Ao negar HC a Lula, STF decide que não sabe o que fazer, dizem juristas e cientistas políticos

08 abril 2018 às 00h00

COMPARTILHAR
Consultados pelo Jornal Opção, políticos, profissionais do Direito e acadêmicos afirmam que Corte cometeu erros ao atropelar texto da Constituição

Desde o início da madrugada de quinta-feira, 5, ficou ainda mais evidente que o Brasil polarizado está ainda mais dividido entre os que enxugam as lágrimas ao soltar com voz embargada o grito “Lula ladrão roubou meu coração” no lado oposto da comemoração passional daqueles que vociferam “Lula ladrão seu lugar é na prisão”. O cenário requentado das manifestações pró-impeachment e contrárias ao afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi reeditado com o final do julgamento do pedido de habeas corpus preventivo feito pela defesa do ex-chefe do Executivo nacional e pré-candidato à cadeira no Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva, também condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro.
Na visão dos profissionais de diversas áreas ligadas às esferas jurídica, política e acadêmica ouvidos pelo Jornal Opção, o problema evidenciado na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) depois de quase 11 horas de julgamento que negou o habeas corpus preventivo e autorizou a prisão de Lula com o esgotamento dos recursos na segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre (RS), começa pelo cenário de divisão entre os 11 ministros da Suprema Corte brasileira: 6 a 5.
O mais moderado deles é o ex-deputado federal, que foi professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Goiás (UFG) e preside o PSD goiano. Vilmar Rocha diz entender que a sentença dividida do STF ao negar o habeas corpus a Lula fez com que a Corte perdesse a condição de ser uma instituição moderadora na estrutura dos poderes no Brasil. “Mas o Supremo não poderia tomar decisão diferente. A mudança geraria instabilidade jurídica e política por alterar um entendimento de 2016 do Tribunal.”
O presidente do PSD afirma que, com o resultado e a prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba (PR), mesmo que o PT insista que Lula será o candidato a presidente e que ninguém possa impedir alguém de se dizer pré-candidato, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não deve permitir que um condenado preso seja apto a receber votos na eleição. “O nome dele não vai estar na urna”, avalia.
Erro
Para o advogado eleitoral Dyogo Crosara, o STF errou ao descumprir o artigo 5º da Constituição Federal, que “é muito claro”: um réu só é considerado culpado após o trânsito em julgado, que só ocorre após esgotarem-se os recursos na terceira instância – no Supremo ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Quem reescreve a Carta Magna é o Legislativo.” Crosara diz que o momento é muito incerto com a decisão do Supremo. “A ministra Rosa Weber, que votou de maneira colegiada contra o habeas corpus, deixou evidente que ao analisar as ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) decidirá de acordo com sua interpretação pessoal como magistrada”, lembra.
A situação criada pela Corte Suprema é tão grave que hoje, mesmo preso, Lula pode ser candidato, descreve o advogado. “O que resta saber é se o pedido de candidatura será deferido pelo TSE.” Fora a situação de Lula nos seis meses que antecedem a eleição, Crosara diz que o Supremo “joga para a plateia” em suas decisões na história recente. “Este é o momento mais turbulento da democracia brasileira desde a morte de Tancredo Neves (21 de abril de 1985)”, lamenta.
Professor de Direito Penal da UFG e advogado criminalista, Pedro Paulo de Medeiros afirma que era esperado o resultado do julgamento em 6 a 5. “Só não sabíamos para qual lado”, observa. Como lembra Crosara, Medeiros também diz que é preciso esperar que as ADCs 43 e 44 sejam analisadas pelo Supremo para entender como ficará a situação de Lula na Corte. “Cabe ao STF fazer interpretação da Constituição, é direito dele interpretar a lei, mas qualquer advogado tem de defender a Constituição e a interpretação literal da Carta Magna, que define a prisão depois do trânsito em julgado.”
Medeiros ressalva que no momento Lula está inelegível, deve cumprir a pena, mas só saberemos se o ex-presidente será candidato depois de registrar a candidatura no TSE. “No processo criminal, se Lula conseguir uma tutela provisória para sustar os efeitos da condenação no STJ ou STF, conseguirá estar apto a estar na urna”, explica. O advogado criminalista lamenta que parte dos ministros do Supremo tenha passado a ouvir a opinião pública ao embasar seu posicionamento nos processos analisados pela Corte. “Os magistrados têm de escutar a voz da lei”, afirma.
Procurador de Justiça e ex-senador cassado, Demóstenes Torres (PTB) descreve que uma decisão do STF por 6 a 5 ou 7 a 4 é passível de revisão. “Com a mudança de posição de Rosa Weber nas ADCs, nas quais ela tende a voltar ao entendimento anterior sobre o princípio da presunção de inocência, o posicionamento do Supremo deve ser modificado.” Demóstenes lembra que o cumprimento da prisão contra Lula, decretada por Moro, pode ser revertida nos próximos meses.
“Os ministros estão agindo como legisladores, julgam do jeito que querem. A lei deixou de ser regra e passou a ser referência. Que segurança jurídica terá qualquer cidadão se a lei não é cumprida?” O questionamento do petebista, que é favorável à prisão após condenação em segunda instância, se justifica por Demóstenes avaliar que “a cada hora há um entendimento diferente do Supremo”. “Para que a prisão seja decretada após um réu ser considerado culpado em segunda instância, é preciso que se mude a Constituição. Lamento que o STF tenha caído na armadilha que ele mesmo criou”, observa.
“Golpe consolidado”
O deputado estadual Luis César Bueno (PT) diz que a decisão do STF e a prisão decretada contra Lula significam que o “golpe iniciado com o impeachment de Dilma está sendo consolidado com o a retirada do ex-presidente das urnas”. “Lula foi condenado em um processo eivado de erros, por um apartamento que não é dele, que envolve dívidas de uma empreiteira com a Caixa”, afirma. Para o petista, a sentença do Supremo, principalmente o voto da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia – que desempatou o julgamento – foi política. “O STF deveria ter analisado o mérito.”
Luis César Bueno diz que Lula só deixará de ser candidato se tiver seus recursos no processo do tríplex negados pelo STJ e Supremo. “Acreditamos que o ex-presidente será inocentado na análise do mérito. Não temos como confiar em uma decisão capenga.” Para o deputado, mesmo que o petista esteja na cadeia, ele terá condições de eleger quem por ele for apoiado, mesmo que a distância.
“A forma como vem sendo conduzido o processo tem se dado de maneira conturbada há muito tempo”, opina o cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Malco Camargos. Para o acadêmico, a atenção especial dada aos prazos no caso tríplex tem tomado forma de algo mais rígido do que o habitual. “Na minha interpretação, a mudança de entendimento de um dos magistrados coloca dúvidas sobre a decisão tomada pelo Supremo.”
Crítico de como se deu o voto de Cármen Lúcia, Camargos descreve o desempate do julgamento do habeas corpus preventivo de Lula como um “resquício da concentração da agenda e da decisão à presidente da Corte”. “Se ela foi indicada pelo próprio petista e votou contra Lula, há duas intrepretações a serem feitas: o PT não conseguiu manter esse vínculo por incompetência de articulação ou foi ético ao ponto de pagar o preço por não ter mantido certa influência sobre os ministros que escolheu”, observa.
Para o cientista político, a vontade da maioria da população deve ser manifestada nas eleições com o voto a cada quatro anos, não por meio do entendimento dos ministros do Supremo. “Dos três poderes, o Judiciário é o único que, por não ser escolhido eleitoralmente, deveria se manter independente para que haja a garantia da existência de órgãos democráticos.” De acordo com Camargos, o momento de instabilidade e polarização política de 2018 começa em 2014, quando o senador Aécio Neves (PSDB-MG) perde nas urnas e suspeita do resultado eleitoral na Justiça ao questionar a vontade popular. “Naquele momento o Executivo foi desmoralizado, depois veio o descrédito com o Legislativo e agora o Judiciário é o alvo da população.”
Insegurança eleitoral
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a cientista política Helcimara Telles afirma que todas as decisões têm sido politizadas no Brasil. “O Judiciário não pode ouvir o clamor das ruas ou o Twitter de um general do Exército”, diz em referência as declarações do comandante Eduardo Villas Bôas na véspera do julgamento do STF. De acordo com Helcimara, como se trata do processo que envolve um ex-presidente, é preciso tomar cuidado para os efeitos que a decisão sobre o caso podem trazer. “O Supremo não presta conta, não é controlado por ninguém, deveria ser imparcial. E a Corte está se colocando no lugar de representante do povo ultrapassando suas funções, ocupando o vazio deixado pelo Legislativo no lugar da política”, declara.
Em um cenário eleitoral muito fragmentado, com a possibilidade de serem muitos os candidatos a presidente, a professora da UFMG observa que a insegurança eleitoral de ter Lula eleito preso, retirado do segundo turno por um impedimento jurídico ou a foto do petista aparecer na urna sem ele como candidato são situações que podem trazer incertezas para as eleições. “Os processos eleitorais precisam ter legitimidade.”
Sobre a discussão se há ou não um golpe em curso no País, como defendem filiados do PT e simpatizantes de Lula, a cientista política diz que é uma interpretação possível ou não. “Se acreditarmos que houve um golpe, imaginava-se que a sangria seria estancada com a recuperação da economia e a consolidação do novo governo se daria pelas urnas. Os articuladores não entenderam que os efeitos do impeachment desgastariam toda a classe política e fortaleceriam o Judiciário.”