Além do papo com Tulipa Ruiz, o Jornal Opção conversou com Baleia. Ambas atrações do Vaca 2015

“Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas” – Manoel de Barros

Yago Rodrigues Alvim

Já tinha dedicado suas canções a namorados ou paixonites breves feito espirro –– um susto. Tinha também secado lágrimas ou se encharcado mais ainda, entremeado soluços. Foi assim até descobrir outras letras corriqueiras, até gostar mais da gostosura esbranquiçada das coisas corriqueiras –– não deixando nunca “Sushi”, “Do amor”, nada disso. Até provou de “Víbora” e doutras canções de Tulipa, a moça que viu umas duas vezes, nem que fosse para uma palinha a cappella. Entendeu, enfim, outras delícias dos três álbuns daquela que já era uma de suas mulheres favoritas da nova MPB. Foi com tal zelo que emendou perguntas ao telefone, ouvindo de cá, o barulho do carro, que levava Tulipa sabe-se lá para onde; talvez para cá, em Goiânia, onde ela cantaria suas canções. Parte dum festival que já assopra velinhas de 14ª edição, o show era o principal duma das noites do Vaca Amarela. Ali, um de circuitos favoritos de música, como ela conta. Tulipa conta de muitas coisas. De seus discos, de seu “eu lírico”, de seu irmão, Gustavo Ruiz, de Barros, conta até de seus desenhos.

Desde 2010, quando lançou “Efêmera”, acompanho seu trabalho. Mais solar, o terceiro trabalho, “Dancê”, como você diz, é “um disco para se ouvir com o corpo. Para se deixar levar”. Como tem sido seu caminho e como é o novo disco?
Eu acabei de lançar “Dancê”, o terceiro disco e é a primeira vez que vamos a Goiânia com este trabalho e estou muito feliz. Desde quando lancei “Efêmera”, eu não parei de viajar com a banda, o que tem sido muito legal. Do último álbum, nós temos recebido um retorno do público muito bacana. As pessoas estão muito interessadas pelo disco. Nos shows, o pessoal tem dançado muito.

Pensando em imagens, o “Efêmera” é um disco muito pontual, específico em relação às coisas cotidianas. A própria música “Pontual” fala de uma pessoa que é atrasada. O “Tudo Tanto” é de um plano um pouquinho mais aberto. O “Dancê” é mais aberto ainda. É como se o “Efêmera” fosse um plano detalhe, “Tudo Tanto” um plano americano e o “Dancê” um plano geral. O terceiro disco é um desdobramento de tudo que tem acontecido desde o primeiro show do “Efêmera”. É uma consequência do trabalho em equipe, do trabalho da banda na estrada.

Você comentou sobre a equipe. Eu gostaria de perguntar da sua parceria com Gustavo Ruiz, seu irmão, que me parece mais forte no último álbum. Como foi este trabalho, dividindo composições, além da produção?
Realmente se tornou mais forte, pois nos tornamos parceiros na autoria da maioria das músicas. Nós funcionamos bem, temos um jeito prático de trabalharmos juntos. Quando nos encontramos para fazer música, nós rendemos. E nós nos propomos, para o último disco, uma coisa que não tinha rolado ainda. Nós viajamos e ficamos reclusos em um retiro, só pensando em música e no disco. Isso fez com que a nossa parceria aumentasse na hora das composições. Foi por conta disto, de uma imersão muito grande.

Rodrigo Oliba
“Eu adoro tocar em festivais e é justamente por ser um público que não é necessariamente o seu; é uma conquista”, diz Tulipa | Foto: Rodrigo Oliba

A canção “Desinibida”, do primeiro álbum, tem alguns trechos que dizem “Gosta de ter o dia livre/Tudo que pinta satisfaz/Um jeito tão extrovertido/Seus argumentos são demais” e, em um vídeo, você conta que é sobre “uma mulher muito livre e solta e inteira”. “Desinibida” é sobre você? E como nascem suas composições?
Nas minhas músicas, o meu “eu lírico” sempre põe um pouco de mim e mais 40 mil pedaços de outras pessoas. O meu “eu lírico” é sempre híbrido. Meu processo criativo varia muito. Às vezes, pode vir uma melodia, noutra uma letra, primeiro. Às vezes até, eu começo a fazer algo no violão e o Gustavo me mostra uma harmonia. Varia bastante. No “Dancê”, eu experimentei muitos formatos de composição, muitos jeitos de compor inclusive com o Gustavo. Ele fez bastante letra, que era uma coisa menor nos outros discos; eu optei bastante nos arranjos. Não tem uma sequência específica, um formato específico do processo criativo. Eu costumo até falar que “o processo criativo está sempre em processo”.

Quais são as suas referências musicais e até na literatura?
Eu gosto muito da compositora e coreógrafa Meredith Monk, da Yoko Ono e do escritor Manoel de Barros.

A ilustração também é um meio de expressão e reflexão artístico, só que em silêncio. Seus trabalhos, tanto musicais, quanto ilustrativos, são muito solares. Como é se expressar por meio dos desenhos?
Para mim, é bem parecido com a música, até mesmo o processo criativo, as inspirações. Eu comecei a ficar com vontade de desenhar, a curtir desenho vendo capa de disco. Então, é muito misturado. O desenho e a música ainda estão muito juntos, muito cotidiano em mim.

Você se apresenta pelo Vaca Amarela, um festival de música independente que chega a sua 14ª edição, e já veio a Goiânia em outras ocasiões. Numa delas, só cantou um trechinho a capela de “Efêmera”, por conta de uma chuva imprevista; em outra, fez um show maravilhoso na Universidade Federal de Goiás (UFG). Qual a importância de festivais como o Vaca para a cena independente?
Eu adoro tocar em festivais. Circuitos que eu mais gosto de fazer são os de festivais. E é justamente por ser um público que não é necessariamente o seu; é uma conquista. O formato “festival” é um trabalho muito sério e interessante para formar plateia. Eu gosto por conta da diversidade. Alguém que vai ver um show específico pode conhecer novas bandas. Eu gosto também pela troca que existe entre os artistas. Nós nos encontramos tão poucos em outros lugares e, às vezes, os festivais são a oportunidade que temos de trocar figurinha com nossos pares.