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No começo não havia nada, apenas um grande vazio. Quiçá inspirado em Gênesis (havia uma terra “sem forma e vazia”), o homem que arquitetou Goiânia descreveu assim, numa carta para o pai, suas primeiras impressões do local onde nascia a nova capital de Goiás. Foram dias difíceis, vencidos com extrema resiliência. Não havia conforto, a mão de obra era escassa e o calor, insuportável.

Numa tenda de lona, armada à beira do córrego Botafogo, o homem que inventou Goiânia olhava para aquele imenso vazio, composto tão-somente por uma casa aqui e outra acolá, e pensava se valia a pena todo aquele sacrifício físico e mental para construir uma cidade bem no meio do Brasil. O país, no início dos anos 30 do século passado, era visto como o fim do mundo.

Apesar da companhia do filho ainda jovem, que trouxe para a empreitada, sentia uma solidão que o arrasava. Mas sabia que tinha à frente o seu maior desafio: erguer uma cidade modelar no coração do Brasil.

Esse homem do qual se fala é Attilio Corrêa Lima. Arquiteto, urbanista e paisagista, ele pensou, projetou e ergueu o plano urbanístico de Goiânia. Mas até chegar ao Centro-Oeste brasileiro, o criador de Goiânia — precursor de Oscar Niemeyer e Lucio Costa — viveu uma saga digna do seu próprio nome, com origem na Roma antiga e que faz referência a homens memoráveis.

Apesar de ter a vida abreviada num acidente aéreo, Attilio foi intenso. Era filho do escultor José Corrêa Lima que, no começo do século XX, mudou-se para Roma. Foi na “cidade eterna” que Attilio nasceu, em 8 de abril de 1901. Há 124 anos.

Tinha 5 anos quando a família retornou ao Brasil e foi morar no Rio de Janeiro, que, naquela época, era a capital do país.

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Armando Godoy: engenheiro decisivo para a construção de Goiânia | Foto: Reprodução

Sob influência do pai, Attilio graduou-se em arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes em 1925. Tinha apenas 24 anos, mas já era um talento da arquitetura modernista e seguia à risca as bases do movimento modernista que nascia em Paris, proposto por Le Corbusier, o arquiteto que inventou o urbanismo como o conhecemos. Ele foi decisivo na reorganização das cidades modernas.

Le Corbusier (1887-1965), o arquiteto mais importante do século 20 — permanece ecoando no século 21 —, criou uma nova forma de enxergar a arquitetura urbana — baseando-se nas necessidades humanas. Foi a partir deste conceito humanista que o franco-suíço conseguiu moldar a cultura arquitetônica mundial, influenciando uma geração de arquitetos e urbanistas, entre eles Oscar Niemeyer e Lucio Costa, os criadores de Brasília, ao lado do presidente Juscelino Kubitschek.

O arquiteto Alfred Agache, mestre de Attilio, fundou a Sociedade Francesa de Urbanismo. O curso era vinculado à Universidade de Paris (Sorbonne).

Na década de 20, Agache era a referência do modernismo — que vivia a influência do estilo Art Déco — e foi figura importante na institucionalização do urbanismo na França e no Brasil.

Foi Agache que consolidou a urbanização de Paris. Modernização que previa o uso de elementos das cidades-jardins inglesas para o subúrbio parisiense.

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Alfred Agache: arquiteto que contribuiu para modernizar o Rio de Janeiro | Foto: Reprodução

Em 1926, Agache foi convidado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Antônio Prado Júnior, para elaborar um plano urbanístico para a cidade. Sua contratação para o plano de reformar a então capital nacional foi um marco em sua carreira. Suas ideias estavam sendo reconhecidas internacionalmente.

O Plano Agache propôs importantes mudanças no zoneamento da cidade e a abertura de vias expressas para melhorar a circulação na área central do Rio.

Nessa época os dois personagens que pensaram Goiânia foram diretamente influenciados por Agache. Attilio foi morar em Paris em 1927, mesmo ano que Agache mudou-se para o Brasil.

Em Paris, Attilio foi estudar urbanismo no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris, que foi fundado por Alfred Agache.

Nesse período, Attilio chegou a trabalhar no atelier de Alfred Agache até retornar ao Brasil, em 1931, como o primeiro urbanista brasileiro formado em Paris.

Seu colega, Armando Godoy — que deu continuação ao projeto de Attilio para Goiânia —, trabalhou diretamente com Agache no Rio de Janeiro. O engenheiro e arquiteto era funcionário público da Prefeitura do Rio e fez parte da equipe de Agache no escritório do urbanista que esteve diretamente ligado à Prefeitura da capital federal de 1927 a 1932.

O plano de Agache para o Rio de Janeiro conseguiu mudar, parcialmente, a paisagem urbana, após a abertura da Avenida Rio Branco.

Durante quatro anos, o plano para o Rio de Janeiro foi implementado sem interrupções, até que tudo mudou após a Revolução de 1930.

Uma revolução que não muda nada não é, claro, uma revolução. Liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas — com o apoio do mineiro Antônio Carlos de Andrada —, os revolucionários queriam mudar o Brasil e sonhavam com a criação de um novo país.

O sentimento político inovador era tão forte que a urbanização do Rio de Janeiro planejada por Agache foi interrompida porque estava vinculada ao regime deposto.

Foi nesse momento que nasceu o plano e a obra de Goiânia — uma resposta ao momento histórico e político que marcava o fim da Velha República. Por isso era necessário que fosse um símbolo de inovação, o que incluía o primado do belo, não apenas do funcional.

Todos os envolvidos na criação da nova capital estavam comprometidos com a modernidade. O urbanismo nessa época florescia em torno de um tema: a cidade jardim. Uma solução arquitetônica que se espalhava pelo mundo como solução para as cidades industrializadas. Predominava o cuidado com os jardins, parques e áreas verdes — com estabelecimento do zoneamento, sendo o ponto forte as vias públicas arborizadas e ruas secundárias para os bairros residenciais, afastadas do tráfego com maior intensidade.

Pedro Ludovico e o projeto da nova capital goiana

Em Goiás, o interventor Pedro Ludovico (1891-1979), então com 39 anos — médico especializado na França —, insistia que a mudança da capital havia sido uma decisão técnica e não política. Já que a Cidade de Goiás não teria condições efetivas de promover o desenvolvimento do Estado, que, naquela época, era um dos mais pobres e atrasados do país.

Mas o aspecto político era um fato. Visava-se enfraquecer as elites que haviam sido retiradas do poder. A Cidade de Goiás era o símbolo delas; Goiânia o do novo poderoso, quer dizer, de Pedro Ludovico.

Ainda assim, Pedro Ludovico insistia que o local em que seria edificada a nova capital deveria ser escolhido por critérios técnicos. O que foi efetivado por uma comissão de especialistas do Rio de Janeiro, que chegou em Goiás em 1932.

Da esquerda para a direita: Joaquim Câmara Filho, Abelardo Coimbra Bueno , Alfred Donat Agache, Armando Augusto de Godoy , Jerônimo Coimbra Bueno e João D ‘ Abreu | Foto: Acervo de Sebastião Aires de Abreu

A comissão dos experts era composta por um urbanista de reputação mundial, Alfred Agache, além dos engenheiros Armando Godoy, Abelardo Coimbra Bueno, Jerônimo Coimbra Bueno, do jornalista Joaquim Câmara Filho (mais tarde, fundador do diário “O Popular”) e de João D’Abreu, político influente em Goiás. A equipe traçou as diretrizes técnicas para a construção da nova capital.

No relatório, o engenheiro Armando de Godoy assinala: “A escolha em Goiás de um local apropriado para uma cidade é tarefa fácil sob o ponto de vista físico, pois, durante a viagem de trem e de automóvel através de algumas das mais belas regiões, observei inúmeros sítios realizando as principais condições indicadas pelo mestre do urbanismo”. Há aí uma clara referência a Alfred Agache. Escolheu-se, afinal, a área nas proximidades do antigo município de Campinas, nas terras das fazendas Criméia, Vaca Brava e Botafogo.

Na manhã de 27 de maio de 1933, deu-se o primeiro passo para a execução do projeto concebido e rabiscado pelo arquiteto e urbanista Attilio Corrêa.

O plano piloto de Attilio Corrêa Lima para Goiânia

Não há como negar que Goiânia nasceu como filha legítima de um regime que não permitia eleições. De 1930 a 1945, os brasileiros não puderam eleger o presidente da República. Getúlio Vargas foi presidente durante todo esse período. A ditadura mais cruenta começou em 1937 e caiu em 1945. Mas, antes disso, o líder gaúcho já chefiava um regime de caráter autoritário.

A conjuntura política do país, na década de 1930, reverberou diretamente na criação da nova capital de Goiás. A Marcha para o Oeste é de 1938, mas já se falava do assunto em 1930. Goiânia era, de certa maneira, uma espécie de símbolo — digamos uma meta-síntese — dos novos tempos. Falava-se em integração do país, em desenvolvimento de seu interior. Então, a capital era um símbolo desta caminhada para desenvolver o Brasil profundo.

O governo era centralizador, mas tinha, paradoxalmente, uma política de descentralização do desenvolvimento.

Ciente do momento político pelo qual passada o Brasil dos anos 1930 — até por ser um dos aliados mais ativos de Getúlio Vargas —, Pedro Ludovico compreendeu, à larga, a dinâmica da história. Nascido na Cidade de Goiás, compartilhava com o político gaúcho os ideais de modernização.

Atilado politicamente, Pedro Ludovico convenceu o ditador Vargas de que a mudança da capital seria o maior símbolo da modernização que Estado Novo pretendia implantar no país. Daí a necessidade de que o plano da construção de Goiânia fosse, antes de tudo, inovador.

Entretanto, em virtude das precárias condições financeiras do Estado, a escolha de um urbanista que deveria projetar o núcleo central da cidade foi tarefa árdua. Porque prevaleceu, em princípio, o valor estipulado pelo “serviço” e não o talento.

Não houve a preocupação, como no caso de Brasília, em promover um concurso para definir o melhor projeto que serviria de base para a nova capital: um plano piloto.

Ciente de que o Estado não dispunha de recursos para construir, a curto prazo, uma cidade moderna, Pedro Ludovico, o fundador de Goiânia, escreveu assim, em suas “Memórias”: “Técnicos especializados não existiam. Tivemos de encontrá-los em São Paulo e Rio, mas sempre tendo em vista a insignificância das nossas rendas. De sorte que, sendo informado de que havia chegado ao Rio de Janeiro, diplomado em curso de pós-graduação na Sorbonne, um arquiteto brasileiro, o dr. Corrêa Lima, que se tinha distinguido em uma das nossas Escolas, pusemo-nos em contato com ele e o contratamos para fazer a planta e supervisionar todas as atividades necessárias à construção da cidade”.

Pedro Ludovico acrescenta: “Homem muito moço (Attilio estava com 32 anos), muito educado, cumpriu perfeitamente as cláusulas do contrato, entregando-se com todo esforço e boa vontade ao papel que lhe foi cometido”.

Foi assim que o arquiteto e urbanista Attilio Corrêa Lima assumiu as funções de planejamento e a direção sobre a construção de uma cidade moderna: Goiânia — sua obra-prima.

O plano piloto de Goiânia tinha como desafio projetar uma cidade que correspondesse às aspirações da vanguarda dominante. Por isso Attilio foi contratado sob um decreto do governo estadual que mencionava o que deveria constar e ser efetivamente erguido: esboço geral do traçado da cidade, partindo do núcleo central até o desenvolvimento no seu entorno; anteprojeto que definia em escala máxima o tipo de cidade e seus elementos de planejamento; organização do Plano Diretor com definição de áreas públicas, zoneamento, sistema de parques e a previsão de uma população de 50 mil habitantes.

O plano do urbanista era recheado de princípios de modernidade como largas avenidas e recomendações de grande percentual de permeabilidade, espaços livres, vastos jardins, vegetação generosa e o pedido de atenção às proximidades dos córregos para que fossem criados pequenos lagos, a fim de amenizar o clima seco do Cerrado.

Attilio procurou reforçar que a vegetação no entorno do Córrego Botafogo, com a ideia de se criar um grande parque.

O plano piloto de Goiânia foi entregue em janeiro de 1935 e ficou assim: Attilio dividiu a cidade em setores, uma influência direta de Alfred Agache.

O setor-central foi reservado para a área administrativa do Estado e do munícipio. A Avenida Anhanguera, que era a velha estrada de comunicação com Campinas, agora servia de conexão com as cidades-satélites do entorno da capital, além de cruzar com o eixo principal, a Avenida Pedro Ludovico, hoje Avenida Goiás.

No cruzamento das duas vias, formava-se o ponto de maior convergência e densidade da nova capital. E ficou definido pelo arquiteto como o local do comércio e de tráfego mais intenso. O Setor Sul e o Setor Oeste ficaram reservados como áreas estritamente residenciais.

Já as atividades industriais foram estabelecidas no extremo norte do eixo monumental, nas proximidades da Estação Ferroviária. O restante do município ficou definido como zona rural, seguindo os padrões de uma cidade jardim.

Não é possível precisar se houve algum contato academicista de Attilio com as formulações de zoneamento da nova capital de Goiás. Mas é certo que teve influência direta das ideias que circulavam na França quando lá estudou.

Seu orientador, Henri Proust, adepto do urbanismo racional, passou a adotar em seus projetos o uso de “zonas funcionais” e morfológicas. Attilio traz para o seu projeto de Goiânia esse jogo de escalas que subdividia a cidade em áreas urbanas e suburbanas. As diferenças de uso eram acompanhadas por lotes de medidas diversas, coerentes às atividades que eram desenvolvidas nos setores.

A zona industrial teria lotes mínimos de 1000 metros quadrados. Já os lotes residenciais possuíam em sua entrada no mínimo 12 metros quadrados na área central, enquanto nos setores estritamente residenciais, como o Sul e o Oeste, configuravam-se com maiores dimensões.

Attilio Corrêa rompe o contrato com o governo

Foi justamente essa diversidade de referências urbanísticas que levou o urbanista a romper o contrato, logo após entregar parte do projeto de Goiânia, em 1935.

Attilio alegou dificuldades para implantar suas decisões sobre os projetos. Além dos aspectos logísticos, eram constantes os atritos com os irmãos Jerônimo e Abelardo Coimbra Bueno, proprietários da firma responsável pela construção da cidade que, em função da pressão do capital imobiliário, passaram a submeter constantemente à revisão o plano de Attilio para Goiânia.

Os irmãos engenheiros consideravam a construção da nova capital uma das maiores obras da engenharia nacional e, por isso, acreditavam que todos os projetos deveriam ser discutidos pelos principais órgãos e técnicos do país antes de serem implementados.

Os embates constantes e a escassez de recursos — que levava à falta de pagamento pelo seu trabalho — levaram Attilio Corrêa a rescindir o contrato na direção das obras de Goiânia e voltar para o Rio de Janeiro.

É bem verdade que nem Attilio Correa e também as pessoas que viram pela primeira vez a planta idealizada por ele não acreditava no rápido crescimento da nova capital — dada a situação preocupante da diminuta receita do orçamento do Estado e a escassez de população.

O urbanista acreditava que nos primeiros 30 anos, ou até mais, Goiânia não passaria de uma cidadezinha burocrática e demasiado quieta. Atillio chegou a profetizar que a capital teria, em seu auge, no máximo 30 mil habitantes.

Mas errou feio. Ao criar uma cidade para no máximo 50 mil habitantes, Attilio subestimou a Marcha para o Oeste e o Brasil em movimento, que deixava a pecha de país de caranguejos por criar centros urbanos apenas em sua costa.

A mudança de rumo foi justamente capitaneada por sua obra-prima. Sem Goiânia a construção de Brasília seria inviável. Com a nova capital de Goiás, o Distrito Federal finalmente pôde ocupar o centro do território brasileiro, cumprindo determinação do artigo terceiro de todas as Constituições promulgadas no Brasil desde 1824, quando Dom Pedro I outorgou a primeira Carta Maior do país que nascia à sombra de uma Constituição absolutista, que citou pela primeira vez a determinação da transferência da Corte para o centro do país.

Após 138 anos e sete Constituições, na década de 1950, Brasília torna-se realidade durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, que, em suas memórias, afirmou que, sem Goiânia, o Distrito Federal no Centro-Oeste continuaria a ser apenas uma utopia constitucional.

Após retornar para o Rio de Janeiro, Attilio elaborou importantes projetos — como um conjunto residencial na Varzea dio Carmo, em São Paulo, o plano para a cidade operária de Volta Redonda, a cidade operária para fábrica de motores no ABC paulista, e a estação de Hidroaviões do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

Por sinal, deu-se uma triste coincidência. Em 1943, Attilio morreu, num acidente ocorrido durante um voo que saiu de São Paulo para o Rio de Janeiro. O avião deveria pousar no aeroporto que Attilio ajudou a criar, mas caiu na Baía de Guanabara, quando se preparava para pousar. Attilio tinha apenas 42 anos. Faleceu em plena Segunda Guerra Mundial.

O plano piloto de Armando de Godoy para Goiânia

Os caminhos de Armando Godoy e Attilio Corrêa se cruzaram muito antes da criação do plano piloto de Goiânia — que foi concebido pelos dois, praticamente ao mesmo tempo, quando Pedro Ludovico iniciou uma busca por arquitetos, engenheiros e urbanistas no Rio de Janeiro e São Paulo, que pudessem criar uma cidade moderna no coração do Brasil a partir do zero.

Attilio foi o escolhido do interventor, mas foi Armando Godoy o responsável por lançar as bases e as diretrizes para a construção da nova capital de Goiás. O engenheiro e arquiteto fez parte da comissão técnica criada em 1932 que percorreu de carro e trem parte do território goiano a fim de escolher o local onde Goiânia, que nesta época era chamada de Petrônia, em referência ao seu fundador, seria erguida.

Armando Augusto de Godoy nasceu em Volta Grande, Minas Gerais, em 1876. No final do século 19, em 1892, mudou-se pro Rio de Janeiro para terminar os estudos e se preparar para ingressar na Escola Politécnica.

Sua carreira como engenheiro e urbanista consagrado e respeitado emerge na então capital do país onde se destaca como urbanista — quando passa a trabalhar como servidor público para a Prefeitura do Rio de Janeiro.

O engenheiro encontrou na escrita uma forma de manter seu pensamento questionador fazendo reflexões sobre a realidade ao seu redor e as transformações urbanas da cidade do Rio de Janeiro. Ele acreditava que a urbanização da capital federal só seria completa e efetiva quando engenheiros e arquitetos pudessem entender, sentir e sublimar seus projetos quando enxergassem a grandiosidade do cenário em que viviam.

Foi no movimento intenso de modernização da capital do Brasil que Godoy consegue impor suas ideias — desempenhando um papel importante do novo perfil da nação que surgia a partir da capital federal.

O ano era 1926, Godoy estava com 54 anos, e suas opiniões sobre a modernização e urbanização do Rio de Janeiro tornaram-se fundamentais para a implantação de qualquer projeto arquitetônico ou de engenharia moderna para Distrito Federal.

O prefeito do Rio de Janeiro era Antônio Silva Prado Júnior, que também era engenheiro e entrou para a política por ser filho do primeiro prefeito do município de São Paulo, conselheiro Antônio Prado, um dos homens mais ricos do Brasil, que se tornou o principal conselheiro do imperador Dom Pedro II e manteve a influência na política nacional após a Proclamação da República e durante todo período da República Velha.

Foi seu filho mais velho que herdou do pai o tino político que o levou a ser indicado pelo presidente Washington Luís prefeito da capital federal. Prado Júnior era um homem visionário, que viveu toda a vida entre São Paulo, Rio de Janeiro e Paris, onde convivia e frequentava as rodas da elite mundial.

Foi em Paris que Prado Júnior observou o trabalho de reurbanização da Cidade Luz realizado por Le Corbusier, Henri Proust, Alfred Agache e outros arquitetos e urbanistas notáveis que se formavam no curso de urbanismo da Sorbonne.

Assim que assumiu o cargo de prefeito do Rio de Janeiro, Prado Júnior convida o grande arquiteto e urbanista Alfred Agache para elaborar o Plano de Remodelação do Distrito Federal.

Godoy será figura chave na contratação de Agache ao defender a ideia da vinda ao Brasil do então urbanista mais importante do mundo naquele momento para transformar a cidade maravilhosa numa urbe moderna. Foi ele o maior defensor do Plano Agache, que, na sua concepção técnica, trazia soluções aceitáveis para questões urbanísticas pertinentes, que há séculos impediam o desenvolvimento do Rio de Janeiro.

A visão alternativa do que seria uma boa cidade, presente nas discussões urbanísticas internacionais, fez parte e formou o caráter cultural do engenheiro que, antes mesmo da chegada de Agache, já havia proposto que o Rio copiasse a transformação urbana que fez de Barcelona uma cidade moderna do século 20.

Godoy seguia o pensamento modernista de Agache sobre a transformação das cidades industriais em cidades-jardins.

Assim como Attilio Corrêa, Godoy bebeu da mesma fonte: o Instituto de Estudos Urbanísticos de Paris, que tem Agache como um dos seus fundadores.

Embora o plano urbanístico de Le Corbusier para o Rio de Janeiro nunca tenha sido seriamente considerado e o Plano de Agache interrompido após a Revolução de 1930, para ser parcialmente implementado em outro momento, o urbanismo no Rio de Janeiro não pode ser discutido sem o entendimento das atividades e ideias de alto nível do engenheiro Armando de Godoy, que acabou se tornando uma sumidade no assunto.

Não foi por acaso que Pedro Ludovico o convidou em 1932 para compor a equipe técnica que escolheu o local onde seria erguida a nova capital de Goiás. Foi dele o relatório final que estabeleceu oficialmente as diretrizes para a execução do projeto de construção de Goiânia.

Nesse parecer, Godoy menciona cidades que tiveram êxito a partir da formação indicada por outros grupos técnicos — como Belo Horizonte (a primeira cidade planejada do Brasil, em 1897), Lecthworth, na Inglaterra, e Gary nos Estados Unidos. Todas traziam em seu DNA a proposta de Agache para as cidades-jardins.

Após a rescisão unilateral do contrato por Attilio Corrêa, Armando Godoy foi convidado para assumir o projeto. Em 1936 ele muda para Goiânia e realiza alterações consideráveis no projeto de Attilio Corrêa.

Entre a mudanças, Godoy elabora um novo projeto para o Setor Sul, criando uma proposta de bairro-jardim com um sistema de áreas verdes públicas que receberam o nome de “pracinhas”.

O plano de urbanização criado por Armando de Godoy para a nova capital foi aprovado em 1938 e manteve a previsão de Attilio de uma cidade para 50 mil habitantes.

Hoje, Goiânia tornou-se uma metrópole com cerca de 1,5 milhão de habitantes, aproximadamente 40 vezes mais do que o previsto inicialmente pelos dois urbanistas que formularam o projeto — ou projetos — da nova capital de Goiás.

Apesar da explosão populacional, o Setor Sul ainda mantém seu sistema de áreas verdes, que acabaram sendo subutilizadas, passando por processo de recuperação com o Projeto Cura, de 1973. Mais de 50 anos depois, muitas áreas continuam abandonadas, subutilizadas ou invadidas pelos moradores que tomaram para si áreas públicas como seu próprio quintal (há até vielas cercadas, supostamente em nome de mais segurança).

Attilio e Armando, os homens que forjaram a nova capital de Goiás

Não dá para entender Goiânia sem conhecer a relação de Attilio Corrêa e Armando Godoy com o Estado de Goiás e os anseios que levaram à mudança da capital e a saga da construção hercúlea de uma cidade moderna bem no meio do sertão brasileiro.

Os dois profissionais, com formação e perspectivas bem distintas, conseguiram convergir quando propuseram que a nova capital fosse um modelo de cidade-jardim. Um pensamento da vanguarda urbanística moderna que traduzia preocupações de cunho higienista, buscando o bem-estar dos seus habitantes por meio de uma delimitação a partir de cinturões verdes e densidade programada. (Uma ideia que, em 2025, permanece moderna.)

Os arquitetos e urbanistas adeptos dessa ideia passaram a se preocupar com o tempo e lugar no diálogo com o meio físico, construindo ambientes que observavam a topografia, a permeabilidade do solo, os espaços verdes constantes e os índices de ocupação, sugerindo justaposições de espaços livres como parques, praças, boulevards arborizados e até pequenos canteiros que colocavam a natureza local lado a lado com os habitantes das cidades modernas.

As teorias vigentes no pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918), implementados a partir da década de 1920 até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), eram ecléticas, variegadas.

Havia urbanistas e arquitetos que defendiam um urbanismo monumental. Outros seguiram as ideias de Le Corbusier, que percebia o modernismo de forma prática e funcional. Outro grupo de profissionais, como Attilio e Armando, que defendia a modernização urbana por intermédio das cidades-jardins.

Os dois artífices de Goiânia cuidaram, em seus projetos, para que a cidade que nascia pudesse viver entre as amenidades de um jardim.

Attilio preocupou-se com topografia em seu traçado para Goiânia. Ele previu no plano piloto não apenas os espaços livres ocupados por parques, praças, córregos e lagos que deveriam funcionar como reservas de oxigênio para os habitantes da nova capital.

Por sua vez, Armando de Godoy, inspirado teoricamente sobre as ideias de cidades verdes, apresentou o mapa da mina que consagrava Goiânia como uma cidade-jardim. Sua expansão deveria acontecer a partir de um plano colonizador.

Não foi à toa que Godoy ficou conhecido mundialmente como “o Darwin do urbanismo moderno”. Era adepto de ideias empíricas quando se tratava da modernização das cidades no século 20.

O que os dois urbanistas não previram em seus projetos é que, ao longo do tempo, a especulação imobiliária falaria mais alto do que o interesse pela convivência social proposto com a criação do cinturão verde da nova capital.

O valor econômico das terras falou mais alto até que se fraturou a ideia de cidade-jardim. Desmembrou-se o verde contínuo que circundava toda a capital com o loteamento a partir da criação de novos bairros e construção ininterrupta de edifícios, hoje com até 60 andares. A ocupação desenfreada à beira dos córregos, o trânsito congestionado e a explosão populacional acabaram desfigurando o projeto vanguardista de Attilio e Armando, que, em tempos consciência ecológica, no início do século 21, quase cem anos depois, a ideia de cidades-jardins espalhadas por todo o planeta, apesar de ainda ser visto como uma utopia urbanística, nunca foi tão urgente e necessária como agora.

Reconhecimento histórico de Attilio Corrêa e Armando de Godoy

O RECONHECIMENTO HISTÓRICO CHEGA À ATTILIO CORRÊA LIMA E ARMANDO DE

GODOY ÀS VESPERAS DO CENTENÁRIO DE GOIÂNIA. ANTES TARDE DO QUE NUNCA. (cem anos em 2033

Apesar das dificuldades que marcaram seu início, pode-se dizer, parafraseando a notável arquiteta e pesquisadora Narcisa Cordeiro, no aspecto urbanista Goiânia é uma cidade bem-nascida — não só como símbolo ambiental, na arquitetura Art Déco e modernista, na literatura, na música, nas artes plásticas.

Pode-se dizer que foi um projeto que vingou e deu frutos (por exemplo, Brasília). E é com essa chancela histórica caracterizada como uma cidade bem-nascida que ela valoriza e se diferencia entre as outras capitais e grandes cidades brasileiras como um marco civilizador e ambiental do país. Após quase cem anos, concretizou os ideais dos dois homens — humanistas notórios — que inventaram Goiânia.

No entanto, é inacreditável que ainda hoje não exista um museu que conte a história da cidade que nasceu plural no século 20 e que chega ao século 21 tão moderna e próspera que já não cabe mais em si, nem mesmo quando tem seu nome abreviado com teor alcoólico que a transformou em GYN.

Attilio, Armando e as ideias vanguardistas — que criaram uma cidade e inseriram Goiás no contexto nacional — merecem que sua história seja eternizada num museu. O espaço, com informações detalhadas, poderá contar às gerações atuais e próximas uma das sagas mais incríveis, árduas, extenuantes e espetaculares da história do país. Se Attílio e Armando foram americanos suas histórias já teriam chegado ao cinema. Criar uma cidade praticamente do nada, com o apoio de milhares de trabalhadores, é uma odisseia digna de Homero e Virgilio.

Das artes e técnicas de Attilio e Armando — curiosamente, os dois prenomes têm sete letras — surgiu uma cidade moderna no coração do país: Goiânia.

Em 2033, daqui a meros oito anos, Goiânia se tornará centenária — com corpinho de, quem sabe, 42 anos.

Mas será vergonhoso para todos, dos políticos à população, se não houver um vasto movimento de luta pela construção do Museu Atar.

Atar é a junção das iniciais dos nomes At(tilio) e Ar(mando). Será uma homenagem a dois homens que, com o apoio decidido de Pedro Ludovico, o interventor, construíram uma das cidades mais interessantes do mundo.

Tendo nascido quase do nada, Goiânia se tornou, com 92 anos — uma moçoila, quando se trata de cidades (há urbes europeias com mais de 2 mil anos) —, um dos centros urbanos mais prósperos e modernos do país.

Attilio e Armando merecem este reconhecimento: um museu à altura de seus projetos que criaram a nova capital do Estado de Goiás. Homenageá-los é, por si, homenagear Goiânia e seus moradores.