Se é plausível admitir o conhecimento produzido pela sociologia como um saber científico, então, de que ciência estamos falando? Seria o sociólogo um cientista comparável aos praticantes das ciências naturais, como físicos ou biólogos? E, afinal, o que significa dizer que, numa pesquisa sociológica, busca-se a verdade? Eis algumas perguntas que levaram Zygmunt Bauman a escrever Para uma sociologia crítica, livro fundamental publicado originalmente em 1976 que chega agora aos leitores brasileiros pela Editora Unesp.

“O que quer que digamos atualmente sobre a forma que a sociologia deveria assumir, a sociologia como a conhecemos (e ela tem sido conhecida desde que recebeu esse nome) nasceu da descoberta da ‘segunda natureza’”, diz Bauman. “A ação humana não seria possível senão pela presença da natureza. A natureza é vivenciada tanto quanto é o locus, na medida em que é apreendida como o limite último da ação humana. Os homens vivenciam a natureza da mesma forma dupla e equívoca com a qual o escultor encontra o seu pedaço de pedra disforme: ela está diante dele, dócil e convidativa, esperando para absorver e encarnar suas ideias criativas – mas a sua disposição de atender é altamente seletiva; na verdade, a pedra fez a sua própria escolha bem antes de o escultor tomar o seu cinzel. A pedra, poderíamos dizer, classificou as ideias do escultor em atingíveis e inatingíveis, razoáveis e tolas. Para ser livre para agir, o escultor deve aprender os limites de sua liberdade: ele deve aprender a ler o mapa de sua liberdade traçado no veio da rocha.”

Ao longo de três grandes eixos, o sociólogo se debruça sobre a constituição da sociologia como ciência a partir de dois momentos: primeiro, considerando-se o quadro histórico que, tendo início na filosofia moderna dos séculos XVII e XVIII, passa por Hegel e Comte, até chegar à reflexão contemporânea com Durkheim, Marx e Weber; e, num segundo momento, procedendo-se à análise epistemológica do estatuto de “ciência da não liberdade” à luz de duas das grandes propostas teóricas do século XX: a fenomenologia e a filosofia existencialista.

Nesse percurso, Bauman torna acessíveis os principais – e complexos – esquemas de racionalidade da tradição sociológica, com o intuito de buscar um fio de verdade capaz de amarrar, por assim dizer, as indeterminações do senso comum e a necessidade das leis que determinam o mundo da cultura. Essa amarração, que em linguagem não cotidiana é chamada neste livro de “processo de autenticação”, é precisamente o que torna possível a inferência do modelo de razão emancipatória da sociologia crítica de Bauman.  

Sobre o autor 

O filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia, alcançou notoriedade junto ao grande público com suas análises do mundo contemporâneo. Em 2022, a Editora Unesp publicou seu Hermenêutica e ciência social: Abordagens da compreensão.