Star Wars, uma outra Nova Esperança
24 dezembro 2015 às 11h59

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Ao retomar os temas antigos da saga, sétimo filme mostra ao público uma história nietzschiana e deixa uma boa expectativa para o próximo episódio

Ademir Luiz
Especial para o Jornal Opção
Há muito tempo, em um cinema distante, mais precisamente no dia 25 de maio de 1977, quando estreou o primeiro episódio da saga Star Wars, o título do filme era simplesmente esse “Star Wars”; apenas em 1980, após o lançamento da continuação, “Episódio V: O Império Contra-Ataca”, foi rebatizado como “Episódio IV: Uma Nova Esperança”. Desde então, a marca Star Wars passou a representar o conjunto de filmes, desenhos, livros, quadrinhos, jogos, séries e brinquedos derivados da primeira obra. Incluindo a desastrosa trilogia prólogo, que tirou a esperança de muitos fãs da saga.
Mas como a esperança é a última que morre, ela ressurgiu com o novo filme: “Episódio VII – O Despertar da Força”, sob a tutela dos estúdios Disney. As previsões se confirmaram: retirando George Lucas da equação o resultado tende sempre a ser positivo. Lucas, inegavelmente um grande produtor e vanguardista tecnológico, perdeu o talento artístico no final da década de 1970 e nunca mais o recuperou. Mickey Mouse e sua turma fizeram melhor.
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Porém, é sempre bom ter em mente que esperança não é realidade, mas a expectativa de que uma realidade positiva se concretize. A crítica, de modo geral, mostrou-se entusiasmada. Muitos qualificaram o Episódio VII como obra-prima de nascença. Sou um pouco mais cauteloso. Podemos estar testemunhando o começo de uma boa terceira trilogia? Quero crer que sim. “O Despertar da Força” é divertido, movimentado, repleto de boas ideias e novos personagens interessantes, mas está longe de ser impecável como “O Império Contra-Ataca”. É, sobretudo, promissor.
A principal característica do filme é ser referencial. Isso tanto por ser interpretado de modo positivo quanto negativo. Depende do humor do momento. Mas o que significa isso? Pode ser resumido da seguinte forma: Episódio VII é quase uma refilmagem do Episódio IV, com alguns elementos do Episódio V. Vamos aos fatos: temos um dróide perdido contendo informações vitais sendo procurado pelos vilões; uma protagonista de passado obscuro que sai de sua existência monótona para viver grandes aventuras de alto-descoberta; um mocinho sendo torturado por bandido vestido de negro; a ação começa em um planeta desértico e termina numa estação espacial; há um confronto entre pai e filho numa ponte; o vilão maior só aparece em holograma; planetas que são completamente destruídos; uma imensa estação espacial que precisa ser detida antes que esteja pronta para disparar sua rajada fatal; um cavaleiro Jedi eremita precisa ser encontrado e segue por aí.
É preciso reconhecer que apenas os mal-humorados vão interpretar essas filiações como falta de imaginação. Creio que tanto funcionam como rimas narrativas, em seu aspecto artístico, quanto como o rearranjar da saga de modo a apresentá-la para uma nova geração a partir de suas premissas básicas, em seu aspecto comercial.
Mas prefiro uma terceira possibilidade: a história dessa galáxia distante é nietzschiana. Ela se estrutura a partir da noção filosófica do Eterno Retorno. Ou seja: os elementos e fatos passíveis de acontecerem, bem como suas combinações, são finitos. Portanto, a história tende a se repetir ao longo das eras, de modo inapelável. Essa visão de um futuro cíclico teria ajudado a enlouquecer o bigodudo Nietzsche. No caso de Star Wars não é para tanto. Afinal, o “Episódio VI: O Retorno do Jedi” já era quase uma refilmagem do Episódio IV. No mínimo podemos considerar que revisitar temas é uma tradição da saga.
Quais os pontos fortes do “Despertar da Força”? Para começar, a direção de J.J. Abrams é bastante competente, mostrando ser uma boa escolha para esse reinício. Rey, a protagonista interpretada pela jovem atriz inglesa Daisy Ridley, revela-se muito carismática. John Boyega, o intérprete do stormtrooper renegado Finn, também está bem, mas num degrau abaixo de Daisy. O piloto Poe Dameron, vivido por Oscar Isaac, também é ótimo e tem potencial para ser o Han Solo dessa trilogia. Por falar no bom e velho Capitão Solo, Harrison Ford rouba a cena como só uma mega-estrela sabe fazer.
A direção de arte é impecável. A fotografia é belíssima e épica. Vários planos parecem quadros prontos para serem emoldurados. O maestro John Willians teve o bom senso de não querer reinventar a roda que ele mesmo inventou na década de 1970 e entregou uma trilha sonora empolgante e reverente aos temas clássicos. O dróide BB-8 nasceu icônico, fazendo o que parecia impossível: graças a ele ninguém sentiu falta do R2-D2.
O que é mediano em “Despertar da Força”? O roteiro assinado pelo trio J.J. Abrams, Michael Arndt e Lawrence Kasdan, embora tenha qualidades é exageradamente episódico, possui diversas cenas inúteis, deixa pontas soltas desnecessárias e falha na apresentação do contexto político da narrativa. A interpretação de Carrie Fischer como a General Léia Organa é apenas burocrática, estando desconectada do que a própria atriz realizou antes, fazendo Léia parecer outra personagem. Não chega a comprometer, mas poderia ser melhor, assim como a galeria de vilões: de Kylo Ren ao mestre do mal Snoke, passando pelo general Hux, parecem amadores se comparados aos profissionais Darth Vader, Palpatine e Jabba, o Hut.
Quais os pontos fracos do “Despertar da Força”? A capitã Phasma é a Boba Fett do filme: o visual é fantástico, mas não faz quase nada e, quando faz, revela-se medíocre. O uso de computação gráfica na construção de Maz Kanata, uma espécie de Yoda sem a Força. Como J.J. Abrams privilegiou o uso de efeitos práticos, a aparência sem peso da personagem destoa do restante do filme.
Mas o grande problema do longa é que ele não consegue estabelecer de maneira clara como a galáxia está organizada politicamente. Na trilogia clássica sabíamos que existia um Império maligno e que uma Aliança Rebelde pretendia derrubá-lo para reerguer a República. Na trilogia prólogo sabíamos que havia uma República um tanto decadente e que forças separatistas pretendiam se retirar dela, numa clara alusão à Guerra Civil Americana. Neste episódio VII citam de modo esparso uma nova República sem deixar claro qual papel administrativo ela exerce. Do mesmo modo, fica no ar o que exatamente é a “Resistência”. Resistência contra o quê? É um braço armado da República? Se sim, por que parecem guerrilheiros renegados e não forças oficiais de manutenção da paz? Por que usam sucata como nos tempos da Aliança Rebelde? Fizeram voto de pobreza? Estranho!
O inimigo da vez é a chamada Primeira Ordem, aparentemente erguida a partir dos escombros do Império. Mas em momento algum temos noção do tamanho de sua influência e, sobretudo, como ela é mantida. É patrocinada por planetas rebeldes? Como conseguiram construir uma estação espacial ainda maior que a Estrela da Morte sem ser status quo? De onde vieram os recursos? Como a República não ficou sabendo em tempo de impedir? De onde surgiu o tal mestre Snoke, o grande líder da Primeira Ordem e Sith de plantão? Parece idoso. Era um discípulo secreto do Imperador Palpatine?
Outro ponto fraco indesculpável está nos duelos de sabre de luz. Basicamente ocorrem três. O primeiro é entre Finn e um stormtrooper genérico (poderia ter sido contra a desperdiçada capitã Phasma). Desnecessário define a cena. O segundo é entre o mesmo Finn e o Darth Vader Jr. Kylo Ren. Por que Kylo Ren simplesmente não cortou o adversário ao meio no primeiro golpe? O personagem estabelecido até então não teria dificuldades nem pudores para fazer isso, como pareceu ter durante o combate. Pior, por que não decepou nenhum de seus membros quando “finalmente” conseguiu atingir Finn? Mal escrita e dirigida define a cena.
O terceiro duelo é entre Kylo Ren e a heroína Rey. Por mais poderosa que potencialmente Rey seja ela jamais pegou em um sabre de luz antes. O sabre de luz é um instrumento de precisão que exige treino para ser manipulado, não é um objeto movido pela Força. Portanto, a simples intuição não seria capaz de explicar a maneira como Rey se defendeu, atacou e derrotou o relativamente experiente Kylo Ren, uma criatura capaz de parar no ar um disparo laser. Inverossímil define a cena.
Os duelos de sabre de luz, em grande parte, foram responsáveis por manter Star Wars no imaginário coletivo por quase quatro décadas. Precisam ser tratados como prioridade em qualquer filme da saga. Aqui entraram de forma gratuita e pouco lógica. Um retrocesso em comparação com os filmes anteriores. Até George Lucas conseguiu fazer melhor.
Mas ainda há esperança. Se “O Despertar da Força” foi bem-sucedido em alguma de suas intenções foi em suscitar expectativas quanto ao Episódio VIII. Nele teremos o lendário Jedi Luke Skywalker. O grande mestre espadachim vai mostrar para esses amadores como se faz. l