Tem certeza que Greta Van Fleet é a salvação do rock?
13 janeiro 2019 às 00h00
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Mercado da música e parte da crítica buscam, vez ou outra, um representante musical, seja uma banda ou artista, que possa resgatar de alguma forma o sucesso do estilo
Presidente da Lava Records, Jason Flom fez questão de assinar pessoalmente o contrato da banda da cidade de Frankenmuth, no Michigan, Estados Unidos, e deixou claro o plano que tinha para o Greta Van Fleet, quarteto formado pelos irmãos Josh Kiszka (vocal), Sam Kiszka (baixo e teclado), Jake Kiszka (guitarra) e o amigo Daniel Wagner (bateria): “Greta Van Fleet é o futuro do rock’n’roll de verdade”. Tudo isso quando o grupo lançou seu dito primeiro single oficial, “Highway Tune“, em 30 de março de 2017.
O passado da banda, entre 2012 e 2016, incluindo as primeiras gravações e a rotina do quarteto que fazia shows covers em bares de canções de artistas como Led Zeppelin, uma das principais influências – inclusive acusada pela imprensa e público de tentativa de cópia sem o mesmo talento -, parece ter sido apagado propositalmente. Resta saber se por vontade dos integrantes ou da gravadora.
Bastou o EP “Black Smoke Rising” ser lançado no final de abril de 2017 e a Greta Van Fleet se tornou, no mesmo dia, o novo artista da semana da Apple Music. O lançamento exclusivo combinado com o site de música Loudwire rendeu depois, em outubro do mesmo ano, o prêmio Loudwire Music Awards de melhor artista novo do ano. Coincidências mercadológicas ou não, um mês depois a Lava Records disponibilizou o EP “From The Fires“, que traz as quatro músicas do primeiro registro ao lado de outras quatro novas canções.
Ao mesmo tempo em que a voz de Josh atraiu a atenção dos fãs do hard rock e de adolescentes, a banda começou a ser vendida pelo empresário Aaron Frank como a salvação do rock. Bastou o lançamento do primeiro disco, “Anthem of The Peaceful Army“, no dia 19 de outubro de 2018, e o grupo seguiu como a atração a marcar presença em grande parte dos festivais em todo o mundo. No Brasil, o quarteto tem data marcada para se apresentar: o domingo 7 de abril, terceiro dia da versão brasileira do Lollapalooza.
Aposta do mercado que até aqui deu certo, a Greta Van Fleet foi indicada a quatro categorias do Grammy no final de 2018: melhor novo artista, melhor disco de rock – “From The Fires” -, melhor performance de rock – “Highway Tune” – e melhor canção de rock – “Black Smoke Rising”. Neste ano saberemos se a mais nova jogada de Jason Flom ganhará algum dos prêmios. O fato é que chegarão ao Brasil em abril como uma das grandes atrações entre os nomes intermediários escalados para o festival no domingo, abaixo, é claro, da dupla Twenty One Pilots e do rapper Kendrick Lamar, mas talvez com mais brilho do que o indie depressivo do Interpol.
Para ver o quarteto de Frankenmuth no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, o preço do ingresso não é dos mais atrativos: varia de R$ 360 a meia com desconto para clientes Bradesco e next até R$ 800 a inteira. Há a informação de que a banda confirmará shows separados na capital paulista e no Rio de Janeiro em datas próximas ao Lolapalloza Brasil.
Vale o ingresso?
Se a banda é digna de um grande festival brasileiro e com tanta atenção dedicada a ela, só ao vivo para saber. Além do trabalho forte de Jason Flom, Aaron Frank e da agência William Morris Endeavor (WME) para colocar a Greta Van Fleet em posições de destaque, inclusive o Grammy Awards, o som no estúdio foi muito bem trabalhado. Os vídeos disponíveis de participações em grandes festivais não me convenceram de que a banda tenha qualidade além de uma grande produção e grana envolvida.
O time de peso Marlon Young, Al Sutton e Herschel Boone, que inclui trabalho com artistas como Kid Rock, escalado para produzir o primeiro disco da Greta Van Fleet justifica o investimento feito nos garotos de Michigan. Mas resposta mesmo só teremos no palco. Pelo vídeo ao vivo de “Lover, Leaver (Taker, Believer)”, como setentistas 26 minutos e 34 segundos, ao menos uma boa captação, mixagem e masterização de som a equipe que acompanha o quarteto sabe fazer.
A influência do Led Zeppelin, por mais que seja negada como crucial pelos integrantes, está presente em quase todas as músicas da banda. Não quer dizer que seja a única, mas é a primeira e mais fácil de ser percebida por quem ouve o som do quarteto. Sobre a discussão da tentativa de se copiar o som da banda de Jimmy Page, John Bonham, John Paul Jones e Robert Plant, desde que existe música no mundo isso acontece. Não é algo louvável, mas a gravação em série de grupos que lembram ou jogam suas referências sem perceber em um som sem identidade própria acontece todo dia. O próprio Led Zeppelin que o diga!
É possível que o som da Greta Van Fleet amadureça e tenha cada vez mais cara própria? Talvez. Até porque são garotos de 19 (Sam e Daniel) e 22 anos (Josh e Jake). Mas dizer que são a salvação ou o futuro do rock de verdade, além de uma estratégia de vender a banda para o mercado e o público, só engana quem aceita tal discurso por comodismo ou espera ligar a TV domingo a tarde e ver o estilo musical brilhar como protagonista entre as atrações do Faustão ou do Caldeirão do Huck. Ajuda, Luciano!
“From The Fires” versus “Anthem of The Peaceful Army”
Não acredito que a banda seja tudo o que dizem. E o problema não está em se parecer demais ou não com determinada lenda e dar a ideia de que seria uma versão piorada do Led Zeppelin, mas sim por vender algo que não consegue entregar nos registros de estúdio: gravações que não percam a graça muito antes de chegarem ao final da última canção. Greta Van Fleet é uma banda cansativa, mas que serve como um bom entretenimento se não for levada muito a sério.
A tentativa de soar rompedora da descrita monotonia ou falta de rock no topo do mercado da música é tão boba quanto irrelevante. Querer se validar do argumento de que o estilo estaria ou não morto é outro pesadelo que só aprisiona e assusta aqueles que ainda acreditam em Papai Noel, Mula Sem Cabeça, Nova Era e Saci Pererê.
Talvez seus ouvidos já estejam familiarizados com a Greta Van Fleet se você escuta música em algum dos vários serviços de streaming e não percebeu que a playlist do seu artista preferido te levou a escutar algo que a Lava e a Republic Records pagaram para que surja antes de outras faixas do estilo disponíveis nas plataformas graças à lógica dos algoritmos e como o mercado os altera. Por estar acostumado ao estilo, pode até ser que o quarteto tenha soado agradável, mas você nem se lembra.
Ainda assim, o EP “From The Fires”, com toda cara de Led Zeppelin, é melhor do que o disco “Anthem of The Peaceful Army”, que chega a ter boas faixas, mas se perde quando tenta ficar pop demais e dá vontade de ir à cozinha fazer um café, assistir TV ou ler um livro, qualquer coisa menos continuar ouvindo. O momento crítico é quando chega à sexta faixa, “You’re The One”, que te faz pensar em como as bandas Nickelback e Creed conseguiram fazer tanto sucesso… ou na volta dos Backstreet Boys.
A até interessante “Age of Man”, que abre o disco, é rapidamente esquecida quando você se depara com “The New Day”. Mesmo na gravação ficam perceptíveis as desafinadas e derrapadas do vocalista Josh Kiszka e o quanto a indústria musical abusa das artimanhas no estúdio para disfarçar o que não fica legal sem um boa edição. “Mountain Of The Sun” e “Anthem” fazem você lembrar que as canções “Highway Tune”, “Safari Song” e “Black Smoke Rising”, do EP, eram bem mais promissoras.
Aliás, o primeiro riff de “Anthem” vai fazer muita gente cantarolar o refrão de “Give A Little Bit”, do Supertramp. “Brave New World”, que não é a do Iron Maiden, e a versão estendida de “Lover, Leaver” com “Lover, Leaver (Taker, Believer)” salvam o disco “Anthem of The Peaceful Army” de um final pop melancólico anunciado a partir de sua metade. O grande problema da Greta Van Fleet não é se suas músicas parecem ou não cópia do Led Zeppelin, mas sim que a banda é ruim. É o mesmo que colocar açúcar no café. Você não gosta da bebida, mas quando adoça ela até desce. E a graça da Greta Van Fleet não está na sua produção musical, mas como ela é apresentada ao mundo: “a salvadora do rock”.