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Em meio a cortes de gastos, reformas administrativas e reorganizações financeiras diante de uma infinidade de dívidas e pendências deixadas por gestões anteriores, Municípios de Goiás com grande expressividade econômica que começaram a experimentar um certo “alívio” nas contas públicas já se articulam com vistas a pleitear novas operações de crédito de somas astronômicas para investimentos regionais.

Algumas das maiores prefeituras do Estado, como a de Goiânia, mesmo com nota ainda baixa na Capacidade de Pagamento (Capag), índice do Tesouro Nacional determinante para o aval a novos empréstimos, já vislumbram a contratação de novos empréstimos para obras de infraestrutura, por exemplo.

Na prestação de contas do 2º quadrimestre do primeiro ano de sua gestão, em outubro, o prefeito de Goiânia, Sandro Mabel (UB), informou na Câmara Municipal que de maio a agosto a receita do Município ultrapassou R$ 6,6 bilhões, ou seja, uma alta de 6,61% em relação ao mesmo período de 2024, descontada a inflação.

 Já a despesa no segundo quadrimestre ficou em R$ 5,9 bilhões, o que representa uma queda de 10,57% na comparação com o mesmo período do ano passado, também desconsiderando a inflação. Mabel também comemorou o fato de sua gestão ter atingido resultado primário de R$ 678 milhões, além de ter quitado R$ 276 milhões em dívidas deixadas pela administração do ex-prefeito Rogério Cruz.

No entanto, segundo o próprio Mabel, a dívida total deixada por Cruz foi de cerca de R$ 3,6 bilhões, que está longe de ser totalmente sanada. “Durante a campanha, nós fizemos um levantamento preliminar e o cálculo que tínhamos era de que pegaríamos uma dívida de R$ 1,6 bilhão. Quando eu dizia isso, o pessoal respondia que não, que era R$ 300 milhões, mas na realidade era quase R$ 4 bilhões. Isso realmente foi uma surpresa, muito mais desagradável”, disse o gestor, na primeira prestação de contas, em março deste ano.

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Prefeito Sandro Mabel | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Conforme a Prévia Fiscal do Tesouro Nacional, a nota Capag de Goiânia, hoje, é C. A classificação é considerada baixa e impede o Município de contrair empréstimos com o aval da União, por exemplo. Contudo, o prefeito da capital já trabalha com a expectativa de ter a nota elevada de C para B já no próximo recálculo da Capag, o que deve acontecer em abril do ano que vem. Com isso, a Prefeitura voltaria a ter a possibilidade de contrair operações de crédito.

“O trabalho da Secretaria da Fazenda, e a garantia do Valdivino [secretário da Fazenda de Goiânia], é para que a Prefeitura atinja a nota B”, pontuou.

Ao menos dois empréstimos já estão em deliberação no Paço Municipal: um seria para obras na Marginal Botafogo, no valor de R$ 400 milhões. O projeto inclui a construção de bacias de contenção com o objetivo de findar problemas de alagamento na região; e outro, no valor de R$ 600 milhões, para obras no Córrego Cascavel.

“Estamos estudando vários empréstimos. São para obras na Marginal Botafogo e Córrego Cascavel. Para a Botafogo já temos uma parte, cerca de 270 milhões de reais, empenhada no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Já estamos fazendo alguns projetos. E o projeto do Córrego Cascavel também está andando. Estamos conversando com vários bancos”, disse o prefeito de Goiânia.

Mabel criticou, porém, os juros para esse tipo de operação de crédito, os quais considerou “muito altos”. “Então estamos olhando empréstimos internacionais. Tivemos visita do Banco do Brics, da Caixa Econômica. Estamos trabalhando com todo mundo”, afirmou.

Nota boa, boa folga

Município a cerca de 35 quilômetros de Goiânia, Hidrolândia é considerada o polo logístico de Goiás. É em Hidrolândia onde se concentram majoritariamente os chamados centros de distribuição (CDs) – instalações logísticas essenciais para o armazenamento, gerenciamento e distribuição de produtos e mercadorias. Hoje, 15 CDs atuam em Hidrolândia, entre eles os de gigantes do varejo e do market place como Amazon, Magazine Luiza, Shopee e Via Varejo.

Na área de habitação, Hidrolândia também tem pontos a seu favor. O município tem 12 condomínios horizontais estabelecidos, seis já aprovados para construção e quatro em fase de aprovação. O município tem, também, quatro loteamentos abertos já com aval para nascerem. E não é só nos campos comercial e de infraestrutura que a cidade está em “maré alta”.

Atualmente, Hidrolândia tem nota alta na Capag do Tesouro Nacional. A dívida consolidade/RCL está em 1,10%; despesa corrente/RCA em 94,4% e disponibilidade de caixa bruta/RCL em 6,7%, o que, somadas, confere ao município a classificação A.

Em outubro deste ano, o Jornal Opção noticiou que Hidrolândia era um dos quatro municípios de Goiás que tinham, à época, pedidos de verificação de limites e condições (PVL) no Tesouro Nacional. O procedimento do órgão tem como objetivo analisar o cumprimento de limites e condições desses entes para a contratação de empréstimos. A possibilidade de contrair um empréstimo para fins de investimento em infraestrutura foi admitida pelo prefeito José Délio.

Presidente da AGM Zé Délio Jr | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

“O intuito da maioria dos municípios, não só de Hidrolândia, é trazer obras de infraestrutura. A gente herda dívidas de outras gestões, e eu pelo menos sanei as contas do Município, paguei várias dívidas de outras gestões, e hoje eu estou com a Capacidade de Pagamento boa. A minha Capag é A”, destacou o prefeito de Hidrolândia.

Ainda segundo o gestor, a cidade tem “capacidade de investimento e existem muitos problemas para serem administrados, como na região do Garavelo Sul, por exemplo”. “Então estamos viabilizando um financiamento junto à Caixa para viabilizar obras de infraestrutura”, informou.

Conforme apurado pela reportagem, a operação de crédito para investimentos na região mencionada por José Délio deve girar em torno de R$ 20 milhões.

Foco na renegociação

Município com cerca de 400 mil habitantes, Anápolis herdou uma dívida da gestão anterior de cerca de R$ 1,7 bilhão. A informação é do atual prefeito, Márcio Corrêa (PL), que conversou com o Jornal Opção em meados deste ano. Segundo ele, sua administração detectou um calote de quase R$ 400 milhões em fornecedores, além de um empréstimo milionário feito com juros que chegavam a 200% do CDI, equivalente a 3% ao mês.

“Todo mês, iniciamos com uma dívida de R$ 20 milhões a ser paga, a curto prazo, e isso só começou a ser quitado na nossa gestão”, disse, em entrevista concedida em julho.

Em setembro deste ano, Corrêa decidiu enviar um projeto à Câmara Municipal de Anápolis que o autorizava a renegociar o empréstimo de R$ 756,1 milhões adquirido na gestão de Roberto Naves. O projeto, que foi aprovado pelos parlamentares, reestrutura as obrigações financeiras existentes com “condições mais vantajosas” que incluem redução de juros, alongamento de prazos e folga para pagamento de salários e fornecedores.

Em entrevista ao Jornal Opção, o titular da Secretaria da Economia de Anápolis, Marcelo Olímpio, reforçou que as operações de crédito feitas na administração anterior “geraram um serviço da dívida bastante elevado que acabou afetando a capacidade de pagamento do município”. “Inclusive, a parcela dos valores já contratados ultrapassa o teto limitado pela resolução 43 do Senado, de que não poderia passar de 11,5% da receita de corrente líquida”.

“Essas operações foram realizadas em gestões anteriores. Quando o atual prefeito assumiu, encontrou o município enquadrado no rating Capag C. Com esse nível de rating, torna-se muito difícil conduzir qualquer renegociação da dívida. Por isso, estamos trabalhando para criar condições fiscais que melhorem os indicadores do município, de modo a recuperar um rating equilibrado e permitir o acesso a linhas de crédito. Não para gerar novo endividamento, mas, no mínimo, para viabilizar a renegociação das dívidas já existentes”, disse Marcelo.

O secretário reforçou que, no momento, o Município anapolino “não tem na mira qualquer operação de crédito que seja para cobrir novos investimentos” e disse que a prioridade é lidar com os empréstimos já contratados, mas admitiu que nenhum ente “está livre” de tal situação.

“Acaba sendo uma forma de o Município obter mais espaço para fazer os investimentos de forma mais urgente e atender as necessidades da população, parcelando a longo prazo. Hoje, não temos essa previsão [de contrair novos empréstimos], porque está sendo priorizado a renegociação da dívida existente”, comentou o secretário.

Financiamento “mundial”

Mesmo com nota Eicf no Ranking da Qualidade da Informação Contábil e Fiscal no Siconfi, do Tesouro Nacional (a menor do ranking), Aparecida de Goiânia pode estar perto de receber um empréstimo milionário.

Segundo o prefeito Leandro Vilela, anos após o início do processo de contratação, o empréstimo de 120 milhões de dólares do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), também conhecido como Banco dos Brics, os “entraves já foram superados” e o financiamento deve sair em 2026.

“O que era preciso ser feito para superar, nós superamos. A questão fiscal, a questão jurídica, resolvemos tudo. Está lá na mesa da presidente Dilma para que ela assine e Aparecida possa receber esse empréstimo e fazer esses investimentos”, afirmou Vilela, durante a prestação de contas de sua gestão, em setembro deste ano.

Prefeito de Aparecida de Goiânia, Leandro Vilela | Foto : Guilherme Alves/ Jornal Opção

Ainda de acordo com o prefeito, o investimento será em obras de infraestrutura, pavimentação e asfalto, que compreendem 47 bairros, alguns parcialmente, outros totalmente. Entre as principais obras previstas, estão dois viadutos na BR-153, sendo um na região Leste, ligando o centro de Aparecida ao Jardim Bela Vista, além de duas trincheiras no Anel Viário, 12 Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) e três unidades escolares. 

Também na prestação de contas de setembro, Leandro Vilela informou o superávit atingido pelo Município de Aparecida em sua gestão, e destacou a quitação de R$ 307 milhões de dívidas deixadas pela administração anterior, restando cerca de R$ 180 milhões a serem quitados. Ele enfatizou que neste ano a Prefeitura quitou R$ 84 milhões em empréstimos.

Com o pagamento da dívida e a reestruturação financeira em Aparecida, a nota do Município na Capag tende a ser revista e elevada no próximo recálculo do Tesouro.