Em reportagem recente publicada pela revista Veja, o cientista político e sociólogo Alberto Carlos de Almeida, autor dos livros A Mão e a Luva e A Cabeça do Eleitor, tece uma análise intrigante sobre o cenário eleitoral em São Paulo e, sem querer, ajuda a entender e até, quem sabe, prever o desenrolar do cenário em Goiânia.

Em São Paulo, atualmente, dois pré-candidatos – o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado federal Guilherme Boulos (Psol) – são dados como certos na corrida eleitoral e já despontam nas pesquisas. Até recentemente, Boulos vinha liderando com folga, mas teve o choque de realidade ao perceber com a última pesquisa Datafolha que Nunes já encosta nele (30% do psolista contra 29% do emedebista).

Segundo Almeida à Veja, a aprovação de Nunes cresce “à medida que ele se torna mais conhecido”. Vale lembrar que o perfil do prefeito paulistano e a maneira como chegou ao Executivo municipal paulistano se assemelham, e muito, ao de Rogério Cruz (Republicanos) em Goiânia: os dois vêm da Câmara Municipal, têm posturas discretas e eram, ambos, vices que assumiram a cadeira de prefeito após a morte do cabeça da chapa – os paulistas perderam Bruno Covas, e os goianienses ficaram sem Maguito Vilela.

Ainda de acordo com o cientista político, a aprovação de Nunes cresce, inclusive, em segmentos mais estratégicos para Boulos, como os mais pobres (aqueles com renda familiar de até dois salários mínimos). “A aprovação da gestão é o principal índice a ser considerado numa disputa com candidato à reeleição”, avalia Almeida, que explica que o eleitor analise se quer continuar com o governo vigente ou trocá-lo.

No entanto, o cientista destaca que, no caso de SP, para que Nunes se torne o preferido dos eleitores, precisa crescer pelo menos 11 pontos, chegando a 40% “de bom ou ótimo”.

Na capital goiana, não falta quem diz que o Rogério Cruz, provável candidato à reeleição, vai “mal das pernas” e deveria até desistir do projeto de tentar se manter no Paço Municipal. Levando em conta os números, é compreensível que alguns pensem assim. Para se ter ideia, um diagnóstico do instituto Paraná Pesquisas divulgado em fevereiro deste ano apontou que a gestão de Cruz sofre com uma desaprovação de 63%, enquanto a taxa de aprovação ficou em 32% (vale destacar que esse número era de 37% em julho de 2023, com uma aprovação de 56%).

Após operação da Polícia Civil, prefeito convocou coletiva para comunicar afastamento da diretoria da Comurg | Foto: Reprodução

A situação do chefe do Executivo municipal, que já vinha enfrentando crises relacionadas à coleta do lixo, à saúde e à educação, ficou ainda mais delicada após uma operação da Polícia Civil que mirou um esquema de corrupção em contratos e aditivos e que envolveria três importantes pastas do governo municipal: a Agência do Meio Ambiente (Amma), a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) e a Companhia de Urbanização de Goiânia, a Comurg, empresa público-privada que, até então, é a responsável pela coleta de lixo na capital.

Contudo, para o cientista político Guilherme Carvalho, não só é demasiado cedo para ditar como Cruz estará enquanto candidato à reeleição, como é insensato esperar que ele, mesmo se tivesse passado incólume pelas crises que afetaram sua gestão, contasse com um índice de aprovação muito maior que o atual.

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“Quem tem aprovação de 40%, bom ou ótimo, hoje no mundo assim, ainda em final de mandato? O [presidente] Lula está tendo dificuldades no meio do mandato, tendo uma máquina gigantesca nas mãos e com pouco mais da metade dos votos na eleição há um ano. Agora, você imagina um gestor que está passando por desgastes nos últimos quatro anos e que vem de um processo acidental, em que ele assumiu a Prefeitura [de Goiânia] sem ter uma base política construída. Ele herdou uma base, teve que construir isso aos poucos pra chamar de sua”, detalha Carvalho sobre Rogério Cruz.

O cientista usa ainda a expressão “jogo é jogo, treino é treino” ao expor que uma aprovação de 40%, tal qual estimada por Alberto Carlos de Almeida em São Paulo, não significa intenção de voto. Quanto aos votos especificamente, conforme Carvalho, ainda é demasiado cedo para dizer qual político vai herdá-los em Goiânia. “A gente não consegue adiantar o debate ao eleitor. O eleitor não está colocado no jogo, até porque ele ainda não sabe quem são os candidatos. Ele sabe que o prefeito talvez seja candidato, mas até aí, a única coisa que ele consegue estimar é isso: a avaliação de governo”, diz Carvalho, ressaltando que, se isso não estima intenção de voto, então ainda não é possível desenhar o cenário eleitoral.

Guilherme Carvalho, cientista política | Foto: divulgação
Guilherme Carvalho, cientista político | Foto: Divulgação

Já sobre a operação contra o esquema de corrupção na Prefeitura, o especialista aponta a existência de estudos e pesquisas na área das ciências políticas que mostram que temas ligados à corrupção “importam muito para a classe média e alta”, mas que existe um “certo consenso, até anterior a essas pesquisas, que o eleitorado que ganha eleição não é esse eleitorado, [mas sim] a massa, que por enquanto é clientelista”, ou seja, depende do acesso aos serviços da Prefeitura. Com isso, Carvalho sugere que, dentro de uma avaliação política, Cruz ainda tem as armas para tentar construir uma situação favorável à sua pré-candidatura. Porém, é preciso saber qual a real e atual capacidade do gestor para usar essa arma.

“A gente não sabe nem se o prefeito vai ter acesso completo à máquina, visto que uma operação [policial] agora pode complicar bastante a vida dele de forma funcional, não só a popularidade. A gente não sabe se ele vai ter a capacidade de mover a estrutura da Prefeitura pra poder beneficiar ele em uma eventual reeleição”, expõe Carvalho, destacando que “tudo joga” contra o prefeito, mas que em política “o imponderável” é a regra.

“O imponderável pode acontecer e mudar toda a cadeia lógica das coisas”, arremata.