Tradução inédita de Aleksandr Ieriomenko, ‘Rei dos Poetas’, de estilo ‘jocosamente envenenado’
15 dezembro 2024 às 00h00
COMPARTILHAR
Astier Basílio
Em 1918, em Moscou houve a eleição do Rei dos Poetas. Coube o título de vencedor a Igor Sievieriânin (1887-1941) que na ocasião desbancou ninguém menos que Vladimir Maiakóvski (1893-1930). A última vez que se reuniram com a mesma finalidade, na capital russa, foi em 1982. O vencedor foi o poeta Aleksandr Ieriomenko.
Nasceu em 1950, no vilarejo rural de Gonoshikha, localizado no Krai de Altai, vindo a concluir os estudos na cidade de Zarinsk, na mesma região administrativa. Serviu na Marinha, trabalhou na construção civil, no Extremo Oriente Russo, entre a Sibéria e o oceano Pacífico, atuando como foguista e marinheiro.
Passou a viver em Moscou nos anos 1970, onde ingressou no Instituto de Literatura Maksim Gorki. Sob a orientação e liderança do professor e poeta Konstantin Kedrov (1942), ao lado de Ivan Jdánov (1948) e Aleksiéi Parshkov (1954-2009) fundaram o grupo “metarrealismo”, que vigorou até os anos 1990. Em 2002, Aleksandr Ieriomenko foi vencedor do prêmio Boris Pasternak. Morreu em 21 de julho de 2020, vítima de câncer
No verbete que lhe foi dedicado pelo poeta Ievguêni Ievtuchenko em sua monumental antologia “Strofy veka”, publicada em 1999, temos: “(…) seu nome acabou no centro das discussões literárias ainda na metade da década de 1980. Dono de um estilo cético, jocosamente envenenado (…)”.
É traduzido pela primeira vez no idioma português.
*
Eu sou um monumento a mim…
Eu sou tão bom, sou tão ótimo, belo
e sábio como uma cobra rainha
Eu atirei uma mulher para o céu
e esta mulher acabou sendo minha
Quando levo na mão um “Massandra”
e no restaurante vão dando passagem
todo bêbado fica igual quem salta
e o acanhado a uma ovelha selvagem
As minhas costas cutucam uns mil
e um sussurro vai voando e se adensa:
no céu ele uma mulher sacudiu
e a mulher lá no céu está suspensa…
Não me acanho e devo admitir:
entro e todos já ficam de pé
se escorregam num abraço e a seguir
me dão beijos e dão dinheiro até.
Ficam todos felizes é que o álcool
um pouquinho os ânimos altera,
quando eu fico lendo lá no palco
as reportagens que escrevi na guerra.
Sem querer eu já sei que promovo
no futuro uma grande porfia
vão lembrar-se de mim entre o povo
e discutir como que eu me vestia
Ágil, barbeado, hábil no registro,
pus os meus nervos num mesmo setor,
eu poderia ter sido ministro,
dar comando a navio cruzador.
Alguns exemplos eu vos enumero:
faço aborto sem ser cirurgião
sei de cor alguns versos de Homero
por duas vezes pousei avião
Numa coisa sou falho e a vocês
muito rápido a respeito eu resumo:
ao cosmo eu não fui nenhuma vez
e por esta razão é que eu fumo…
Eu queria, é claro, eternamente
ter trabalho e um viver que me inspira
seria glória pra vãos descendentes
a destroçar detector de mentiras.
Que saindo do cotidiano seu
vocês ousem com o lema que eu tinha:
eu atirei uma mulher para o céu
e esta mulher acabou sendo minha!
—
Astier Basílio é jornalista, crítico literário, escritor e tradutor. Doutorando em literatura russa, no Instituto Górki, de Moscou. É colaborador do Jornal Opção.