Sócio-fundador da consultoria Tendências diz que a aprovação do Orçamento nacional sob as bases interesseiras do Centrão vão “abrir o porão” do fundo do poço em que se encontra a economia nacional

Nathan Blanche pode ser considerado um “veterano do mercado”. E os veteranos, a vida mostra e a experiência prova, geralmente são boas vozes para se ouvir em momentos de turbulência. Não à toa as culturas de todos os continentes e dos diversos níveis de civilização costumam ter um lugar especial reservado para seus membros de mais idade. “Ancião”, palavrão nos tempos líquidos atuais, merece ser um termo muito mais ligado à sabedoria do que a uma questão de faixa etária.

A sabedoria e a experiência de mercado levam Nathan, sócio-fundador da Tendências Consultoria Integrada, empresa paulistana referência em soluções para questões de economia e finanças corporativas, a propor uma metáfora sobre o que considera “corporativismo” daqueles que querem driblar o limite fiscal no Orçamento da União para o exercício 2021: os “fura-teto” são as “saúvas da economia” brasileira, que, se já vai mal, tem tudo para seguir mais rapidamente para o fundo do poço.

Para os não tão veteranos, Nathan Blanche recorre a uma alegoria bicentenária da história brasileira. Foi o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire quem cunhou a frase: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil.” Saúva é a designação dada a insetos himenópteros, formigas de grande tamanho, distribuídos por todo o Brasil. As saúvas cortam e carregam folhas e outros materiais do ambiente para produzirem o fungo de que se alimentam. Até os anos 70 do século passado, eram consideradas a mais preocupante das pragas agrícolas do País.

“O dia 22 [prazo final para a sanção do Orçamento] está para marcar uma ruptura e o início de um momento ainda mais grave da crise econômica”, diz Nathan Blanche | 
Foto: Fernando Leite
Em outubro de 2019, o consultor publicou um artigo no jornal “O Estado de S. Paulo”, com o título “As saúvas, a política e o corporativismo”, no qual citou uma analogia do economista Roberto Campos com Saint-Hilaire para decretar que o corporativismo era o novo flagelo nacional. O tema em questão era a pressão de grupos organizados, como sindicatos e outras corporações, para barrar a reforma da Previdência ou ao menos desidratá-la [a reforma só seria aprovada no ano seguinte, já sob o governo de Jair Bolsonaro].

Blanche agora utiliza seu vaticínio daquele momento para outro alvo, não menos importante: a aprovação do Orçamento nacional para o atual exercício. Bolsonaro tem até a quinta-feira, 22, para sancionar ou não o espinhoso documento que veio do Congresso, sob risco de a matéria ser invalidada.

Para entender melhor a questão, a proposta aprovada no mês passado, o relator reduziu gastos obrigatórios com Previdência Social, abono salarial e seguro-desemprego para liberar as verbas destinadas para os projetos carimbados do governo federal para os parlamentares. Ao todo, no relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC), R$ 49 bilhões em emendas foram aprovadas pelo Congresso, o que significa R$ 26 bilhões a mais do que a proposta original.

Entre Lira e Guedes
Paulo Guedes ficou atônito. O ministro da Economia sabe que o texto como está compromete totalmente o regime fiscal do País e pode colocar o governo na mira da Lei de Responsabilidade Fiscal. Do outro lado, porém, está Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados eleito com apoio de Jair Bolsonaro e que personifica os interesses do Centrão. Ou seja, se ficar com Guedes, Bolsonaro enfraquece sua base; se optar por Lira, o presidente pode enfrentar consequências graves e perderá por completo a já baixa credibilidade com o mercado financeiro. “Nesse nível, é um impasse sem solução”, diagnostica o consultor.

Mas Nathan Blanche vai além. “O dia 22 [prazo final para a sanção do Orçamento] está para marcar uma ruptura e o início de um momento ainda mais grave da crise econômica. O Brasil está numa encruzilhada, como a que levou ao Plano Collor”, alerta. Trinta anos atrás, quando Fernando Collor de Mello era o presidente da República, o governo pagava as contas para sobreviver, não tinha credibilidade política e nem estratégia econômica. Restava emitir dinheiro, gerando inflação e aumentando a pobreza.

“Dilma Rousseff (PT) chegou ao poder com 50% de relação dívida/PIB e entregou o cargo com 75%; Temer saiu com 76%, conseguindo manter o patamar; mas este governo atual vai fazer com que alcancemos 90% ainda este ano”

A questão se agrava porque o Brasil se aproxima de uma relação de 1 por 1 entre dívida pública e produto interno bruto (PIB). “Dilma Rousseff (PT) chegou ao poder com essa relação em 50% e entregou o cargo com 75%; Temer saiu com 76%, conseguindo manter o patamar; mas este governo atual, que é uma calamidade, vai fazer com que alcancemos 90% de dívida/PIB ainda este ano. Estamos diante de um cenário de caos.”

A relação dívida/PIB é um dos indicadores da saúde de uma economia. É a porcentagem que mostra quão grande é a dívida pública de um país em relação a seu PIB. Na prática, uma razão baixa nessa conta indica uma economia que produz grande número de bens e serviços e que, provavelmente, possui lucros suficientes para pagar suas dívidas. A pandemia, claro, causou influência na dívida pública.

Qual seria a solução? Nathan Blanche até conhece o caminho, mas se desanima com a perspectiva por conta dos atuais atores. “Seria necessário ter um governo de credibilidade e uma equipe econômica capaz de realizar um novo plano de estabilização da moeda, como realizado após a terra arrasada deixada pelo governo Collor, executado por nomes como Pedro Malan, Gustavo Loyola, Gustavo Franco, Edmar Bacha, entre outros”, avalia. Uma alternativa seria fugir da promessa de controlar gastos obrigatórios e aumentar ou criar impostos. “Mas não vão conseguir, porque o governo está fragilizado”, entende o consultor.

E, segundo Nathan, por isso mesmo nem adianta algum expert achar que a solução é seguir o que Joe Biden está fazendo nos Estados Unidos, onde o presidente anunciou pacotes na casa dos trilhões para recuperar a economia de sua nação. O governo dos EUA está se endividando em US$ 3 trilhões, mas, além de ter a moeda forte que tem, está aumentando impostos sobre empresas e as classes mais ricas.”

Nada se salva na economia brasileira? Como ponto positivo, Nathan destaca as commodities, produzidas em especial pelo agronegócio respeitável que o País ainda ostenta. “O que salva o Brasil hoje é o superávit que tem na balança comercial. O fluxo cambial está muito melhor este ano, com US$ 8,7 bilhões de janeiro até o momento, em relação ao ano passado, quando foi negativo em US$ 13,8 bilhões no mesmo período.” Mas ele mesmo diz: O fluxo cambial não é suficiente, porque com esse governo nossa moeda não tem qualquer credibilidade.”

Enquanto aguarda o fatídico dia 22, Nathan olha para as tragédias nacionais ao redor e reflete sobre o binômio “conjuntura” e “estrutura” do País. E conclui: “O Brasil é uma potência, basta ver quanto rendeu a recente privatização dos aeroportos: cerca de R$ 3,5 bilhões! Mas nós nos encontramos diante de duas epidemias: uma, a da evidente calamidade pública da saúde; e a segunda, a epidemia fiscal, que corrói o poder aquisitivo da sociedade. Vemos o desemprego subir e a moeda virar pó. Bolsonaro não tem força política nem moral no Brasil de hoje em dia. O apoio político que recebe depende de emendas de um dinheiro que ele não tem.” E, para terminar com uma nova metáfora bem conhecida, como seria? “Estamos num mato sem cachorro.”