Darci Alves Pereira, réu confesso e condenado pelo assassinato do ambientalista e seringueiro Chico Mendes, é o novo presidente do Partido Liberal (PL) de Medicilândia, interior do Pará. Condenado em 1990 a 19 anos de prisão, Darci mudou de nome e tomou posse no dia 26 de janeiro.

“Em Medicilândia não é todo mundo que sabe que ele é o Darci que matou o Chico Mendes, pra você ter uma ideia. Ele utiliza outro nome, a gente conhece ele por Daniel”, disse uma moradora ao portal, optando pelo anonimato por receio de represálias. Convertido à igreja evangélica há alguns anos, Darci Alves atualmente se apresenta como “Pastor Daniel” e atua na Assembleia de Deus da Última Hora.

Ainda de acordo com o relato da moradora, Darci é considerado um cidadão de bem no município e região. “Ele é uma pessoa que todo mundo conhece e respeita muito […] Ele é conhecido por ser um líder na comunidade, por doar dinheiro para a igreja, doar dinheiro para os mais necessitado, é um bom pai e esposo. É o que a comunidade fala”.

Darci Alves Pereira se estabeleceu em Medicilândia após cumprir parte da pena pelo assassinato do líder sindicalista, na década de 1990.  Ainda não há informações detalhadas sobre os planos do partido para o cargo majoritário no pleito municipal de 2024. Nas redes sociais, Pereira se identifica como “pré-candidato a vereador”.

Darci se apresenta como “Pastor Daniel” e atua na Assembleia de Deus da Última Hora. | Foto: Redes Sociais

De acordo com ela, as pessoas mais ricas e poderosas da cidade sabem do passado de Darci, mas isso não o deprecia. Pelo contrário, é visto como herói por carregar a alcunha do assassino do Chico Mendes. Do ponto de vista dessa elite, ao lutar pelas pautas ambientais Chico travava o desenvolvimento da cidade.

Segundo documento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), obtido pelo portal ECO, a composição da nova diretoria do PL em Medicilândia foi formalizada na Justiça Eleitoral no dia 27 de novembro de 2023.

Entenda o crime

Chico Mendes, aos 44 anos, foi tragicamente morto por um tiro no peito em 22 de dezembro de 1988, no quintal de sua casa em Xapuri, Acre. Dois anos após o ocorrido, em meio a intensas pressões nacional e internacional pela resolução do caso, Darci Alves Pereira se entregou à polícia. Darci fugiu da penitenciária Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco (AC), em dezembro de 1993, onde cumpria a pena junto com seu pai. Os dois estavam morando em Medicilândia, cidade próximo a Altamira, no Pará.

Em diferentes ocasiões, inclusive diante do Tribunal do Júri de Xapuri em 12 de dezembro de 1990, Darci confessou o crime. No entanto, seis anos mais tarde, ele mudou sua versão e negou ter cometido o assassinato. No dia 15 de dezembro de 1990, Darci Alves Pereira e seu pai, Darly Alves da Silva, foram condenados a 19 anos de prisão, por serem, segundo a Justiça, executor e mandante do crime, respectivamente.

Além de Guaíra, Darci tem parentes nos municípios de Umuarama e Vila Alta. Sua mãe, Elpídia Pereira, foi a segunda mulher de Darly Alves e mora em Umuarama com Genilda, irmã de Darci. Condenado em 14 de dezembro de 1990, ele fugiu -juntamente com o pai- em 1993, quando Darly estava para ser transferido para o Paraná para ser julgado pela morte do corretor Acir Urizzi.

A fuga dos dois da Penitenciária Estadual do Acre nunca foi esclarecida. Desde então, em Medicilândia, usando nomes falsos, eles conseguiram até financiamento bancário para lavoura de cacau.

Manchete do caderno de política da Folha de S.Paulo em 13 de dezembro de 1990. | Foto: Arquivo Folha

Eles foram recapturados pela Polícia Federal em 1996 – o pai em Medicilândia (PA) e o filho no noroeste paranaense – e levados para o complexo penitenciário de segurança máxima da Papuda, em Brasília. Três anos depois, Darly alegou problemas de saúde e conquistou o direito de cumprir sua pena em prisão domiciliar. Darci, por sua vez, foi para o regime semi-aberto, por bom comportamento.

Chico Mendes e família

Chico Mendes foi um líder sindical e ativista ambiental brasileiro, nascido em 1944 no estado do Acre. Ele se destacou na luta pela preservação da Floresta Amazônica e pelos direitos dos seringueiros, que enfrentavam ameaças de desmatamento e grilagem de terras. Mendes foi pioneiro na criação de reservas extrativistas, promovendo um modelo de desenvolvimento sustentável que conciliava a conservação ambiental com a geração de renda para as comunidades locais.

Sua morte em 1988, assassinado por sua atuação em defesa da floresta, provocou comoção nacional e internacional, tornando-se um símbolo da luta pela proteção ambiental e dos direitos dos povos da Amazônia.

Entre 1987 e 1988, Chico Mendes foi premiado por sua atuação, recebendo o Global 500, da Organização das Nações Unidas (ONU), na Inglaterra, e a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society.

Para a família de Chico Mendes, as recentes notícias vindas de Medicilândia machucam, mas não chegam a causar surpresa. Na segunda-feira, dia 19 de fevereiro, portal Eco entrou em contato com Angela Mendes, filha mais velha do líder sindical. Ela não sabia do novo cargo de Darci Alves Pereira.

“Eu já sabia há algum tempo, não muito, poucos meses, da pretensão política do Darci. De toda forma, eu não me surpreendo […] Ter uma pessoa na presidência de um partido como o PL, de extrema direita e que tanto mal causou ao País, cuja família sempre viveu através de ilícitos, para mim é a representação da maioria do Congresso que a gente tem hoje”, explicou à reportagem.

Para a filha mais velha de Chico Mendes, o fato de Darci ter cumprido pena não o isenta do crime cometido. Ela conta que não ficou surpresa, mas fica triste pela iminência de termos no Congresso ou em qualquer espaço político mais uma pessoa condenada por um assassinato tão cruel e covarde, declaradamente criminosa. Ela explica ainda que não é porque a pessoa pagou a sentença que deixou de ser criminosa. “Isso não o torna inocente”, pontuou Angela.