Breno Leite é personalidade ímpar que foi de tratador a paciente da Covid-19

13 setembro 2020 às 00h00

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O médico, vereador e escritor Breno Leite atuou na linha de frente contra a Covid-19 desde o início da pandemia em Goiás, atendendo doentes pela doença em Jaraguá, Itaberaí e Barro Alto

O vereador e escritor Breno Leite, pediu licença não remunerada na Câmara Municipal de Jaraguá para poder trabalhar no enfrentamento da doença porque dos dez colegas médicos que atuavam em Itaberaí, oito foram contaminados pela doença. “Cheguei a fazer o diagnóstico em 28 pacientes por dia”, conta Breno Leite.
Segundo o médico, o boom da doença na cidade ocorreu porque frigoríficos e indústrias de processamento de alimento não pararam. “Onde tem frigorífico no estado, você percebe uma explosão no número de casos, mesmo que os frigoríficos adotem um protocolo de segurança rígido. Isso ocorre porque o ambiente gelado da câmara fria ajuda a propagação do vírus”, explica.

Os decretos iniciais pelo isolamento datam do dia 19 de março. Segundo Breno Leite, eles retardaram a chegada da pandemia em Goiás, mas não puderam contê-la definitivamente. “Itaberaí teve um boom de infectados, mesmo com rigor dos protocolos. Nestes frigoríficos, nem se chegava a confirmar o vírus e o funcionário já era afastado por qualquer sintoma. Mesmo assim, acabou acontecendo um aumento súbito no número de casos.”
Após quatro meses de atendimentos, Breno Leite atendeu mais de 100 pacientes nos três municípios. Sua rotina era a de realizar periodicamente exames – mesmo sem sintomas – de PCR-RT por swab nasal e testes rápidos de 15 em 15 dias. Todos os resultados sempre foram negativos.

“Até o plantão de uma quinta-feira à noite, quando senti febre, dor de cabeça, dor no corpo terrível. Foi uma experiência que doeu uma dor diferente. Na hora eu soube. Vim pra casa, fiz exame; resultado negativo. Atendi no sábado e domingo. Fiz raio-x do tórax, mais testes rápidos; tudo normal. Pulmão limpinho. Mas não consegui atender na segunda e terça-feiras porque começou a me faltar ar”, conta Breno Leite.
A tomografia revelou que 21% de seu pulmão estava comprometido. Ele foi ser atendido no Hospital Anis Rassi, em Goiânia. Por ter 49 anos e ser hipertenso, Breno Leite foi internado na unidade de tratamento intensivo (UTI). Os exames, que até então haviam resultado negativos, passaram a apontar a presença do vírus no corpo. Breno Leite recebeu o tratamento com plasma convalescente, que encerrou os sintomas – principalmente a terrível falta de ar.

Entretanto, após o término dos sintomas, começou a fase inflamatória da doença. Na quinta-feira seguinte, Breno Leite tinha 50% dos pulmões comprometidos. “Essa doença é arrasadora. Em apenas quatro dias minha saturação de oxigênio no sangue caiu para 83% e eu só sobrevivi graças à ventilação mecânica”, conta Breno Leite.
Na UTI em que Breno Leite ficou internado, havia dois outros médicos em condições semelhantes às dele. A própria equipe do hospital Anis Rassi já fora quase completamente infectada e recuperada, devido à natureza arriscada da profissão. Na internação, Breno Leite considera que foi salvo pela da ventilação não-invasiva e cânula nasal de alto fluxo no tratamento da insuficiência respiratória aguda.

A outra alternativa, conta o médico, era a ventilação invasiva, em que uma cânula orotraqueal é utilizada. “Muitos dos óbitos decorrem não da Covid-19, mas a infecções secundárias devidas ao acúmulo de pus e bactéria da cânula invasiva. A ventilação não-invasiva requer um fisioterapeuta o tempo todo ao lado, é mais cara e salva muitas vidas. Não é mais utilizada porque lança vírus no ambiente; só pode ser utilizada porque grande parte da equipe já se contaminou e está imunizada”, explica Breno Leite.
Com três dias de internação, Breno Leite teve boa recuperação e deixou a UTI, retornando à enfermaria. Ele atribui sua cura ao bom protocolo aplicado pelo hospital Anis Rassi e aos profissionais de saúde, que aprenderam a lidar com a doença nos últimos meses. “As equipes têm um índice de salvamento muito maior agora do que no começo da pandemia”.
Além da ventilação mecânica não-invasiva e do tratamento com plasma convalescente, a equipe de saúde utilizou anticoagulantes, dexametasona, colchicina – todos remédios testados e aprovados para outras doenças, mas que, empiricamente, mostraram bons resultados no tratamento da Covid-19.

“Voltei curado para Jaraguá. Já retornei à minha atividade parlamentar, como presidente da comissão de saúde na Câmara de Jaraguá e debatendo a doença no comitê de controle de crise. Além disso, tornei a atender nos hospitais de Itaberaí, Montes Belos e Jaraguá, onde fui recebido com uma festa de recepção que muito me emocionou.”
Escritor
Além de médico e vereador, Breno Leite é também o autor do livro “A Última Página de um Sonho”, vencedor do prêmio Joaquim Câmara Filho da Fundação Jaime Câmara. Breno Leite utilizou seu talento na prosa para compor a seguinte homenagem aos colegas médicos mortos pela Covid-19.
Hoje estou fazendo o plantão Noturno em substituição a um colega que faleceu por Coronavírus. Já triste por ter que assinar o livro de presença como substituo do Dr. Flavio Fialho, recebo o plantão com uma senhora de 69 anos que veio de uma cidade vizinha com diagnóstico de Covid19 em estado gravíssimo, entubada no isolamento respiratorio com mais de 75% de comprometimento do pulmão, e saturação de oxigênio, mesmo com ventilador mecânico, mesmo com noradrenalina correndo nas veias, não mais que 70%. Não demorou e ela , depois de 2 paradas reanimadas, faleceu por complicações desta doença.Triste ter que dar a notícia do óbito à familia. Ficaram chocados! Não sei como foi a forma de contaminação dela e não discuto isto aqui para que possiveis familiares venham ter sentimentos de culpa. Mas não posso me calar perante o que me assusta.. como meu colega médico Heitor Godinho, constato com grave perplexidade que surge um grupo novo na Covid19: “MORTE EM FAMÍLIA”. A abertura de tudo e a vida livre dos mais jovens vem trazendo destruição familiar. Aquele almoço de domingo ou o aniversário de um familiar onde só vai ter gente da família traz uma grave falsa segurança.. e são estas pequenas aglomerações familiares que podem estar matando avós, pais e filhos. TODOS os dias estou atendendo ou assistindo famílias sendo dizimadas pela Covid. Houve casos de morrerem o pai, a mãe e o avô em 7 dias devido uma “peixada inocente” onde “só tinha parente”. Aí vão os netos, primos e jovens que estão nos bares, academias, resenhas de amigos… que acabam por apresentar o vírus aos grupos de risco que estão sucumbindo à morte. Precisamos ter consciência social e empatia. Que Deus nos proteja.
Breno Leite Santos