Câncer de mama masculino é raro, mas número de mortes aumenta em Goiás
25 outubro 2025 às 21h00

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Embora o câncer de mama seja uma doença amplamente associada ao público feminino, ele também pode acometer homens — ainda que de forma menos frequente. Para cada 100 casos em mulheres, há de um a dois casos em homens. Representando cerca de 1% a 2% de todos os casos de câncer de mama, a enfermidade masculina é considerada rara, mas não inexistente, e sua detecção tem se tornado mais comum graças ao aumento da conscientização e ao aprimoramento dos métodos diagnósticos.
Apesar de não haver consenso sobre um crescimento real na incidência global, fatores como o envelhecimento populacional, a obesidade, o consumo de álcool e alterações hormonais estão entre os principais elementos que podem contribuir para o aparecimento da doença.
O grande desafio, no entanto, ainda é o diagnóstico tardio. Muitos homens desconhecem que podem desenvolver câncer de mama e, por isso, tendem a ignorar sintomas iniciais, como nódulos na região peitoral ou alterações no mamilo. Soma-se a isso o estigma social, que associa o câncer de mama exclusivamente às mulheres, dificultando a busca por ajuda médica.

A Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) informou que o número de casos da doença no estado apresentou queda nos últimos três anos. Em 2022, foram registrados 12 casos; em 2023, 9; e em 2024, apenas 7.
No entanto, o número de óbitos decorrentes de complicações da doença aumentou significativamente no mesmo período. Foram 3 mortes em 2022, 4 em 2023 e 12 em 2024.
Diante desse cenário, especialistas reforçam a importância da informação, do autoexame e do acompanhamento médico — sobretudo para aqueles com histórico familiar da doença ou mutações genéticas conhecidas, como BRCA1 e BRCA2, além da necessidade de políticas públicas e campanhas que incluam também o público masculino na prevenção e no diagnóstico precoce.
O mastologista Dr. Ruffo de Freitas Júnior, médico do Serviço de Ginecologia e Mama do Hospital Araújo Jorge, concedeu uma entrevista exclusiva ao repórter Cilas Gontijo, do Jornal Opção, na qual explicou em detalhes todo o processo do câncer de mama em homens — desde o diagnóstico até as etapas completas do tratamento.

O câncer de mama masculino tem aumentado nos últimos anos? Quais fatores explicam esse crescimento nos diagnósticos?
O câncer de mama no homem continua apresentando baixa incidência, apesar de não ser raro, é pouco frequente, correspondendo a 1% a 2% de todos os casos de câncer de mama. Não há consenso de que haja um aumento significativo na incidência global; muitos estudos sugerem variações em decorrência do diagnóstico mais precoce em algumas regiões.
– Fatores que podem explicar aparentes aumentos locais ou temporários:
– Melhorias na detecção e maior consciência pública podem levar a mais diagnósticos.
– Maior familiarização médica com a doença pode resultar em maior suspeita clínica e confirmação diagnóstica.
– Fatores de risco compartilhados com o câncer de mama feminino (p.ex., mutações genéticas HER2, BRCA1/2, alterações hormonais) podem elevar a incidência em subgrupos específicos.
– Entretanto, o envelhecimento da população e exposição a fatores de risco comuns (álcool, obesidade, terapia de privação de testosterona etc.) parecem ser as explicações mais aceitáveis.
Quais os principais sintomas que os homens devem observar e que podem indicar câncer de mama?
De uma forma geral, o câncer de mama tanto no homem quanto na mulher, costumam crescer silenciosamente. Ainda assim pode haver sintomas no início e, principalmente, com o crescimento do tumor aparecem, incluindo:
– Nódulo ou massa no tecido mamário, geralmente indolor.
– Inchaço ou endurecimento do peito.
– Alterações na pele da região mamária, como vermelhidão, pele enrugada (aspecto semelhante a casca de laranja) ou retração.
– Dor na mama ou na região ao redor.
– Secreção saindo do mamilo (bico do peito) transparente ou sanguinolenta.
– Retração da base do mamilo ou inversão persistente do bico do peito.
– Alterações do mamilo, como sangramento ou ulceração. Alterações de pele que causam prurido (coceira) e descamação da aréola.
– Embora menos comum, linfonodos aumentados (ínguas) sob a axila podem indicar disseminação regional.
– Importante: muitos tumores masculinos se apresentam como nódulos na região subareolar (em volta do mamilo), então o autoexame da mama e dos mamilos e da região axilar é útil e poderosa.
Quais os fatores de risco mais associados ao câncer de mama masculino? A herança genética tem papel tão relevante quanto nas mulheres?
São fatores de risco importantes:
– Mutação hereditária nos genes BRCA2 (e, menos frequentemente, BRCA1). Homens com BRCA2 alterado têm risco aumentado de câncer de mama e de outros cânceres (exemplo câncer de pâncreas).
– História familiar de câncer de mama (pai, irmão, filho) aumenta o risco, especialmente com casos bilaterais ou associados a mutações genéticas.
– Idade: o risco aumenta com a idade; a maioria dos casos ocorre entre 60 e 70 anos.
– Hipogonadismo, doenças da hipófise, obesidade, uso de esteroides sexuais femininos (ex: estrógenos, principalmente), e exposição a esteroides androgênicos podem influenciar.
– História de radiação torácica na juventude, para tratamento de outros tumores, incluindo linfoma.
– Herança genética:
– O papel de BRCA2 nos homens é particularmente relevante e pode ter magnitude semelhante a BRCA2 em mulheres, embora a expressão clínica seja diferente.
– Outros genes que reparam o DNA (p.ex., PALB2, CHEK2) também podem aumentar o risco, com frequência menor que os anteriores.
– Em resumo, fatores genéticos são importantes, especialmente BRCA2, e a herança genética pode ser tão relevante, quanto em mulheres para certos grupos.
O processo de diagnóstico e opções de tratamento para câncer de mama em homens difere muito dos aplicados em mulheres?
Diferentemente da mulher, em que o câncer de mama é muito frequente e mais difícil de ser detectado, e que para elas, existem as recomendações de rastreamento com mamografia e ultrassom e ressonância magnética (para aquelas que tem mutação genética ou forte história familiar). Para o homem, pela baixa incidência e por ser mais fácil de ser palpado, não há exames de rastreio periódicos. Entretanto, o autoexame ou autocuidado é importante. Uma vez que haja alguma suspeita clínica, os exames abaixo são necessários para o diagnóstico. As diretrizes para homens transexuais, em uso de esteroides sexuais femininos, é que façam também mamografia de rastreio.
– Diagnóstico:
– Evita-se atrasos: homens costumam procurar ajuda com tumores já maiores; exame clínico, ultrassom da mama e biópsia (core-needle) são métodos padrão para confirmação do diagnóstico
– Imagem: mamografia é bastante útil, podendo ser complementada com ultrassonografia. A ressonância magnética pode ser indicada em casos específicos.
– Tratamento:
– Cirurgia: mastectomia, retirada completa da mama, tem sido substituída por cirurgias menos extensivas. A decisão será tomada, entre outros fatores, levando em consideração ao tamanho do tumor em relação a quantidade de tecido mamário (tamanho da mama).
– Radioterapia: pode ser indicada após cirurgia dependendo do tamanho do tumor e do comprometimento das ínguas axilares.
– Terapia sistêmica: incluindo quimioterapia, endocrinoterapia e terapia antiHER2, dependerá da presença de receptores de hormônio e de receptores HER2:
– Considerações especiais: efeitos colaterais diferentes em homens (disfunção sexual, fadiga, alterações corporais) e necessidade de suporte multidisciplinar.
Como o diagnóstico impacta psicologicamente os pacientes homens, já que a doença é culturalmente associada ao público feminino?
Como impactos comuns, podem ser observados:
– Estigma social e sentimentos de tabu podem dificultar buscar ajuda.
– Ansiedade sobre masculinidade, medo de ser julgado, preocupação com a sexualidade e fertilidade.
– Dor emocional, depressão, e sensação de isolamento.
Existe protocolo de rastreamento preventivo para homens com histórico familiar da doença? Quando é indicado procurar um especialista?
Não existe uma diretriz de rastreamento universal amplamente adotada de rastreamento populacional para homens, diferentemente do que é feito para mulheres em determinadas idades. Para homens com histórico familiar significativo ou com mutação BRCA2 conhecida, recomenda-se avaliação genética e acompanhamento personalizado.
Quando procurar um especialista: Se houver qualquer nódulo, alterações no mamilo, secreção mamilar ou alterações cutâneas na região do peito. Para portadores de mutações BRCA1/2 ou que tenham importante histórico familiar de câncer de mama ou de outros cânceres associados (pâncreas, próstata), considerar consulta com oncogeneticista para avaliação de risco, aconselhamento genético e discussão de rastreamento de tumores em outros órgãos e medidas preventivas. A frequência de acompanhamento pode incluir exames clínicos regulares, ultrassom ou mamografia conforme indicação clínica.
O preconceito e a falta de informação ainda levam muitos homens a ignorarem sinais e procurar ajuda tardiamente?
Existem barreiras culturais, estigma de câncer ser “do feminino” e desconhecimento sobre a possibilidade de câncer de mama masculino contribuem para atrasos no diagnóstico. Como consequências é esperado tumores maiores no momento do diagnóstico, opções de tratamento potencialmente mais invasivas e desfechos que podem ser menos favoráveis. Com isso, as campanhas de conscientização que incluam homens, informações acessíveis, formação de profissionais de saúde para reconhecer sinais em homens, e promoção de consultas médicas quando surgirem sinais.
Quais os principais avanços científicos no diagnóstico e tratamento do câncer de mama masculino nos últimos anos?
Avanços de diagnóstico: Melhor compreensão das alterações genéticas associadas e uso de testes genéticos, principalmente para BRCA1/2 e outros genes.
Em relação aos exames de imagem: uso mais criterioso de ultrassom, mamografia e ressonância magnética quando indicado.
Quanto ao tratamento: A individualização com base nos novos conceitos biológicos, em receptor hormonal (ER/PR) e status HER2, com uso de terapias-alvo quando apropriado. A terapia endócrina é adaptada para homens (p.ex., uso de inibidores de aromatase precisam ser usados com análogos de GnRH). Pesquisas continuam para protocolos ideais. A cirurgia oncológica com melhores técnicas de conservação e de reconstrução mamária trouxeram grandes avanços. Não menos importantes estão os cuidados de suporte para o paciente e para seus familiares, manejo de efeitos colaterais, qualidade de vida e suporte psicológico integrados.
Filha relata trajetória do pai com câncer de mama
Renata Emanuele, filha de Manuel Vitorino da Silva, de 78 anos, relatou a experiência da família ao enfrentar o diagnóstico de câncer de mama em seu pai, descoberto em 2019. Ela destacou que Vitorino convive com diabetes há 40 anos.

“Eu percebi que o bico do peito do meu pai estava para dentro e a pele com aspecto de casca de laranja. Falei: ‘Pai, você vai tanto ao médico, pede pra médica ver essa mama do senhor’. Ele demorou cerca de nove meses para tomar coragem”, contou Renata.
Após a avaliação inicial no Hospital Geral, foi constatado um nódulo suspeito. “A médica disse que parecia câncer mesmo e nos orientou a procurar um especialista. Fomos ao Araújo Jorge, com o Dr. Francisco Dourado, que nos ajudou muito”, disse.
Manuel passou por oito sessões de quimioterapia ainda em 2019. “Era durante a pandemia, então foi complicado, mas meu pai não deixou de fazer o tratamento. Não era um câncer que iria levá-lo, porque ele foi muito bem cuidado”, afirmou.
Em 2020, ele realizou a cirurgia, precisando de um pequeno procedimento posterior para drenar um hematoma. Depois, passou pela radioterapia, que causou queimaduras leves na pele. “Ele não consegue levantar totalmente o braço do lado tratado, mas vive bem, evita pegar peso, e o acompanhamento continua”, explicou Renata.
Hoje, Manuel segue em tratamento oral contínuo, com medicação fornecida pelo Araújo Jorge. “Ele está fazendo os exames regularmente e não há sinais de metástase”, disse.
Renata também comentou a preocupação com a família: “Minha mãe também teve câncer de mama este ano. Todos os médicos falam que, se o pai teve câncer de mama, a chance de as filhas desenvolverem a doença aumenta. Temos até uma piada interna sobre quem vai ser a ‘sortuda'”.
Renata destacou o apoio familiar e a força do pai: “De todas as mazelas que ele tem, essa não vai acabar com ele. Ele é um senhor sistemático, mas muito gente boa.”
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