Trilhos e Quintais, de Carmen L. Oliveira, mergulha na história do país e no cotidiano do Oeste mineiro

Mariza Santana

Os moradores da fictícia cidade de Cupim, localizada no Oeste mineiro, vivenciam acontecimentos que tiveram reflexos importantes na vida do País: a Queda da Bolsa de Valores de 1929; a Revolução de 1930, resultado do movimento Tenentista que levou o gaúcho Getúlio Vargas ao poder, quebrando a hegemonia da chamada política do café com leite (representantes de Minas Gerais e São Paulo se revezavam na cadeira de presidente da República); e depois a Revolução Constitucionalista de 1932, uma guerra civil que opôs o governo federal e os paulistas.

A pacata vida de cidade do interior e o destino de muitos de seus moradores mudaram para sempre, após essas revoluções políticas que dariam nova configuração ao Brasil e à política nacional. Com esses ingredientes históricos e muitos personagens marcantes, a escritora carioca Carmen L. Oliveira construiu uma história atraente no livro “Trilhos e Quintais” (Rocco, 212 páginas), principalmente para quem nasceu ou já morou no interior do País.

A narrativa é segmentada, apresentada sob o ponto de vista de vários protagonistas: o patriarca Cassiano, que tem aspirações políticas; a jovem professora Eugênia, apelidada de Pintarroxa, com seus ideais feministas e libertários; a menina Áurea e seus sonhos infantis; o cantor Dimas; a vó Madrinha que adotou a neta apelidada de Curicaca, entre outros. Todos envolvidos, de uma forma ou outra, nos fatos que trouxeram novos ares políticos que sopravam no Brasil naquela época.

Em Cupim havia o enfrentamento entre os Cobras, representantes da antiga ordem oligárquica, e os Gatos, apoiadores da Revolução de 30, que culminava em confrontos e  mortes. As novidades chegavam até a cidade do Oeste mineiro por meio dos trilhos do trem de ferro. Nos quintais das casas transcorria parte da vida doméstica, com seus frutos sendo transformados em deliciosas compotas de doce; e as hortaliças indo direto para as panelas onde faziam parte das refeições das famílias, a maioria com grande prole, além dos inúmeros agregados.

As relações familiares, os amores e traições são relatados por meio de uma linguagem bem brasileira, que reflete o modo de falar do interior mineiro, nas suas peculiaridades e linguajar diferenciado. Carmen L. Oliveira localiza bem Cupim ao citar algumas cidades da região, como Araxá e Uberaba. Mas me chamou a atenção ter sido citada inclusive minha cidade natal, Tupaciguara. Ao relatar as batalhas entre mineiros e paulistas durante a Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo se insurgiu contra o regime de Vargas, a escritora paulista cita o avanço do comandante paulista sobre o Triângulo Mineiro, especificamente Uberaba, que estava prestes a cair diante das forças inimigas. “Mas logo chegaram reforços: tropas de Ituiutaba e Tupaciguara, com metralhadoras, praças do 5º Batalhão liberado após a queda do 12º Regimento de Infantaria em Belo Horizonte; e contingentes civis.”

“Trilhos e Quintais” é uma delícia de se ler e uma verdadeira viagem pela história brasileira. Por meio de seus personagens, que ganham alma, alegrias e sofrimentos, o leitor vai acompanhando como os acontecimentos políticos influenciaram na vida pacata das famílias. E mais do que isso, vão desfazendo e recriando laços, provocando ganhos e perdas, em um dinamismo que se diferencia do pacato jeito de viver das cidades do interior, principalmente na década de 1930.

Carmen L. Oliveira é pós-graduada em Literatura pela University of Notre Dame, de Indiana, Estados Unidos. Escreveu artigos para os jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo” e para a revista “Bravo!” O livro “Trilhas e Quintais” é seu primeiro romance, publicado em 1988. Outra obra de sua autoria, “Flores Raras e Banalíssimas”, relata o romance da poeta norte-americana Elizabeth Bishop e a arquiteta e urbanista brasileira Lota de Macedo Soares, e  inspirou o filme “Flores Raras”, do diretor Bruno Barreto, lançado em 2013.

Mariza Santana é crítica literária. Email: [email protected]