Pacientes esperam atendimento por até oito horas em unidade de saúde da Prefeitura de Goiânia; mulher com crise renal, indignada com a demora, foi presa de forma violenta por equipe da GCM

Unidade de Pronto Atendimento exemplifica os problemas graves por que passa a saúde municipal de Goiânia | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Em fotografias que o Jornal Opção recebeu, vê-se um homem deitado em um leito, com eletrodos —que monitoram seus batimentos cardíacos — espalhados no peito. Ele parece tranquilo em uma sala de estabilização na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Residencial Itaipu. Mas um olhar mais detido na imagem possibilita enxergar várias formigas escalando o corpo dele, depois de alcançarem a cama por meio de fios desencapados bem ao lado.
Por sorte, o paciente não ficou por muito tempo na UPA porque conseguiu vaga no Hospital das Clínicas (HC), deixando para trás o formigueiro que se instalou ao redor da cama, em meio a fios e lixeiras. Mas ele não é o único atendido a ter de suportar as picadas dos insetos.
Foi ali, naquele prédio inaugurado em agosto de 2013, que a reportagem iria se concentrar apenas no assunto dos insetos na quarta-feira da semana passada, 28 de março. Mas os problemas da UPA iam além das formigas. A demora no atendimento médico causou indignação em Ana Paula Mendes dos Santos, 25 anos, na mesma tarde, resultando em uma prisão violenta por parte da Guarda Civil Metropolitana (reportagem na próxima página).
Na UPA, qualquer funcionário tem uma história para contar a respeito de insetos. Sob anonimato, uma enfermeira revela que não raramente precisa matar baratas, mas não quaisquer umas. “Das grandes mesmo, daquelas que dão tontura”, avisa. A reportagem percorreu a unidade e encontrou exércitos de formigas marchando para os leitos. Elas estão em monturos, inclusive, do lado de fora do prédio.
De dia, relatam funcionários, os insetos amenizam, mas à noite baratas e muriçocas se juntam a aranhas e tiram o sono de pacientes. Uma médica, depois de checar dados de um paciente na noite de plantão há uns dez dias, foi surpreendida por uma barata nas costas. “Ela teve de tirar o jaleco”, lembra a enfermeira. Os insetos estão na cozinha, em meio aos alimentos dos pacientes e lanches de funcionários. No calor, aranhas e até cobras já apareceram nos corredores e nos consultórios.
Assim que recebeu as fotos, o repórter procurou a médica infectologista e presidente da Sociedade Goiana de Infectologia, Moara Alves Santa Bárbara Borges, para saber quais riscos os pacientes correm diante do ataque dos insetos.
Segundo a infectologista, o controle de vetores dentro de serviços de saúde é uma importante ação de prevenção de infecções, “devido ao possível carreamento de microorganismos intra-hospitalares pelos insetos”.
Além disso, conforme a médica, um bom controle contra infestações evidencia a efetiva higienização ambiental, que é outra ferramenta relevante para o controle de infecções. “Apesar de não ser possível estabelecer uma conexão direta entre a presença do inseto e doenças específicas, é preciso evitar restos alimentares em áreas assistenciais, fazer o controle adequado de vetores e pragas e garantir a adequada higiene ambiental”, explica.

Formigas atacam paciente internado em leito de estabilização na UPA Itaipu; os insetos escalam o corpo do homem ao passarem por fios expostos | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
A infectologista chama atenção, por exemplo, para alguns insetos que podem causar lesões através de picadas, com risco de reações alérgicas e infecções secundárias.
“Aqui é no meio do mato e a Prefeitura não faz nada. Nem gestor faz”, reclama uma funcionária, que chamou o repórter para dentro de uma sala abafada. “A enfermeira responsável pelo controle de infecção parece não se preocupar”, sussurra.
A enfermeira em questão é da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). Ela reconhece que já encontraram até cobra no local e que “isso é culpa do local em que foi construída a UPA”. De acordo com a diretora-geral da unidade, Edianny Passos Magalhães, uma dedetização tinha sido feita dois dias antes, na segunda-feira, 26.
O repórter pede para ver documentos que comprovem a dedetização e a diretora mobiliza sua equipe para buscar um recebo. Cerca de meia hora depois, a enfermeira que teria acompanhado a dedetização aparece com a ordem de serviço, mas sem data. “Olha, temos esse aqui, mas não tem data”, diz a diretora um pouco desajeitada na cadeira.
Já a empresa Pasta Rosa Serviços Ltda., contratada para dedetizar os postos de saúde do município de Goiânia, informa que o serviço foi feito na semana anterior à anunciada pela diretoria. O funcionário não soube explicar o motivo de não ter colocado a data na ordem deserviço, o que denota desorganização.
A reportagem conversou com servidores que prestaram serviços nos plantões anunciados tanto pela direção quanto pela empresa, mas nenhum confirmou se o serviço foi feito realmente. “Enquanto isso, existe o grande risco de alguém ser picado por algum inseto peçonhento, ou até mesmo adquirir infecção”, reclama uma funcionária.
Por e-mail, a reportagem solicitou esclarecimentos à assessoria de imprensa da Prefeitura de Goiânia. Em dois dias, nenhuma resposta a respeito da infestação de insetos.
Demora de atendimento gera confusão e arbitrariedade
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
- Momento da prisão | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Quando Ana Paula Mendes dos Santos, de 25 anos, chegou à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Residencial Itaipu, pelo menos 30 pessoas aguardavam silenciosamente o nome ser anunciado para consulta com um médico na quarta-feira, 28 de março. Com cólica renal, a jovem não suportou a espera de duas horas. Sentada no chão, com dores, começou a gritar.
As enfermeiras, em vez de médico, chamaram uma dupla de agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de prontidão. “Um deles me pressionou no chão, eles apertaram meu braço e eu comecei a gritar”, lembra Ana Paula.
A dona de casa reconhece que ameaçou, dizendo que se não fosse atendida logo, “a coisa ficaria feia”. “Mas não passou disso, eu só queria um médico. Só queria sair dali logo, com meu problema resolvido, medicada. Só isso”, lembra, emocionada.
A reportagem do Jornal do Opção chegou ao local minutos depois que Ana Paula foi levada para os fundos da unidade de saúde, em um corredor próximo à sala na qual estava o corpo de um paciente que há pouco tempo havia morrido. De uma janela, os repórteres acompanharam a ação, até que uma viatura da Guarda Civil Metropolitana (GCM) chegou para levar Ana Paula para a Central de Flagrantes.
Algemada e com hematomas pelo corpo, a paciente gritava. “Me soltem, não sei por que estou sendo presa. Me soltem. Eu não fiz nada, apenas pedi ajuda para ser atendida. Estou sentindo dores, muitas dores.” Um guarda conduzia a jovem para dentro da viatura, apertando-lhe os punhos. Questionado sobre o motivo de Ana Paula ter sido presa, o guarda informou: “Por desacato e desobediência”. Ele não quis explicar por que a moça estava algemada com as mãos para trás.
Já dentro da viatura, Ana Paula continuava questionando a prisão. “Eu quero um médico, me ajudem, socorro. Socorro.” Visivelmente irritado, o guarda então a retirou com violência do banco detrás e a colocou no porta-malas da viatura como mostram as imagens do Jornal Opção. “Me tirem daqui, não sou bandida, não sou bandida. Estou doente, com dores”, era possível ouvir.
Sem atendimento
Depois da confusão, Maria Lúcia Fidelis de Souza, de 55 anos, um pouco nervosa em frente à UPA, ligava para um irmão: “Vem buscar a gente, vamos procurar outro hospital”. Ela acompanhava a mãe, Aldizina Souza, de 83 anos, que, desde cedo, não passava bem. “Ela está mal”, disse a filha.
Moradoras do Residencial Itaipu, as duas procuraram a UPA em busca de atendimento médico. Chegaram à unidade de saúde às 10 horas, mas, até o momento em que Ana Paula foi detida em meio à confusão, às 16 horas, a idosa não havia sido atendida.
“Vamos procurar atendimento em outro lugar. Nem protestar as pessoas conseguem”, comenta Maria, com a mãe dentro do carro, debilitada.
Depois de a idosa ter sido levada pelos filhos, a diretora da UPA, Edianny Passos Magalhães, recebeu a reportagem em sua sala. Enquanto respondia a algumas perguntas – entre elas afirmando que a unidade contava com três médicos que os usuários não viram –, Magalhães, com a ficha da idosa Aldizina, disse: “Ela foi embora porque quis”. A idosa, conforme a ficha, esperou por oito horas.
Em nota, OAB-GO repudia agressão
“A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), por meio da Comissão de Direito Médico, Sanitário e Defesa da Saúde, vem a público repudiar a agressão a uma paciente na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Itaipu, em Goiânia, na tarde de quarta-feira, 28. A paciente questionava a demora no atendimento na unidade de saúde, fato de notório conhecimento no sistema de saúde pública da capital, quando foi covardemente agredida por guardas civis metropolitanos.
É inadmissível que uma cidadã tenha sua integridade física violada, ainda mais em uma situação de vulnerabilidade de seu quadro de saúde. Como se não bastassem as deficiências na prestação do serviço público de saúde, a violência à cidadã — que foi agredida enquanto sofria dores renais — se agrava com a ocorrência desse fato lamentável e revoltante.
A OAB-GO acompanha de perto a situação das unidades de saúde de Goiânia e exige providências imediatas para investigar o caso e que punição exemplar seja aplicada aos agressores.”
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