A decisão do Copom, conduzida por Roberto Campos Neto, de manter a taxa de juros em 13, 75%, contrariou ainda mais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e acelerou uma estratégia nos bastidores. Ala do governo federal e de setores do PT estão tratando como saída: pressionar a renúncia de Campos Neto. A manutenção da Selec foi chamada pelo senador Jorge Kajuru (PSB) de “pena de morte”.

Como o presidente do Banco Central repete a interlocutores que não irá pedir demissão, a única saída possível seria a destituição dele por meio do Senado. Campos Neto tem autonomia, determinada por legislação. A lei de autonomia do BC fixou mandato de quatro anos ao presidente, blindando o chefe da instituição de possíveis interferências políticas.

O mandato dele vai até o fim de 2024. Porém, ele pode ser destituído se apresentar desempenho insuficiente para alcançar os objetivos econômicos. A decisão para isso parte do presidente da República, com aval do Senado, por votação secreta.

Se depender do voto do senador Jorge Kajuru (PSB), Campos Neto estará fora da instituição logo. “Então eu vou votar para ele sair correndo do Banco Central”. Para o senador, o governo federal conta com maioria de apoiadores na Casa. “Se o governo souber trabalhar no Senado, vai obter maioria para tirar este cara. Este cara faz mal para o país. Ele quer a volta do Bolsonaro”, acusa.

Embora defenda a independência política do Banco Central, Kajuru acusa Campos Neto de não ter autonomia na função. “Tem que ter também um presidente independente. O Roberto Campos, a única coisa que ele não é, é independente. Primeiro, ele é da extrema direita. Segundo, ele é declaradamente bolsonarista.

Fernando Haddad | Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Fernando Haddad | Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Tanto que ele foi votar com a camisa da seleção, a camisa amarela da seleção. Terceiro, ele não foi na posse do Lula, ele foi na posse do Tarcísio [governador de São Paulo]”, elenca. “Então um cara desse não pode continuar no Banco Central. Ele quer que o Brasil exploda, quer que o Brasil tenha uma taxa de juros que é uma pena de morte: 13,75%. É pena de morte”, aponta Kajuru.

Tropa de choque

Ministros do governo afirmaram nesta quinta-feira, 23, ao Blog da Andréia Sadi que a linha do Executivo vai ser clara: seguir polarizando com a figura de Campos Neto e buscando responsabilizá-lo por uma eventual crise econômica, pois, caso contrário, a crise econômica

A ideia do governo é pressionar senadores para começar a mudar o ambiente pela saída de Campos Neto. O argumento adotado nos bastidores do Palácio do Planalto é de que, hoje, pode não haver votos, mas “senadores também vão sentir a pressão social” com crédito rareando, desemprego, por exemplo, e não vão conseguir segurar – se o BC não mudar de posição. “Não tem voto até que tem”, desafia um ministro do Palácio do Planalto.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, nessa quarta-feira, 22, chamou de “preocupante” a decisão do Copom – mas evita antagonizar com Campos Neto. Nos bastidores, no entanto, existe uma defesa para que os novos diretores do Banco Central façam o contraponto a Campos Neto, quando indicados.

Haddad disse em coletiva que apresentou seis nomes a Lula e que os nomes vão ser anunciados na volta da viagem da China. A declaração de Haddad vai na contramão do que disse Rui Costa (PT) ao “Estudio i”, na GloboNews, na terça-feira, 21. O ministro da Casa Civil disse que os nomes foram escolhidos e avalizados por Lula.

Mercadante e o Dilma 3

Técnicos da Fazenda avaliam que foi um “erro” o presidente Lula ter alçado Campos Neto a interlocutor político – o que acabou por blindá-lo junto a setores mais conservadores como mercado financeiro – além de contar com o apoio da cúpula do Congresso e dos parlamentares à direita do Senado. Como Campos Neto tem sinalizado que não vai ceder ao governo, há um temor nos bastidores de que o governo Lula entregue a “solução” para uma “saída Mercadante”, capitaneada pelo BNDES – reproduzindo uma política errática econômica que parlamentares e empresários chamam de “Dilma 3”.

Defensor e amigo de Campos Neto, até o presidente da Câmara entrou em campo nessa quarta para pedir ao presidente do BC que não deixe Haddad na chuva, pois, nas palavras de interlocutores de Lira, “isso vai soltar Mercadante”. Na avaliação de Lira, nos bastidores, Campos Neto poderia ter ajudado um pouco já sinalizando a queda de juros.