CEI do Asfalto pode ser suspensa em razão de auditoria e de interrupção dos contratos
10 abril 2021 às 06h10
COMPARTILHAR
Há indícios de que empresas do Maranhão, contratadas para obras em Goiânia, teriam relação com o crime organizado. Em 2015, uma das empreiteiras foi investigada na Operação Imperador, da Polícia Civil daquele Estado
Com 16 assinaturas dos vereadores da Câmara de Goiânia, a Comissão Especial de Inquérito (CEI) que visa investigar os contratos de pavimentação asfáltica na capital foi protocolada em meados de março. O objetivo da chamada CEI do Asfalto é investigar os contratos das empresas responsáveis pela reconstrução das vias na cidade.
De acordo com o regimento interno do Legislativo, é preciso ter o mínimo de 12 assinaturas de vereadores para a criação de uma CEI. Idealizador da proposta, o vereador Santana Gomes (PRTB) revela que a principal motivação para a abertura da investigação foram as denúncias que recebeu logo que a assumiu a presidência da Comissão de Obras e Orçamento da Câmara de Goiânia sobre a qualidade do serviço prestado pelas empresas responsáveis pela pavimentação na capital.
O vereador solicitou à Secretaria de Infraestrutura Urbana (Seinfra) documentos para investigar os contratos. No entanto, como resposta, o órgão emitiu uma nota de repúdio assinada por 32 servidores da pasta. Santana Gomes, no entanto, afirma que também havia recebido denúncias dos funcionários da própria secretaria. A partir de então, decidiu instaurar a CEI por suspeitar de superfaturamento e desvio de recursos nas obras.
Santana Gomes destaca que chamou a atenção a necessidade de refazer e recapear os asfaltos logo após as primeiras chuvas. Depois de cerca de três semanas da obra concluída, a Seinfra inicia a operação de tapa-buracos. “Eu recebo cerca de três denúncias graves de moradores sobre os asfaltos novos que estão se deteriorando. A sociedade também é leiga e traz os questionamentos para a Câmara. Recebo vídeos e fotos diariamente. Eu também não sou especialista, mas comecei a investigar o que está acontecendo e constatei que é uma empresa de fora que está fazendo esse trabalho.”
Outro questionamento levantado pelo vereador é em relação ao direcionamento das ruas a receber a nova capa asfáltica. Segundo ele, a escolha das vias foi feita ainda durante o processo licitatório e a empresa teria reduzido em cerca de 60% a qualidade do asfalto, embora continuasse a receber 100% do valor contratado.
O vereador sugere que a investigação deverá apontar quem teria promovido a priorização de certas vias. “Na minha concepção, as ruas foram escolhidas para reaproveitar a massa asfáltica. Essas vias tinham de 5 a 6 centímetros de espessura de asfalto; agora, eles estão fazendo com 2 centímetros, reaproveitando parte do que já tem. E o contrato é claro, deveria retirar tudo e fazer uma rua nova. Mas o que fazem é retirar 2 centímetros e jogar uma massa em cima. O asfalto antigo, mesmo desgastado com o tempo, não apresentava problemas. Então, tem alguma coisa de errado para fazer um contrato de milhões e entregar um produto com defeito.”
Diante das suspeitas, a presidência da Câmara autorizou a contratação de uma equipe técnica para aprofundar as denúncias sobre uma eventual ilegalidade por parte das empresas. Santana Gomes explica que a função da CEI era a suspensão ou a quebra dos contratos. “O prefeito [Rogério Cruz, do Republicanos] percebeu isso e se adiantou. Ele fez a coisa correta ao suspender tais contratos. Se existe alguma irregularidade, a primeira coisa a fazer é parar e a partir daí começar a investigar.”
Em nota, a Prefeitura de Goiânia afirma que Rogério Cruz suspendeu o contrato de pavimentação asfáltica para garantir que os recursos públicos sejam usados de forma correta e ressaltou que o contrato em voga, firmado pela gestão passada, já era objeto de fiscalização de diversos órgãos municipais e federais, além de auditoria externa permanente. “A paralisação neste momento se fez necessária para garantir a lisura do processo fiscalizatório.”
A suspensão foi publicada no Diário Oficial do Município no dia 30 de março. Segundo o Paço Municipal, foi motivada após os vereadores solicitarem a instalação da CEI para investigar os contratos firmados para a reconstrução do asfalto de ruas e avenidas de Goiânia. “São denúncias graves de superfaturamento. O Legislativo tem total prerrogativa para exercer esse papel fiscalizador e eu, como gestor do município, não posso fechar os olhos diante do clamor de tantos parlamentares”, justificou o prefeito.
Ainda de acordo com a nota, sobre a suspensão, enquanto o contrato estiver sob análise a Prefeitura viu como solução para os locais onde o asfalto já foi frisado trabalhar com recursos próprios materiais e humanos, para que a população não seja prejudicada.
De acordo com o vereador, a CEI aguarda o Paço para se posicionar. “Nosso objetivo é contribuir com a Prefeitura. Estou buscando uma assessoria para dar apoio técnico. Já conseguimos suspender os contratos. Vamos, agora, montar uma comissão para investigar e averiguar os documentos. Eu me senti contemplado temporariamente porque se o prefeito entendeu nosso objetivo, suspendeu o serviço e parou os pagamentos. Uma auditoria será feira entre a Prefeitura e a Câmara. Quero discutir com o Poder Executivo para termos uma equipe técnica independente.”
Uma auditoria também está sendo realizada pela Controladoria Geral do Município (CGM). O prazo regimental para conclusão da investigação é de 120 dias, porém, segundo o prefeito, a determinação é de que o procedimento seja finalizado no menor tempo possível. “Nenhuma obra realizada pela Prefeitura de Goiânia terá o status de inacabada. Assim que sanadas todas as dúvidas, os processos continuam com total transparência, uma das marcas da atual gestão.”
O parlamentar destaca que atua na Câmara com independência e não faz parte da base de apoio do prefeito no Legislativo. “O prefeito pode ter em um mim um parceiro fiscalizador. Não faço parte da base eu não tenho relação com o Paço. Por isso, me sinto muito à vontade para fazer meu trabalho. Sinto que Rogério Cruz também respeita a Câmara. Não pediu até o momento para nenhum vereador retirar a assinatura da CEI nem quis fazer indicação do relator.”
Empresas contratadas
Durante a gestão de Iris Rezende (MDB), um projeto foi elaborado para que 630 quilômetros de asfalto fossem reconstruídos, o equivalente a 7.412.758,73 m² de ruas, avenidas e trechos de vias em 110 bairros localizados em todas as regiões da cidade. Em 2019, as empresas Engefort Construtora e Empreendimentos Ltda. e Construservice Empreendimentos e Construções Ltda. venceram o processo licitatório da Prefeitura de Goiânia para a obra.
A emprensa Contruservice Empreendimentos e Construções Ltda., registrada na Junta Comercial do Estado do Maranhão, tem como sócio-proprietário Rodrigo Gomes Casanova Júnior e foi contratada para a execução dos serviços de reconstrução e restauração da pavimentação asfáltica das regiões norte, leste, oeste, noroeste, sudoeste e centro do município de Goiânia. O valor total do serviço é de R$ 173.835.290,16.
A Engefort Construtora e Empreendimentos Ltda., responsável pela reconstrução da pavimentação asfáltica dos bairros da região sul, também é do Maranhão e conta com a assinatura no contrato do sócio-proprietário Antônio Carlos Del Castilho. O valor do documento é de R$ 71.616.496,22. O orçamento inclui a supervisão e sinalização das vias.
Há suspeita de que as empresas contratadas tenham relação com o crime organizado. Em 2015, a Operação Imperador, da Polícia Civil do Maranhão, investigou o envolvimento de gestores públicos com esquemas de agiotagem para fraudar licitações na cidade. Segundo o vereador Santana Gomes, essas empresas que hoje têm relação com Goiânia foram investigadas na operação.
A atual gestão aponta que, dos quase 7,5 milhões de metros quadrados contratados, já foram feitos 2,5 milhões pela gestão anterior e a atual vai fazer os restantes 5 milhões. O programa deve chegar a todos os 110 bairros já listados. Após a conclusão desta etapa, a Prefeitura já planeja a próxima etapa, que deverá alcançar cerca de 800 quilômetros de novas vias revitalizadas.
O Jornal Opção procurou ouvir a versão dos responsáveis pelas empresas citadas na reportagem, mas conseguiu falar com responsáveis. O espaço permanece aberto para suas explicações.
Situação política
Nos bastidores, há a informação de que a crise que causou o desembarque do MDB da gestão do Republicanos no Paço tem relação direta com a investigação dos contratos para reconstrução da pavimentação asfáltica da cidade.
O ex-deputado federal, Luiz Bittencourt (MDB), à época titular da Seinfra, pediu exoneração do cargo após publicação de decretos assinados por Rogério Cruz que garantiram maior autonomia à Secretaria de Governo, concentrando a decisão de contratos e licitações sob a responsabilidade do chefe da pasta, Arthur Bernardes. Obviamente a suspensão dos contratos de reconstrução e recuperação asfáltica também causou desgaste.
Luiz Bittencourt é do grupo político do presidente estadual do partido, Daniel Vilela. Consagrou o espaço na gestão de Rogério Cruz, juntamente com um grupo político também próximo ao ex-prefeito Iris Rezende. “A saída de Bittencourt anunciou o golpe. Talvez Iris nem saiba o que ocorreu. Mas os fatos e a assinatura dos contratos de licitação foram feitos em seu governo”, afirmou uma fonte à reportagem.