Mais de 50 militares em Goiás recebiam benefício irregular do Césio-137
30 outubro 2025 às 13h06

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Com colaboração de Raphael Bezerra
O número de militares da reserva de Goiás que recebiam de forma irregular o benefício destinado às vítimas do acidente com o Césio-137 chega a 50 servidores, segundo informou o delegado adjunto da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), Leonardo Dias, sobre a segunda fase da Operação Fraude Radioativa — deflagrada em 2024 para desarticular uma organização criminosa que praticava fraudes contra os cofres públicos.
De acordo com o delegado, a segunda fase, com nome de “Césio 171”, o grupo causou um prejuízo estimado em R$ 79 milhões por meio da atuação de advogados que falsificavam documentos públicos para obter isenções fiscais indevidas. Nesta fase, foram cumpridos cinco mandados de prisão — sendo três advogados, um médico e um engenheiro — nas cidades de Goiânia e Trindade.
Estrutura do esquema
O esquema era composto por quatro núcleos de atuação:
- Núcleo de Captação: responsável por recrutar os clientes (militares da reserva remunerada). Era formado por uma advogada e um militar da reserva, que usava sua posição para facilitar o aliciamento.
- Núcleo de Fraude/Falsificação: composto por um advogado e um médico, adulterava laudos e relatórios médicos para simular doenças que garantissem isenção de imposto de renda.
- Núcleo Jurídico: encarregado de protocolar as ações no Poder Judiciário.
- Núcleo de Advogados Laranja: fornecia senhas para o protocolo de ações fraudulentas.
Inicialmente, o dano estimado aos cofres públicos era de cerca de R$ 20 milhões, mas com o avanço das investigações, o valor subiu para R$ 79 milhões em verbas públicas desviadas para as contas dos investigados. O delegado ressalta que o número poderia ter sido ainda maior, caso a operação criminosa não tivesse sido interrompida.
“No primeiro momento, conseguimos desarticular boa parte do núcleo jurídico e o núcleo de captação, assim como o dos advogados laranja. Agora, na segunda fase, o foco foi complementar essa desarticulação, especialmente dos núcleos jurídico e de falsificação, para evitar que o modus operandi voltasse a se expandir”, afirmou Leonardo Dias Pires.
Como funcionava a fraude
Segundo o delegado, o principal mecanismo de fraude era a isenção do Imposto de Renda retido na fonte — considerada mais fácil de obter pelo núcleo jurídico dos golpistas do que o ajuizamento de ações para concessão de pensões às vítimas do Césio-137.
A fraude envolvia a falsificação de laudos médicos, aproveitando-se do desconhecimento sobre o acidente radiológico ocorrido em 1987. Os militares aliciados eram levados a um escritório onde enfermeiras e técnicas de enfermagem coletavam material biológico (como fios de cabelo), sob a falsa promessa de envio para análise em um laboratório dos Estados Unidos. O material, porém, era apenas armazenado, enquanto o núcleo de falsificação alterava modelos de relatórios médicos para incluir dados falsos dos clientes.
Além das fraudes relacionadas ao Césio-137, o grupo também utilizava laudos falsos de outras comorbidades, como HIV positivo, para tentar obter isenções. “O núcleo jurídico ajuizava a mesma ação 10 ou 15 vezes, às vezes usando documentos diferentes para o mesmo cliente, sempre pedindo a mesma coisa”, explicou o delegado.
Os investigados presos na segunda fase devem responder por falsidade ideológica, falsificação de documento público, estelionato contra ente público e associação criminosa.
Até o momento, não há indícios de envolvimento de servidores públicos do Poder Judiciário ou do Poder Executivo no esquema, segundo a Deic.
