Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

Recentemente, recebi uma ligação de um empresário da região de Itaberaí, em Goiás. Ele relatou um problema alarmante: a “empresa”, concessionária responsável pelo fornecimento elétrico local, informou que só poderia disponibilizar energia para sua nova unidade produtiva daqui a dois anos. A indignação do empresário é compreensível, considerando que energia elétrica é um insumo essencial para o crescimento econômico e a manutenção de empregos. Sem a expansão necessária, o impacto será inevitável: cortes de pessoal e prejuízos financeiros para sobreviver à espera. Contudo, essa situação é apenas a ponta de um iceberg que reflete problemas estruturais mais profundos no setor elétrico brasileiro.

O que são ganhos de produtividade?

Ganhos de produtividade representam a eficiência adicional obtida por uma empresa ou setor ao produzir mais com menos recursos. No contexto das concessionárias de energia, esses ganhos podem surgir da modernização de equipamentos, da redução de perdas na distribuição ou da automação de processos. Por exemplo, uma empresa que investe em tecnologia para minimizar o desperdício de energia na rede pode gerar mais receita com o mesmo volume de energia adquirida.
Esses ganhos deveriam, idealmente, ser revertidos em benefícios para os consumidores, como tarifas mais baixas ou maior capacidade de atender à demanda. Entretanto, a legislação vigente permite que as concessionárias retenham parte desses ganhos, desde que respeitem os limites estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Essa apropriação visa remunerar o capital investido e incentivar melhorias no sistema.

Lei sobre os investimentos das concessionárias

O marco regulatório do setor elétrico brasileiro estabelece que as concessionárias devem investir na expansão e na modernização do sistema elétrico para acompanhar o crescimento da demanda. Esses investimentos são considerados nas revisões tarifárias, realizadas periodicamente pela Aneel. Durante esse processo, a agência avalia o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias e decide quanto dos ganhos de produtividade pode ser apropriado pela empresa e quanto deve ser repassado aos consumidores.

Contudo, o modelo atual apresenta lacunas. Em muitos casos, as concessionárias priorizam o retorno financeiro imediato em vez de realizar investimentos de longo prazo que assegurem a expansão da capacidade instalada. Isso pode levar a situações como a enfrentada pelo empresário de Itaberaí, onde a infraestrutura não acompanha a demanda regional.

Por que falta energia para os empreendimentos?

O caso da “empresa” é emblemático de um problema recorrente no setor elétrico brasileiro: a defasagem entre planejamento e execução. A falta de energia não se deve apenas à ausência de recursos, mas também a falhas no planejamento estratégico e à priorização de ganhos financeiros sobre o atendimento à demanda futura. Ao reter ganhos de produtividade sem reinvesti-los adequadamente na expansão do sistema, as concessionárias criam gargalos que impedem o desenvolvimento regional.

No caso de Itaberaí, o tempo estimado de dois anos para fornecer energia é inaceitável para qualquer empresário que busca crescer e gerar empregos. Esse prazo reflete tanto a complexidade técnica da ampliação de redes quanto a falta de prioridade dada ao investimento em regiões com maior demanda. Além disso, a burocracia envolvida em processos de licenciamento e execução de obras amplia ainda mais os prazos.

Um ciclo que precisa ser quebrado

A crise energética que afeta regiões como Itaberaí é um alerta sobre a necessidade de repensarmos o modelo de concessão e regulação do setor elétrico. Os ganhos de produtividade não podem ser tratados como um benefício exclusivo das concessionárias; eles devem ser compartilhados com a sociedade por meio de tarifas justas e investimentos sólidos na expansão da infraestrutura.

É imperativo que a Aneel e outros órgãos reguladores exerçam um controle mais rigoroso sobre o uso desses ganhos, exigindo que as concessionárias priorizem a ampliação da capacidade instalada. Enquanto isso não ocorrer, o crescimento econômico de regiões como Itaberaí continuará sendo comprometido, e empresários como o que me procurou continuarão arcando com prejuízos que poderiam ser evitados.

O setor elétrico é a espinha dorsal da economia moderna. Ignorar sua importância no planejamento estratégico é condenar o futuro de empreendimentos e trabalhadores que dependem de um fornecimento estável e eficiente de energia.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Energia pela Unicamp com 9 livros escritos sobre o tema energia e outros assuntos.