Mariza Santana

Quem disse que um romance, para ser bom, precisa ter uma enorme quantidade de páginas? “Uma Noite Com Ingmar Bergman e Com a Morte”, o novo romance do escritor e jornalista Ivair Lima, recém-saído do prelo da Editora Kelps, é um exemplo. São apenas 99 páginas, que podem ser lidas em poucas noites (para quem tem o hábito noturno da leitura, como eu). A obra propicia momentos de deleite, com suas referências a clássicos da literatura e do cinema. E ao resgatar a Goiânia das décadas de 1960 e 1970, com seus hippies, artistas plásticos, músicos, atores e escritores, que proporcionaram momentos de efervescência cultural na então jovem capital. Talvez seja possível nominá-lo de “roman à clef”.

Narrado na primeira pessoa, o protagonista é um jovem oriundo de uma cidade fictícia do interior que se muda para Goiânia em busca de realizar o sonho de se tornar escritor. Mas a dura realidade o abriga a trabalhar duro para sobreviver. Ele consegue apenas levar uma vida modesta e cheia de privações. O jovem começa a escrever um romance, mas vê nele indícios de plágio de um clássico da literatura. E assim acontece muitas vezes, nas suas tentativas de produzir uma escrita. Parece que nada do que produz é original, pois sempre apresenta forte influência da obra de algum gênio literário já consagrado.

O personagem principal de “Uma Noite Com Ingmar Bergman e Com a Morte”, cujo nome não é revelado, vai citando lugares conhecidos da capital goiana, como a Avenida Anhanguera e a Alameda Botafogo, no Centro da cidade, por onde transitava. O livro também é repleto de citações de personagens da cena cultural goianiense, como a professora de fotografia Rosary Esteves (que por sinal foi minha mestra no curso de Jornalismo da UFG) e Mauricinho Hippie, figura conhecida que andava de bicicleta pelas ruas da cidade “com roupa colorida, chapelão com penachos e chocalhos nos tornozelos” (e apreciava assoviar), só para citar dois deles.

Prosa envolvente e densa

O aspirante a escritor inicia sua narrativa contando que saiu do Cinema Casablanca “muito puto com os críticos que massacraram (o filme) ‘A Hora do Amor’, de Ingmar Bergman”. Daí a origem de parte inicial do título do livro. Em seguida, ele apresenta suas reminiscências de rapaz de interior e o fato curioso de ter dois pais: “o corno e o biológico”. Mas, para saber mais detalhes sobre esse lado inusitado do personagem, só lendo livro, pois não pretendo estragar a surpresa de ninguém.

Prosseguindo no romance, depois de comer um espetinho na Praça do Bandeirante, o protagonista conhece a prostituta Bárbara. “Minha vida daria um romance”, confessa ela. E vai relatando ao jovem suas aventuras e desventuras no meio cultural goiano, pois havia sido dona de uma galeria de artes que se tornou ponto de encontro dos ativistas do setor na cidade. Entretanto, naquele momento, ela confessa que só pensava em dar fim à própria vida (daí a parte que se refere à morte no título do romance).

A prosa de Ivair Lima, no livro “Uma Noite Com Ingmar Bergman e com a Morte”, é envolvente, os capítulos são curtos, mas densos, e convidam o leitor a seguir adiante. Uma verdadeira delícia para quem ama viajar no tempo e no espaço por meio de um bom conteúdo. Este é o nono romance do escritor, que, formado em Psicologia, trabalhou como psicólogo, repórter, bancário, professor, auxiliar de escritório, funcionário público, comerciário, comerciante e auxiliar técnico de raio X. Autor prolífico, já produziu peças de teatro, contos, poesia, letras de músicas, crônica e pequenas novelas. Outras obras do autor são: “Um Encontro no Lola’s”, “Minha Perna e Maria”, “Até o Diabo Chegar Com o Samba”, “Grete Sansa Encontra o Sol”, “O Verde e as Pedras” e “Vida Sverák”.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária. Email: Mariza Santana – [email protected]