Um domingo com cara de ressaca no Oscar Niemeyer

08 agosto 2016 às 21h22

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Entre 17h30 de domingo (7/8) e as 2 horas da madrugada de segunda-feira (8), o público foi chegando de forma tímida e vagarosa ao último dia do 22º Goiânia Noise Festival

As três primeiras bandas do último dia do 22º Goiânia Noise Festival contaram com um público fácil de contar durante as apresentações. Menos de cem pessoas acompanharam as apresentações do Rural Killers, Ímpeto e Lattere na Esplanada JK do Centro Cultural Oscar Niemeyer no início da noite de domingo (7/8). Era uma despedida com cara de ressaca.
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Segundo a Monstro Discos, que organiza o festival, o público total de cada dia foi de cerca de 5 mil pessoas presentes na sexta-feira (5/8), outras 5 mil no sábado (6) e aproximadamente 2 mil no domingo (8). Teve quem achou que os números divulgados estejam muito acima do que tinha de verdade no Oscar Niemeyer nos três dias do final de semana, mas os dados oficiais são esses.
Por volta de 19h15, com cerca de 45 minutos de atraso na programação, a paulista de Jundiaí Burt Reynolds subiu ao palco 2 do festival. Um quarteto que mostra um rock divertido com cara de churrascão de domingo entre amigos. O grupo, que usa o nome de um ator dos Estados Unidos, começou a tocar em 1994 e voltou algumas vezes. O último single, Eu Me Garanto, foi lançado em 2014. Jota Wagner (guitarra e vocal), Gustavo Almeida (bateria), Fernanda Offner (baixo e vocal) e Eduardo Wich (guitarra e vocal) pareciam não se importar muito com o público ainda pequeno e fizeram um show animado.
Em seguida, foi a vez dos maranhenses da Royal Dogs mostrarem toda a produção de algo que aparenta a pretensão de alcançar degraus mais altos do que festivais independentes de música. Com o disco Tattoo You lançado pela organizadora do Noise, a Monstro Discos, o quarteto, agora com uma mulher no vocal, ocupou o palco 1 às 19h50, quando o público começava a chegar, mas ainda não tinha muita gente.
Tirando a introdução Violent Flames, com um som eletrônico muito longo, com mais de dois minutos, na entrada da banda no palco, e os intervalos de músicas com introduções desnecessárias, o grupo mostrou uma boa mistura de rock básico com o lado mais comercial do post-hardcore. Cada um com seu visual muito bem definido.
A vocalista Laila Razzo tem boa presença de palco e tem um apelo visual que dá certo com adolescentes e garotos mais novos. Tanto que as duas garotas que estavam atrás de mim durante o show compraram o CD da banda e foram pedir autógrafo para Laila depois da apresentação.
Meia arrastão, shortinho, camisa rasgada, sutiã vermelho e cabelo verde. Alguns comentaram que era a versão Monstro Discos do Paramore. Além de Laila, Felipe Hyily, Mauro Sampaio e André Júnior fazem parte da formação atual da Royal Dogs. Sobre o som, apesar de bem feito, ao vivo dá a impressão de que muita coisa ali já está gravada e só deram um play para fortalecer um som que, olhando os músicos tocarem, não condiz com o peso do que vem das caixas para o público.
Se o alvo da banda for mesmo os adolescentes, a coisa pode dar muito certo com os visuais que lembram um certo Joe Ramone de terno no baixo, uma espécie de Axl Rose meio Avenged Sevenfold na guitarra e um baterista que usava metrônomo no fone de ouvido para marcar o tempo, além das bases já prontas que davam uma ideia de um som mais poderoso do que o que vinha dos músicos. Boa sorte!

Depois foi fa vez de Panda (vocal), Bombeck (guitarra), Juninho (baixo), Matricardi (bateria) e Daimon (DJ) assumirem os trabalhos no palco 2 às 20h20. Com o single /quem? disponível desde maio em plataformas de música, a banda paulista La Raza mostrou um som que mistura rap-rock, new metal, hardcore e funk, com inspiração em bandas como Red Hot Chili Peppers, Rage Against The Machine e que cai naquele universo que vai de Charlie Brown Jr. a Limp Bizkit que fez muito sucesso no meio comercial entre o final dos anos 1990 e o início dos 2000.
Com roupas da marca Dickies como se fossem uniformes — inclusive com uma bandeira da marca na mesa do DJ –, o La Raza mostrou empolgação, orgulho por tocar no Noise e muita energia no palco. No meio do show um cover de Bulls On Parade, do Rage Against The Machine, e um discurso de insatisfação com “a situação atual do Brasil”.
Pancadaria punk
Representante do hardcore carioca desde 1989, a Serial Killer mostrou toda sua agressividade e vocais velozes a partir das 20h50 no palco 1 do Goiânia Noise. João (baixo), Álvaro (vocal), Bolinha (guitarra) e Marcelinho (bateria) tocaram hinos punks como a música Seus Amigos. Não Se Cale, Armas S.A. e Poder Paralelo não foram suficientes para tirar um público cansado de outros dois dias de festival de seu lugar e mostrar mais empolgação.
Às 21h15 foi a vez dos Velhas Virgens goianos, a banda Woolloongabbas, comandada por Jordão Vilela (vocal) e Éder Alexandre (guitarra e vocal), falou de bebida, vomitar na casa do amigo e deu um recado irônico para a plateia: “Você trabalha na segunda às 8 horas. Chegue às 8h30 e mande o seu chefe tomar no cu. Pode falar que foi o Woollongabbas que mandou”.
Até uma garrafa pequena de Domus foi jogada para a plateia, ainda pequena, para acompanhar a banda na bebedeira.

Aí vieram as lágrimas chorosas do Dance Of Days, uma das bandas mais antigas do hardcore melódico em atividade no Brasil. Participantes da 3ª edição do Goiânia Noise, quando ainda cantavam em inglês, o grupo paulistano liderado pelo vocalista Nenê Altro alternou músicas mais recentes com clássicos da banda, como Com Você Não Vou Ter Medo, Se Essas Paredes Falassem, Adeus Sofia, Nos Olhos de Guernica, A Valsa das Águas Vivas, Interlúdio Para Um Bar de Beira de Estrada Por 33 Fora do Mapa, Vai Ver É Assim Mesmo, A Vitória ou Coisa Que o Valha e Insônia.
Nenê Altro lembrou que em 1997 a banda veio de Kombi para Goiânia e que foi aquele trabalho de acreditar que mandar uma carta com uma fita ou um disco para uma pessoa em outro Estado que valeu tanto a pena e daria frutos como a longevidade de uma cena e um festival com 22 anos como o Noise.
Mais punk
De Guará, cidade satélite de Brasília, veio a banda que tocou no palco 2 às 22h15 de domingo. Os Cabeloduro foram formados em 1989 e agora são artistas da Monstro Discos. Com início do show que remete à aquele ano, eles mandaram “todos os constituintes se foder”. Em seguida, veio mais um discurso: “Primeiramente Fora, Temer”.
A Gente Só Se Fode, Skate Or Die, Ignorar É Fácil e Se Meu Fígado Falasse foram algumas das músicas que Os Cabeloduro tocaram no Noise, enquanto diziam que “o Brasil está doente” e pediram “respeito ao próximo, seja ele o que for”. Mesmo assim, não foi dessa vez que as rodas punks apareceram no meio do público. E teve recado também para os eleitores do deputado federal Jair Bolsonaro PSC-RJ): “Quem gosta do Bolsonaro é um otário”.
Outra banda da Monstro Discos a tocar no domingo, já às 22h50, foi o trio The Galo Power, formado por Evandro Galo (bateria e vocal), Bruno Galo (guitarra e vocal) e Rodolpho Gomes (baixo e vocal). O grupo mostrou músicas de seus dois discos, inclusive o recém-lançado Waterland. A banda contou já com a presença de um público maior do que as anteriores.

Solta o funk
Feliz por estar no Goiânia Noise no mesmo dia em que o percussionista Eric Bobo, do Cypress Hill, uma das lendas vivas do hip hop, se apresentou no palco Casa de Música, Bernardo, ou melhor, BNegão, comandou a festa funk no palco 2 com Os Seletores de Frequência a partir das 23h30.
“Os tambores anunciam, pedem passagem.” Os primeiros versos de No Momento (100%) deram início à pista de dança funk, hip hop, rap, hardcore e de música pra lá de suingada. Em seguida veio a forte e marcante (Funk) Até o Caroço. Mundo Tela deu continuidade à boa vibração do show de BNegão e os Seletores, que emendaram Subconsciente antes de prestarem homenagem a Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, que participou da música Dorobô.
BNegão e os Seletores exploraram bem os três discos da banda: Transmutação (2015), Sintoniza Lá (2013) e Enxugando Gelo (2003). Ao cantar Giratória (Sua Direção), BNegão dedicou os versos “Desde que você engatinha/Quem foi que tentou te enganar/Teleguiando comando, vontade/A sua direção, como se fosse opção/Como um ratinho mimoso na gaiola giratória, você/Faz esse mundo girar” aos estudantes secundaristas de Goiás que, segundo o carioca, enfrentaram dois coronéis da política goiana.

O próximo protesto foi contra o governo do presidente interino Michel Temer (PMDB). No meio da melodia tocada pelos Seletores, BNegão puxava o grito da plateia, que se dividiu, com pouco mais da metade acompanhando: “Quando eu disser ‘fora’, vocês dizem ‘Temer’. Fora, Temer. Fora, Temer”.
Essa É Pra Tocar No Baile é o tipo de música que pega qualquer um de surpresa. Se você estava ignorando o show do BNegão até ali, com certeza se jogou na dança quando Paulão e BNegão puxaram Essa É Pra Tocar No Baile. Para encerrar, as três clássicas do primeiro disco: Enxugando Gelo, Qual É o seu Nome? e A Verdadeira Dança do Patinho. Ele, que esteve aqui em maio com o Planet Hemp, já pode até se mudar para Goiânia que ninguém vai reclamar.
Puta que pariu, Goiânia!
Como o próprio vocalista Jimmy London disse durante o show do Matanza, já na madrugada de segunda-feira (8), há 20 anos a banda se apresenta com certa frequência em Goiânia e mesmo assim o público ainda vai para ver ao vivo esses “mongoloides”. Os tais mongoloides incluem Marco Donida (guitarrista), responsável pela maioria das letras do grupo, e que voltou para o conjunto carioca de country misturado com hardcore após um tempo fora, Dony Escobar (baixo), Jonas Cáffaro (bateria) e Maurício Nogueira, que tinha substituído Donida na guitarra e continuou na banda.
Era 0h42 de segunda quando parte dos 2 mil presentes que ficaram até tarde para ver o Matanza ao vivo ouviram Matadouro 18, do mais recente disco Pior Cenário Possível (2015). Na sequência vieram músicas mais antigas: Eu Não Bebo Mais, A Arte do Insulto, Bom É Quando Faz Mal, Meio Psicopata, Taberneira, Traga o Gim, Clube dos Canalhas, Todo Ódio da Vingança de Jack Buffalo Head, Eu Não Gosto de Ninguém, Tempo Ruim, Odiosa Natureza Humana, Ressaca Sem Fim, Maldito Hippie Sujo e Remédios Demais.
A sequência foi quebrada com a mais nova O Que Está Feito, Está Feito. Em seguida veio a clássica Pé Na Porta e Soco na Cara e depois Pandemonium, Rio de Whisky, Mesa de Bar e Tombstone City.
BNegão foi convidado ao palco para cantar junto com Jimmy a música Ela Roubou Meu Caminhão, que foi seguida pelo vocal dos dois em Interceptor V6. Estamos Todos Bêbados foi puxada por Donida na guitarra e teve o refrão cantado pelos fãs. Aí veio o último refrão de Interceptor V6. Isso às 2 horas de segunda e o Goiânia Noise deixou um saldo curto de sono para os que, daqueles 2 mil presentes, trabalharam cedo hoje.
Mas uma amiga, fã dos primeiros discos do Matanza, sentiu falta de o show ser encerrado com O Último Bar. Seria mesmo o perfeito retrato do desastre da ressaca na segunda cedo se a apresentação fosse finalizada com os versos “O último bar quando fecha de manhã/Só me lembra que não tenho aonde ir“. Não. Chega! Pelo menos por hoje.