Carlos Willian Leite

Décimo sexto livro (16º) lido em 2024: “Últimos Contos” (Todavia, 320 páginas, tradução de Rubens Figueiredo), do russo Anton Tchékhov.

O contista, dramaturgo e médico Anton Tchékhov (1860-1904 — viveu 44 anos) divide, com o francês Guy de Maupassant, o posto de maior contista que já existiu. O livro — uma seleção de seus últimos textos — reúne 14 contos escritos entre 1898 e 1903, oito meses antes de sua morte.

Os personagens de Tchékhov são memoráveis e tangíveis não apenas por sua habilidade em capturar a complexidade das relações humanas e os dilemas internos, mas também pela forma como são posicionados em contextos que refletem as tensões e transformações de seu tempo.

O autor, que como nenhum outro pintou um quadro detalhado da sociedade russa da segunda metade do século 19, viveu após a abolição da servidão, quando o país enfrentava a difícil transição para a modernidade, confrontando-se com a resistência de estruturas sociais obsoletas. A vasta disparidade entre a elite culta e a população predominantemente rural, além da tensão entre tradição e progresso, riqueza e pobreza, educação e ignorância, moldavam a vida russa, criando um cenário complexo e multifacetado. Esta Rússia, repleta de contradições, foi o pano de fundo das narrativas de Tchékhov, que explorou conflitos e aspirações humanas com uma perspectiva crítica e psicológica, mas sobretudo empática.

A Dama do Cachorrinho e A Noiva

Contos como “A Dama do Cachorrinho” (também traduzido, com mestria, por Boris Schnaiderman) e “A Noiva”, presentes nesta antologia, fazem parte de um seleto cânone do que se produziu de melhor na história da literatura. A linguagem impecavelmente clara, a perspicácia psicológica e a abordagem sutil dos eventos cotidianos ressoam como um sussurro, um leve toque, um murmúrio, mas, ao mesmo tempo, são tão impactantes que são capazes de nos transportar para dentro das histórias.

Tem um ditado russo que diz: “Se você conhece toda a história da Rússia, mas não leu a obra completa de Tchékhov, você não conhece a história da Rússia”.

Nota: 10

Carlos Willian Leite, editor da “Revista Bula”, é poeta, jornalista e crítico literário.