Em meio ao clamor pela preservação dos recursos naturais, proposta de deputado goiano quer encolher o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, avalizado pela Unesco

“Fica criado no Estado de Goiás, na Chapada dos Veadeiros, o ‘Parque Nacional do Tocantins’, subordinado à Seção de Parques e Florestas nacionais do Serviço Florestal do Ministério da Agricultura”.

Com essa redação, iniciavam-se os termos do Decreto 49.875, publicado em 11 de janeiro de 1961. Uma das últimas decisões do governo JK – vinte dias depois, Juscelino Kubitschek passaria a faixa presidencial para Jânio Quadros, a partir de quando haveria o começo de um turbilhão de eventos nos anos seguintes.

Portal de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros | Foto: Divulgação

Criado logo após a inauguração de Brasília e no início da chamada Marcha para o Oeste, quando o governo incentivaria a ocupação do interior do País, o Parque Nacional do Tocantins tornou-se um grande legado de JK. Anos depois, foi renomeado para Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Está a 260 quilômetros de Brasília e a 460 quilômetros de Goiânia. São das duas capitais que saem a maioria dos turistas, mas não apenas: nos cadernos de assinatura de visitantes estão rubricas de gente de todos os continentes. Desde 2001, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é também patrimônio natural da humanidade, como outras dez unidades de conservação do Brasil, desde 2001. O certificado é da Unesco.

Nos dias de hoje é a peça fundamental do que ficou conhecido pelos turistas como “Chapada”: uma região de paraíso ecológico com características única e com altíssimo potencial ecoturístico, de encrustado no nordeste de Goiás. O portal de tudo isso simbolizado justamente pela porta do parque, em Alto Paraíso, mais precisamente a menos de mil metros do distrito de São Jorge.

Na verdade, a Chapada, para os turistas, é todo o complexo que envolve as belezas naturais, além de Alto Paraíso, também dos municípios de São João da Aliança e Cavalcante. Cachoeiras, matas, trilhas, jardins naturais, paisagens únicas e, sobretudo, muita água. Mas mais do que isso: é um modo de ver as coisas e mundo que se propõe uma economia alternativa para o estilo de vida do restante do mundo. No Estado inteiro, talvez apenas Goiânia seja o único município com gente de tantas nacionalidades como a região. A aura hippie, uma pegada de espiritualidade, o jeito mais devagar e mais leve de levar os dias, tudo isso forma um pacote muito atraente para ficar ou, pelo menos, estar lá por uns tempos. “Vamos pra Chapada?” é um convite que todos deveriam aceitar pelo menos uma vez na vida.

O que pouca gente sabe é que o parque que, de certo modo, é o responsável por a Chapada existir como existe hoje deveria ser muito maior do que é, para poder trazer, de forma mais adequada, a proteção que dá ao Cerrado e ao ecossistema de toda a região e muito além dela. No decreto de JK, o parque possuía 650 mil hectares.

Mas também é preciso lembrar que sua extensão já foi bem menor do que é hoje. Foi o que ocasionou a mudança do nome em 1972: depois da perda sequencial de seu território em disputas judiciais, o recuo fez o parque nacional ficar com apenas 65 mil hectares. De Tocantins, passou a se chamar Chapada dos Veadeiros.

Até cinco anos atrás, o parque continuava reduzido a um décimo da extensão original. Depois de muita negociação, para cumprir as normas da Unesco um decreto presidencial de Michel Temer (MDB) levou o parque à área atual, com 240,5 mil hectares, ainda menos do que a metade da extensão original, mas claramente um avanço em relação ao que havia. Só que agora o parque pode voltar a ser diminuto, no que depender de uma proposta encaminhada pelo deputado Delegado Waldir (PSL-GO) e que está tramitando pela Câmara Federal.

Saltos do Rio Preto, uma dos pontos altos da visitação ao parque e uma das áreas que ficaram protegidas com sua ampliação | Foto: Divulgação

O fato é que, mal a proposta de decreto legislativo entrou na burocracia da Câmara, já se tornou alvo de críticas, notadamente em um momento em que a preservação dos recursos naturais tem sido um clamor mundial e o Brasil sofre pressões externas de altíssimo grau por conta da displicência na proteção ambiental, com foco direto no desmatamento da Amazônia, mas longe de ser só isso.

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No equilíbrio entre os diversos biomas, o Cerrado é considerado por vários cientistas como a “caixa d’água” do Brasil. As principais bacias hidrográficas do País recebem águas originárias desse ecossistema, bem como é também nele que se encontra o grosso da produção nacional de grãos.

No último relatório do IPCC sobre as mudanças climáticas, prognósticos sombrios para a área do Cerrado: o Centro-Oeste terá secas mais prolongadas, temperaturas mais altas, chuvas mais volumosas e concentradas e boa parte da região sofrerá um processo de desertificação.

Diante de tal cenário, a alegação do deputado Delegado Waldir para reduzir o parque é de que seu aumento em 2016 causou prejuízo a pequenos produtores – um dado controverso, segundo integrantes das comunidades da Chapada.

A questão é que a extensão de um parque com o papel de proteção ambiental não se faz apenas para deixá-lo grande. É o que precisa ser mostrado.

(continua na próxima edição)