Pejorativamente apelidadas de bancadas “da bíblia”, “do boi” e da “bala” – ou bancada BBB, no coletivo –, as frentes parlamentares evangélica, ruralista (ou do agronegócio) e da segurança pública, embora com um Congresso Nacional com maioria conservadora, tendem a passar por novas configurações. A bancada evangélica, a mais influente no Parlamento, iniciou trabalhos para a criação do colegiado dividido. Assim também, acontece com a segurança pública, que deve diminuir o discurso armamentista dos tempos do ex-governo de Jair Bolsonaro (PL), um entusiasta pró-armas. O agro sinaliza deixar um pouco de lado a ideologia, para manter e avançar com as pautas do setor, entretanto, neste momento, se comporta como independente, e foi a única em fechar questão para a definição do seu presidente.

Embora estas bancadas não aprovem projetos, elas definem pautas e fazem muito ‘barulho’ no Congresso. Atentos para maior atuação, os líderes destes grupos já definiram estratégias para que deputados mais comprometidos com as demandas comuns entre eles estejam em todas as comissões parlamentares. Uma vez que são nestes colegiados que os projetos conseguem avançar até ao Plenário.

A comissão é instância oficial, onde se debate e se encaminha os projetos. O grande debate acontece nas comissões

Deputada Adriana Accorsi


Bancada evangélica ou da Bíblia

Um dos principais pilares do bolsonarismo, parte da bancada evangélica tem acenado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar de se constituírem em um grupo mais conservador, há membros também da esquerda, como Benedita da Silva (PT). Neste contexto, o grupo, somado ao que ficou neutro na última eleição presidencial e ao que apoiou a campanha de Lula, chega a corresponder a quase metade da frente parlamentar. Cabe ressaltar, que estão ligados mais às pautas de costumes. Durante as negociações para a formação da base de apoio ao novo governo, a bancada foi à primeira a entrar na mira do Palácio do Planalto.

A bancada do boi tende a ter possivelmente o maior alinhamento ao governo nos próximos anos

Guilherme Carvalho, cientista político

É que nesta nova legislatura, que se iniciou na quarta-feira, 15, a quantidade de fiéis na Câmara dos Deputados aumentou de 91 para 98. Só em Goiás, que diretamente houve diminuição, saiu de dois para um. Até 31 de janeiro, havia os deputados João Campos (evangélico) e Francisco Jr. (católico). No entanto, mais da metade do contingente, 49, é aliada de Bolsonaro, incluído o deputado federal Jeferson Rodrigues (Republicanos); e apenas dez apoiam Lula. Os demais, 20 mantiveram-se neutros em meio à disputa eleitoral de 2022, e outros 19 buscam distanciar do bolsonarismo, sinalizando para o novo governo.

Deputado federal Jeferson Rodrigues | Foto: Alego
Deputado federal Jeferson Rodrigues | Foto: Alego

Ao corresponder aos acenos, o Planalto já avalia criar uma subsecretaria específica para questões evangélicas, e, assim, abrir diálogo com as igrejas. Em janeiro, o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, da Assembleia de Deus, se reuniu com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, para tratativas desse assunto.

Enquanto parte se aproxima do governo, a polarização toma conta da frente evangélica, que precisou optar por eleições presidenciais ante o consenso progressista. Em meio à disputa, há, de um lado, parlamentares religiosos que calculam que o isolamento a Lula deve reduzir qualquer influência, o que pode atrapalhar o poder de barganhas e benefícios junto ao Planalto. Outra ala, a mais conservadora, pontua que com o retorno do PT ao poder, é preciso reforçar trincheiras contra avanço de qualquer pauta progressista.

Apesar de novato na Câmara dos Deputados, Jeferson Rodrigues já integra a frente parlamentar. “Eu já faço parte da bancada evangélica”, ressalta. Segundo ele, para tratar o assunto da saúde mental e emocional propôs a criação de uma frente parlamentar própria. “Escolhemos também para dar um suporte maior nesta pauta a comissão de Saúde e Seguridade Social. Lira [Arthur Lira, presidente da Casa] disse que vai dividi-la, mas vamos ver se haverá esta divisão mesmo, mas esta comissão de Saúde e Seguridade Social é uma das comissões que nós iremos fazer parte. Estamos trabalhando para sermos titulares desta comissão”, revelou.  

Segurança Pública

Adriana Accorsi, deputada federal eleita pelo PT | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Adriana Accorsi, deputada federal eleita pelo PT | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Assim como a bancada evangélica, a frente parlamentar de Segurança Pública sofre com a divisão de seus membros. No passado, por uma defesa mais acirrada por liberação de armas, o grupo passou a ser conhecido por bancada da bala. Agora, dois parlamentares disputam o comando da frente. Alberto Fraga (PL-DF), coronel da Polícia Militar do Distrito Federal PM-DF, no quinto mandato; e Nicoletti (UB-RR) -policial rodoviário federal, que está no segundo mandato.

Na legislatura passada, o comando era do Capitão Augusto (PL-SP), que cedeu a Alberto a presidência por entender que o coronel é um histórico líder da segurança pública no Congresso. Porém, o PRF não concordou com isso e resolveu colher assinaturas para recriar a bancada. Em paralelo, Fraga também se mexeu e está colhendo assinaturas.

De acordo com a deputada Adriana Accorsi, ela irá assinar a lista do representante que tiver o apoio da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol). “Frente parlamentar é diferente de comissão, a frente parlamentar pode ter várias. Eu por exemplo estou com a frente de combate a violência contras mulheres e a Silvye [Alves] tem outra parecida. Isso não tem problema. E vou assinar a dela, não tem problema nenhum, pode ter várias com enfoques diferentes, dentre tantos deputados e deputadas. Mas a comissão, não! A comissão é instância oficial, onde se debate e se encaminha os projetos. O grande debate acontece nas comissões”, frisa.

A Adriana Accorsi tem um papel institucional maior do que é esse papel de atuação na segurança pública

Guilherme Carvalho, cientista político

Bancada ruralista  

Deputado Marussa Boldrin | Foto: Jornal Opção
Marussa Boldrin: deputada federal eleita | Foto: Divulgação

Em relação às outras duas grandes frentes parlamentares, evangélica e da segurança pública, a frente parlamentar ruralista se mostra mais unida. O grupo definiu sem muito alarde o deputado Pedro Lupion (PP-PR). Nos primeiros discursos, ele criticou veemente o presidente Lula. Para ele, o governo sinalizou mal para o agronegócio, defendendo que o setor não vai pagar a conta de um eventual aumento de impostos, depois que for aprovada a reforma tributária. Outra questão levantada pelo líder é sobre a área econômica, com a simplificação do sistema tributário brasileiro e do futuro da Lei Kandir, isentando os produtos exportados do ICMS estadual.

Pelos cálculos de Lupion, a bancada reúne cerca de 300 deputados, com sintonia com senadores. “Então acho que a gente vai conseguir destravar as pautas. Nos últimos quatro anos nós conseguimos avançar muito a nossa pauta na Câmara, mas no Senado encontramos uma barreira bem complicada”, disse ao jornal Folha de S.Paulo.

Integrante da frente ruralista, a deputado federal Marussa Boldrin passa a substituir José Mário Schreiner, principal representante do agro goiano na Câmara. “Faço parte da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), sou vice-presidente do Centro-Oeste e farei tudo para que o setor tenha o valor que merece e vou trabalhar para isso”, destaca.

Para ela, a bancada tem muitas pautas caras e inegociáveis, ainda que defenda o diálogo como  importante para o debate. “O livre mercado, desburocratização, linhas de financiamento, combate à invasão de terras, créditos rurais, qualificação e investimento em estudo e tecnologia para o campo além da valorização do setor”, elenca. Ao comparar o grupo com outras frentes, ela salienta que os assuntos são mais específicos. “Por não se tratar de pauta de costume, e sim econômica, os pedidos são mais claros e objetivos. Com isso sabemos o que cobrar do governo e como cobrar, acredito que o radicalismo não ajuda a construção de nenhuma pauta”, aponta.

Cientista político acredita que ‘BBB’ continua forte no Congresso

O cientista político Guilherme Carvalho concedeu uma entrevista ao Jornal Opção e fez uma análise sobre o desenho da nova Câmara dos Deputados e a relação de muitos grupos com o governo do presidente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Guilherme Carvalho, cientista política | Foto: divulgação
Guilherme Carvalho é cientista político | Foto: divulgação

As bancadas da Bala e Bíblia tendem a perder forças neste novo Congresso Nacional, embora haja uma indicação de um parlamento mais conversador?

Guilherme Carvalho – Eu não acho que a bancada da bíblia, do boi e da bala perdem força no Congresso. Acho que eles continuarão tendo a relevância que sempre tiveram. No entanto, é difícil responder que elas importarão mais ou menos, porque isso vai depender de como essas pautas serão trazidas à baila, em especial nas comissões temáticas e no Plenário da Câmara dos Deputados, só assim a gente vai conseguir mensurar de fato a coesão dessas bancadas nas determinadas votações, inclusive quando forem votações que desagradam o governo. Somente aí, vamos ter um teste de fato sobre a coesão dessas bancadas e a força para manutenção dos objetivos delas.

– Considerando os eleitos por Goiás ligados a área de segurança pública, por exemplo, a delegada Adriana Accorsi rechaça muitos temas da bancada da bala, por serem mais à direita. Caso a frente da bala ganhe força, Goiás pode ficar sem representante?

A Adriana Accorsi tem um papel institucional maior do que é esse papel de atuação na segurança pública. Eu acho que a segurança pública é uma bandeira eleitoral para a Adriana Accorsi, mas do ponto de vista institucional, ela não tende a votar tão coesa com esta bancada, mesmo nas temáticas, mesmo porque, prevalece muito mais orientação do líder do governo, já que ela é alguém do partido do presidente Lula. Então ela tende a ter maior vigilância e obediência a isso. O PT é um partido que se comporta de forma muito coesa na parte das votações. Então, estas questões temáticas são um pouco deixadas de lado. Até porque também a abordagem da Adriana Accorsi, em relação a temas de segurança pública é diferente de boa parte dos integrantes dessa bancada defendem.

– A Silvye Alves por ter construído a carreira no jornalismo policial pode ser ‘cooptada’ para a bancada da bala? Ou o colegiado é bem restrito àqueles ligados diretamente à Segurança Pública?

Silvye Alves | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção
Silvye Alves | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Por outro lado, eu acho que a Silvye Alves  tem tudo para trilhar um certo caminho dentro da bancada da segurança pública, em especial, a chamada bancada da bala. Pela atuação dela como profissional de comunicação e como alguém que militou ao lado de uma determinada visão de mundo sobre segurança pública, acho que ela encaixará com certeza e deverá militar ao lado dessa bancada. Até por isso tem aquele discurso dela e de tantos outros deputados do União Brasil, de tentar manter independência, principalmente, porque muitos deles estão ligados a essas pautas, que por muitas das vezes serão contrárias a visão do governo, mesmo que o partido dela pertence ao governo. Agora se ela terá realmente condições de ter essa independência toda que ela diz que terá, isso é outra discussão, porque a partir do momento que o União Brasil for de fato para dentro do governo, ficará bem difícil de manter uma posição de independência. Mas de toda a sorte, acredito que ela deve ficar sim na defesa dessas pautas de segurança pública.

– A bancada da bíblia pode seguir atuante tendo o deputado federal Jefferson Rodrigues? Que pode substituir o ex-deputado delegado João Campos neste campo?

Já a bancada da Bíblia, eu acredito, que com certeza, eles tendem a ter um comportamento mais independente. Justamente, porque um dos pontos de tensão entre uma certa mediana representante de segmentos religiosos, dentro do Congresso Nacional é justamente a pauta de costumes. Esse é um dos grandes motes da chamada bancada da bíblia. Assim, eu acredito que o deputado Jefferson deve representar essa bancada, ocupando esse vácuo deixado pelo João Campos, que não conseguiu ser eleito para o Senado. Eu concordo totalmente com essa assertiva. Deve ser uma bancada atuante, principalmente, quando forem pautadas as questões de costumes, que podem ser por regulamentação de decisões progressistas do Supremo. Eu não acredito que muitas dessas matérias sejam pautadas, pelo menos neste primeiro ano, mas a tendência é que quando pautadas eles devem seguir unidos e contra.

– Na bancada do boi, o nome para o setor para a frente seria a Marussa Boldrin, que foi eleita sobre as bases de José Mário Schreiner?

A bancada do boi, por outro lado, tende a ter possivelmente o maior alinhamento ao governo nos próximos anos. Isso se deve também ao tipo de política externa que o presidente Lula deve fazer, em especial, abrindo mercados para o Brasil, no que tange a venda das nossas commodities, e o boi é uma das importantes, talvez a mais simbólica, que advém do agro. Acho que Goiás se mantém com uma representatividade, com a deputada Marussa e, fora a representatividade simbólica, pois o setor do agro acaba sendo meio que transversal. Embora muitos dos deputados não sejam membros da chamada bancada do boi, a tendência é que nós vejamos o encaminhamento de alguns alinhamentos transcendendo as linhas partidárias quando o tema é o agro, em especial, por boa parte da bancada goiana.