‘Coletivos que avançam sobre o poder estão silenciando a discordância’, diz Dennys Garcia Xavier

09 janeiro 2024 às 19h01

COMPARTILHAR
Bárbara Noleto e Italo Wolff
Dennys Xavier é professor associado de Filosofia Antiga, Política e Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), além de tradutor e divulgador de autores liberais e conservadores. Segundo o professor, sua temática de interesse — o pensamento acerca das liberdades individuais — não é devidamente abordado em universidades. Ele é ainda coordenador político da Liderança do Partido Novo na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Nesta entrevista ao Jornal Opção, Dennys Xavier dá sua perspectiva acerca da filosofia e do cenário político no país. Em especial, o professor destaca a importância de defender o indivíduo contra o avanço de coletivos projetados para conquistar poder e dinheiro às custas de demandas sociais justas.
O que significa ser um anti coletivista? A ideia não prejudica grupos vulneráveis que se unem por causas comuns?
Há coisas importantes para se esclarecer. A primeira é que ser anti coletivista não significa ser contrário a uma união livre e voluntária das pessoas em torno de uma causa. A formação desses vínculos é inevitável, consequência da própria vida em sociedade. O problema começa quando as demandas de um grupo se tornam imposições que afetam a liberdade de outro.
Hoje, por exemplo, discute-se muito a dívida histórica com a população negra por causa do por causa da escravidão que existiu no Brasil do século XVIII e XIX. O problema com essa ideia é determinar o tamanho dessa dívida, como ela deve ser abordada, por quanto tempo as soluções devem ser aplicadas até o problema poder ser considerado sanado. O problema não é a associação das pessoas, mas imposição de demandas que são politicamente justificadas para avançar sobre outros.
Ceder nossas liberdades significa criar, voluntariamente, grupos que são incentivados a demandar cada vez mais. Então, o avanço político se torna uma competição para alegar sofrimento maior do que o dos demais. Já chegamos ao ponto de a sociedade se tornar incapaz de lidar com essas demandas.

Hoje, um pobre brasileiro paga em média 60% a 70% de impostos, que vão para a máquina estatal para sustentar todo esse discurso coletivista. Há uma espécie de vitimização sistêmica que, da perspectiva desses grupos, é necessária para solucionar problemas. Os problemas não podem ser solucionados por demandas de grupos sobre as demandas de outros grupos.
O que você tem de fazer é deixar as pessoas livres para buscar a resolução de suas demandas, especialmente a partir de iniciativas em âmbito privado, organizado entre as pessoas em cooperação, sem a imposição via Estado de obrigações a outros grupos que não concordam com determinada certa visão de mundo.
Não é produtivo obrigar as pessoas a ajudar alguém — quando se faz isso, você tira o arbítrio da colaboração. Quando eu ajudo alguém de forma livre, há uma tendência natural de acompanhar esse auxílio diligentemente. Quero saber como foi aplicado o recurso, quero saber se minha ajuda foi útil, se estou solucionando o problema.
O grande autor norte-americano Thomas solwell, um economista negro de 93 anos, diz: é claro que o racismo existe e é uma coisa deplorável, mas tem gente que lucra com isso. Quem lucra? Políticos que reivindicam verbas e poder ao alegar que estão combatendo o racismo. O problema está posto; e agora? A solução só virá de pessoas interessadas em combater o problema, e não das pessoas que dependem de manter a rusga, o embate o discurso da vítima.
E qual seria uma alternativa possível?
Recuperar a distância do indivíduo. Deixar as pessoas fazerem as suas escolhas e combater suas lutas; se esse combate fizer sentido para os demais, outros se unirão à batalha. O fundamental é permitir que as pessoas optem livremente por suas causas. Não me obrigue a assumir uma pauta, ou um valor, ou um princípio que não é meu. Ninguém está impedindo indivíduo algum de ir para um jornal e fazer a defesa de suas causas — da mesma forma, ninguém deveria obrigar o outro a dizer algo com que não concorda.
Na sua opinião, como as redes sociais influenciam esse embate entre coletivismo e individualismo?
As redes sociais amplificaram todo tipo de posicionamentos, e retiraram a exigência de senso crítico para participar do debate público. Como diz Umberto Eco, as redes sociais deram voz ao idiota da aldeia. Agora o idiota da aldeia tem um perfil nas redes sociais e encontra outros idiotas de aldeia para repercutir suas imbecilidades. Daqui a pouco eles fundam partido político.
Nesse sentido, as redes sociais tornam mais evidente o que realmente somos: pessoas dispostas a agir de forma irracional dadas as circunstâncias. O Brasil é um dos países com piores indicadores educacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). No ano passado, 84% dos brasileiros adultos não compraram um único livro, segundo o Panorama do Consumo de Livros.
Em um país como esse, temos de proteger os indivíduos, pois quem avança sobre eles não são grupos cultos e ilustres que sabem o que é melhor para todos. As pessoas que tentam conseguir poder são frequentemente ignorantes de seu papel. Essa massa disposta a passar por cima das pessoas quer saber apenas de suas próprias demandas, e quem não concorda será silenciado.

O senhor estuda Platão. As impressões desse pensador (dialética, idealismo, justiça) estão presentes no seu pensamento sobre o coletivismo?
Sim. Os gregos foram, talvez, o primeiro povo na história a falar sobre o fenômeno das liberdades individuais. Os gregos nunca brincaram com isso. A percepção da importância das liberdades propiciou, por exemplo, o surgimento da filosofia. Muita gente se pergunta, porque a filosofia nasceu na Grécia? A razão é que a atividade de racionalizar sobre o mundo de maneira ordenada em oposição ao pensamento mítico-religioso — isso só é possível com a preservação dessa Liberdade.
Naquele momento histórico do século 6 A.C., o mundo fora da grécia era ancorado na figura de déspotas poderosos e de práticas ritualísticas que determinavam tudo, inclusive a justiça. Ou seja, uma sociedade fechada. As pessoas estavam simplesmente à mercê desse poder. Para os gregos, há a necessidade de discutir a liberdade, valores, princípios. Não foi especificamente um ou outro texto filosófico que me levou a ser um anti coletivista, mas a percepção das benesses que a defesa das liberdades traz. Essa defesa se inicia na Grécia.