Apesar de novas leis e força-tarefa para proteção de mulheres, número de agressões aumenta
25 julho 2021 às 00h01
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Dados da ONU Mulheres apontam que, em todo o mundo, o número de casos de violência doméstica contra mulheres aumentou desde o início da pandemia de Covid-19
Após a grande repercussão das imagens de violência contra a mulher nas redes sociais, o DJ Ivis foi preso e teve habeas corpus negado. O caso tem detalhes que o tornaram marcante: prisão após pressão da opinião pública e perda de contratos profissionais do envolvido. Às vésperas do “agosto lilás”, o caso se tornou emblemático na luta contra violência doméstica.
Entre outras razões, o mês de agosto é associado à causa da violência contra a mulher pelo advento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que completará 15 anos de vigência no próximo dia 7. Esta legislação é considerada uma das melhores do mundo pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em 2020, foram mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher registradas nas plataformas do isque-denúncia de violência doméstica disponibilizado pelo Ministério dos Direitos Humanos (Ligue 180 e Disque 100). Do total de registros, 72% (75,7 mil denúncias) são referentes à violência doméstica e familiar. Os dados apontam uma situação de tensão entre instituições e a sociedade: enquanto novas leis de proteção são criadas e forças-tarefa são feitas no judiciário para dar fim a processos, a pandemia aumentou expressivamente os casos de violência contra a mulher.
Dados da ONU Mulheres apontam que, em todo o mundo, o número de casos de violência doméstica contra mulheres aumentou desde o início da pandemia de Covid-19. No Brasil, as estatísticas compiladas pela ONU são do Fórum de Segurança Pública, que revelam que de 2019 para 2020, as denúncias de agressão cresceram 3,8%; o número de feminicídios aumentou 1,9% e o de medidas protetivas 2%.
Em Goiânia
Do início do ano até o dia 6 de julho, os quatro juizados que se dedicam aos casos de violência doméstica e familiar em Goiânia conseguiram reduzir em 23% o número de processos ativos em tramitação. Em números, o percentual representa 3.454 processos. Nesse período, 5.675 processos foram finalizados e outras 2.350 novas ações distribuídas. No relatório de produtividade, os juizados também apontam que não há processo algum com mais de 90 dias sem movimentação.
Em entrevista ao Jornal Opção, a juíza titular do 3º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Sandra Regina Teixeira Campos, explica como os quatro juizados conseguiram levar os processos ao fim em ritmo maior do que novas ações foram abertas. “Em janeiro deste ano foi instalada uma Unidade de Processamento Judicial (UPJ) unificada, que substituiu os quatro sistemas individuais dos juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher”, conta a juíza.
Sandra Regina Teixeira Campos afirma: “Com uma UPJ unificada, nós pudemos fazer uma força-tarefa para atualizar os trabalhos dos cartórios. Separamos os servidores em equipes de trabalho especializadas em um tema, dedicamos os setores financeiros e de recursos humanos por etapas dos processos. Muitas ações já estavam a ponto de serem arquivadas enquanto aguardavam nas escrivanias. Inúmeros processos já tinham sentenças de absolvição ou condenação, e só faltava expedir as vias; colocamos em dia tudo que dependia de cumprimento de atos”.
A juíza comenta que os números de novos casos de violência contra a mulher ainda estão altos, e que estão aumentando. “As taxas de agressão estão altas, mas ainda assim, são subestimadas. Há grande subnotificação por questões culturais: a mulher não denuncia seu agressor porque acredita que a situação pode melhorar, porque tem vergonha, porque crê que pode “salvar o casamento”, porque tem medo de perder seus meios de sustento, entre outros.”
Na perspectiva de Sandra Regina Teixeira Campos, o principal desafio para reverter o quadro de violência é justamente superar os obstáculos para a denúncia e mudar a mentalidade de agressores. “No que diz respeito aos agressores, temos recebido bons resultados dos chamados ‘grupos reflexivos’ da Justiça Restaurativa. A punição do agressor é importante, é claro, mas temos de trabalhar também com a mudança de comportamento de quem comete a violência contra a mulher para evitar a repetição desses crimes”.
No Legislativo
Diversos projetos de lei para coibir a violência contra a mulher progridem em todas as esferas do Poder Legislativo. No Senado Federal, foi aprovado por unanimidade no último dia 1 de julho o projeto de Lei que torna crime todos os tipos de violência psicológica contra a mulher, com pena de reclusão entre 6 meses a 2 anos, além de multa. A proposta também já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e seguirá para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
A terminologia já era citada dentro da Lei Maria da Penha, porém com a nova aprovação será possível tratar a violência psicológica de maneira independente da violência física, permitindo prevenir, identificar e criminalizar relações abusivas antes que se tornem casos mais graves. Ainda de acordo com o projeto, situações como ameaças, constrangimento, humilhação e chantagem são características que se enquadram como violência psicológica, dentre diversos outros comportamentos.
A nova lei irá criar uma camada extra de proteção à mulher e é de extrema importância para a diminuição dos casos de feminicídio, segundo especialistas. A medida ajuda a desenvolver uma rigidez cada vez maior contra os criminosos que praticam estes atos, promovendo mais segurança para as mulheres.
O estudante de Medicina e influencer da saúde Augusto Ruiiz explica que a violência psicológica é o primeiro e mais impactante passo de uma relação abusiva. “A violência psicológica pode acontecer de várias maneiras e com uma frequência muito grande. Ela, por si só, é capaz de gerar uma retração e deixar traumas permanentes na vítima, que se tornará cada vez mais insegura e incapaz de pedir ajuda”, afirma.
Ainda segundo Ruiiz, quando a violência física acontece a vítima já não tem mais forças para sair da situação em que está. “Essa nova lei irá permitir que a mulher possa não só buscar ajuda como também possa ser amparada ainda nos primeiros estágios de abuso, evitando uma possível fatalidade lá no futuro”, ressalta.
Ruiiz comenta também sobre a importância de a mulher identificar estes sinais precocemente e não ter receio de buscar ajuda. “Muitas vezes um comportamento abusivo vem disfarçado de ciúmes ou personalidade forte, o que pode adiar a busca por ajuda. É de extrema importância que a vítima se atente a estes sinais o quanto antes”, alerta.
Em março deste ano, o projeto de lei nº 52/2021 foi criado tornando obrigatório que os condomínios residenciais e/ou comerciais de Goiânia, por intermédio de seus síndicos e/ou administradores notifiquem à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, à Delegacia do Idoso, ou a outro órgão de Segurança Pública, a ocorrência ou indícios de episódios de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos.
Além disso, os condomínios deverão afixar nas áreas de uso comum e em locais de fácil acesso e visualização, cartazes, placas informativas ou comunicados divulgando que, caso seja percebida qualquer tipo de violência, serão denunciados.
O projeto levanta a discussão e volta a atenção a um episódio vivenciado pela comunicadora goiana Cacau Mila, de 37 anos. Em relato para veículos de comunicação, Cacau conta que afixou informes com canais de denúncia contra a violência contra a mulher em seu condomínio depois de escutar uma moradora sendo espancada. Os cartazes foram feitos com tinta guache, informando o número do disque-denúncia (180) e o número do Ouvidoria da Mulher. Entretanto, na manhã seguinte, o cartaz foi retirado pelo próprio síndico, argumentando que somente ele tinha tal atribuição.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) divulgou, no ano passado (2020), o relatório de violência no município de Goiânia em 2019, o qual constatou-se dados alarmantes. Conforme evidenciado pelo relatório, 70% das vítimas de violência são mulheres, das quais mulheres adultas entre 20 e 59 anos são as maiores vítimas, seguidas das adolescentes de 10 a 19 anos.
Em termos estatísticos, a grande maioria destas violências ocorrem dentro da própria residência, conforme explicitado pelo relatório: “Em todos os ciclos de vida a violência ocorre em sua grande maioria dentro da residência, sendo: crianças (88,1%); adolescentes (76,9%); adultas (73,8%) e idosas (88,7%). Os familiares são os principais autores da violência contra criança (70,8%) e contra as idosas (48,1%)”. Ainda, de acordo com o referido relatório, 700 mulheres em Goiânia foram vítimas de feminicídio, isto é, assassinadas por serem mulheres, sendo que 64% das vítimas morreram ainda no local.
De acordo com a vereadora Sabrina, é importante esse tipo de iniciativa pois “a maioria dos casos de violência ocorrem dentro do lar das vítimas, a conscientização da importância de denunciar é a medida adequada para diminuir o índice de violência doméstica, principalmente nos condomínios residenciais, comerciais ou mistos, visto que, com a grande quantidade de condôminos(as) que ali residem, as políticas públicas de combate à violência doméstica e familiar terão maior eficácia”, afirma.