodidade à população, aperfeiçoa a concorrência com os táxis e dá ao cidadão o direito de escolha. Mas tudo isso precisa ser amparado por um arcabouço jurídico”, defende.
Sobre o novo serviço de mototáxi por aplicativo, Andrey ressalta certa preocupação. “A cidade precisa saber, de fato, o quantitativo desses veículos e qual é o benefício esperado do uso desses modais”, argumenta, ao relembrar que as motocicletas estão presentes na maior parte dos acidentes com vítimas que são encaminhados às unidades de saúde de Goiânia. “Isso traz um dano social e um custo para a saúde pública muito alto. São vidas ceifadas, sonhos destruídos”, afirma Azeredo.
“Mais do que uma novidade, é uma situação que pede serenidade e responsabilidade do poder público para estabelecer direitos, regras e obrigações para todos: o cidadão que vai usar o serviço, o dono da moto e a empresa do aplicativo. Assim, daremos ao cidadão goianiense o direito de escolha de forma segura e responsável”, diz o vereador, que defende um debate profundo sobre o tema. “Precisamos priorizar o transporte público coletivo e entender que o veículo particular não melhora a mobilidade de forma plena. Em médio e em longo prazo gerará apenas mais lentidão no trânsito”, complementa.
Leis municipais
O vereador Felisberto Tavares, que também integra os quadros da PRF, vê com preocupação a entrada do novo modal nas ruas de Goiânia. “Todo serviço que venha a oferecer preço e inovação na área da mobilidade são bem-vindos, mas antes é preciso observar se estamos preparados para receber esse serviço”. O vereador lembra que Goiânia tem um dos maiores números de carro per capita e apresenta um índice de sinistro envolvendo motocicletas muito alto em relação a outras capitais.
“Qual é a situação das nossas vias públicas? Ainda temos uma falta de investimentos sistemática em educação de trânsito. Então se chega uma modalidade de transporte que já tem uma cultura de aumento de sinistro, ocupação de leito por trauma, isso tudo nos traz grande preocupação. Além do mais, existe uma lei de minha autoria trata da questão da higienização dos capacetes, equipamento de uso obrigatório que requer um tratamento específico para se evitar a proliferação de doenças. Essa empresa sabe disso? Vai cumprir a lei ou somente vai usar aquelas toucas que nada protegem”, questiona Felisberto.
Para o vereador, a empresa não deve simplesmente chegar à cidade e explorar um serviço. “É preciso observar as normas, verificar a condição das vias e estar atenta às questões relativas à educação de trânsito. O serviço não pode existir apenas para aumentar a vulnerabilidade daqueles que vão utilizar o serviço”, argumenta Tavares, ao defender que impactos no trânsito e volume de incremento de motocicletas nas vias sejam observados. “Vamos acompanhar, fiscalizar e cobrar algumas questões como o seguro para quem está sendo transportado. Não é só vir colher os frutos e criar um problema para o poder público resolver”, finaliza.
Novo serviço
Segundo a Picap, startup responsável pelo aplicativo de motos voltado ao transporte de passageiros, o objetivo é apresentar uma alternativa de modal para melhorar o fluxo de mobilidade, principalmente nas grandes cidades, reduzindo em 50% o tempo de deslocamento a um preço 30% menor que os demais aplicativos de carros particulares.
A empresa nasceu na Colômbia, em 2016, e chegou, ao fim do primeiro semestre deste ano, a uma média de um milhão de viagens realizadas mensalmente, a partir de uma base de 20 mil motociclistas ativos e 200 mil usuários. Além do Brasil e Colômbia, a Picap mantém operações no México, Argentina, Peru, Chile e Guatemala. Em Goiânia, as operações foram iniciadas na última quinta-feira, 13.
Na Colômbia, a Picap enfrentou dificuldades, sendo que o Ministério dos Transportes colombiano chegou a classificar o aplicativo como ‘ilegal’. No país, a justiça tenta impedir o seu funcionamento, alegando que o aplicativo não oferece condições de segurança e tem contribuído para o número de acidentes subir. Questionada sobre a não interlocução com a Prefeitura de Goiânia, a startup alega que busca sempre o diálogo com as esferas municipais, no sentido de discutir a moto como um modal que possa contribuir para a melhoria do trânsito nas cidades.
Em relação ao respeito à legislação municipal, a empresa esclarece que segue a Lei Federal 13.640/2018. Sobre a capacitação e orientação aos motoristas, a Picap explica que para ter o seu cadastro validado na plataforma, o motociclista precisa apresentar a Carteira Nacional de Habilitação tipo A; documentos atualizados do veículo, incluindo o pagamento do seguro DPVAT; possuir uma motocicleta com até 10 anos de fabricação e motor de, no mínimo, 100 cilindradas; o uso obrigatório do capacete, tanto para o condutor quanto para o passageiro.
“A empresa recebe retorno dos usuários sobre a conduta dos motociclistas. Caso haja problemas com determinado parceiro, a empresa pode suspendê-lo ou mesmo afastá-lo do aplicativo”, acrescenta a startup. Questionada sobre o suporte a motoristas e passageiros envolvidos em acidentes, a plataforma afirma que não teve nenhum caso de acidente reportado, “mas é pedido aos parceiros e passageiros que entrem sim em contato e relatem o ocorrido. Um dos critérios de aprovação na plataforma é ter o DPVAT vigente, que cobre os casos de acidente”, finaliza.
Estratégia de expansão
Para o CEO da Picap no Brasil, Diogo Travassos, ter uma base forte no Centro-Oeste é fundamental para a estratégia de expansão da empresa. “Trata-se de um mercado importante e de grande demanda por soluções de mobilidade”, defende. “É uma região com grande presença de motocicletas sendo usadas não só para entregas, mas como meio de transporte. O potencial aqui é enorme”, acrescenta.
Segundo Diogo, a Picap contribui para diminuir a poluição, descongestiona as vias e, com isso, aumenta a qualidade de vida inclusive de quem não usa o aplicativo. Acreditamos muito no potencial de impacto positivo em todas essas esferas. “Uma motocicleta ocupa muito menos espaço no viário do que um carro, com um consumo menor de combustível. É um grande desafio, que passa também pela integração com outros modais e com o transporte público”, afirma.