Severino Novaci Lula e sua poesia tardia mas necessária

02 maio 2021 às 00h00

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“Alegria da Vida” é um livro de poesia, mas também um tratado de amor à natureza. Sobretudo, é um manual do humanismo filosófico
João Carlos Taveira
Especial para o Jornal Opção
Livros de poesia, na verdade, não precisam de apresentações, prefácios etc., embora muitos autores insistam nesse pormenor por acharem que nomes de escritores mais experientes e mais conhecidos irão dar-lhes passaporte para o estrelato. Ledo engano.
Os poemas que um autor publica são, por si mesmos, os reais apresentadores de seu trabalho e os legítimos condutores do pensamento e da alma de leitores que porventura tiverem acesso a eles. Eis a importância do livro! Uns se encantarão com os versos ali constantes, e estes serão sempre maioria. Outros, por algum motivo alheio à nossa compreensão, irão torcer o nariz com soberba e achar que fariam coisa melhor. Mas não é bem assim. E ainda haverá aqueles que, em nome da amizade ou do coleguismo, irão comprar a obra e relegá-la ao silêncio das gavetas, sem ao menos folhear suas páginas. O mundo é sempre o mesmo, em quaisquer atividades humanas. E isso, me parece, é indiscutível.
Por isso, insisto: apresentações ou prefácios não servem para nada, além da ilusória convicção de que o nome de uma pessoa pode consagrar o de outra. O que nos consagra é a obra criada, que nasce das agruras e dos gozos do espírito. E cada leitor saberá disso, à sua maneira, quando tomar conhecimento do conteúdo de um livro ou de qualquer outra obra de criação artística.
Nunca é tarde para começar nem para crescer
“Alegria da Vida” (Thesaurus, 2019) é o livro de estreia na poesia de Severino Novaci Lula — que não faz feio em nenhum momento, embora ainda lhe falte maior domínio técnico do verso, para expressão de seus sentimentos. Experiente em gêneros como o conto, a crônica e os “causos”, Novaci apresenta bons temas e uma linguagem clara e objetiva em cada poema da presente coleção. Há peças muito bem realizadas e outras menos empolgantes, mas isso, muito em breve, irá se resolver com naturalidade. Raramente se consegue uma obra-prima com o livro de estreia. São poucos os exemplos na história da literatura universal.

Aliás, muitos autores conhecidos e amados pelo público renegaram suas primeiras publicações. E aqui os exemplos são muitos. Mas citemos apenas três desses livros: “Espectros” de Cecília Meireles, cujo marido à época se deu ao trabalho destruir a edição inteira, “Primeiros poemas” de João Cabral de Melo Neto e “Um pouco acima do chão” de Ferreira Gullar, sem deixar de mencionar o caso de Manoel de Barros, que renegou os dois primeiros livros de sua lavra por ter plena consciência de que seu estilo ainda não estava devidamente definido; considerava-se um reles imitador. O poeta pantaneiro, apesar de se contradizer, anos mais tarde, permitiu a publicação daqueles livros na coletânea “Gramática Expositiva do Chão”, de 1990.
Entretanto, isso não impediu que, hoje redivivos, alguns desses livros tenham sido reeditados e muitos deles circulam pelas estantes das livrarias e podem ser comprados e lidos tranquilamente. Aliás, vendem-se mais pela curiosidade que pela qualidade artística. Mas vendem-se e, alguns deles, já estão até esgotados.
Novaci Lula, creio, nunca irá se arrepender desse seu primeiro livro de poemas nem sequer renegá-lo ao esquecimento. Pelo contrário, irá ter muito orgulho dele, por representar um início seguro na carreira de quem pretende prosseguir nas sendas da Poesia. “Alegria da Vida” traz, bem nítida, uma mensagem positiva sobre o relacionamento com a família, os amigos e demais membros da comunidade em que seu autor está inserido. Sim, é um livro de poesia, mas também um tratado de amor à natureza; é sobretudo um manual do humanismo filosófico de seu autor — esse homem maduro e serelepe, que, mesmo perto dos 90 anos, ainda consegue manter o coração de menino a serviço da vida e da arte.
Um só exemplo será bastante.
“Apenas um murmúrio”
Cante, cante essa música
Que traduz a alegria da vida.
As mazelas deixadas para trás
Foram apagadas pela poeira
Da suave brisa noturna.
Cante, cante essa música
Que fiz para você,
Não importa a cor da voz.
Ela será ouvida por todos nós
Até o fim do mundo.
Cante, cante essa música
Que fiz para você.
Seja onde for, cante
Com alegria e amor,
Mesmo que seja só um murmúrio.
Cante, meu bem,
Cante comigo essa música.
E celebremos a vida.
Dados biográficos do autor
Severino Novaci Lula nasceu aos 6 de novembro de 1931 na Fazenda São Rafael, município de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, região encravada no Polígono das Secas. Ainda jovem ingressou na Marinha do Brasil; e os navios foram por muitos anos o seu local de trabalho e sua residência. Especializado em Radiocomunicação e Meteorologia, esteve embarcado em navios franceses e japoneses a serviço do Brasil no Atlântico Sul, como membro efetivo do governo na área da Pesca oceânica. Por determinação oficial, prestou serviços em localidades exteriores, tendo vivido por alguns anos em diversos países. Administrador de Empresa, é formado pela Universidade do Distrito Federal (AUDF). Hoje é aposentado como Fiscal de Petróleo e Outros Combustíveis, pelo Ministério das Minas e Energia. É membro efetivo da Academia Cruzeirense de Letras – ACL, Cadeira n.º 20, patrono Jorge Amado.
Obras publicadas
“Operação Arco-Íris – Não estamos sós” (ficção cientifica), Thesaurus, 2001.
“Pinote & Outras histórias” (infanto-juvenil), Thesaurus, 2011.
“Alegria da vida” (poesia), Thesaurus, 2019.
Antologias (participação)
“Colheita 2”, do Celeiro Literário Brasiliense, Ed. ArtLetras, 2017.
“Leia-me”, da Academia Cruzeirense de Letras, Ed. ArtLetras, 2019.
Obras inéditas
“Triton – O lado de lá” (ficção científica), no prelo.
“O encontro dos híbridos – Filhos de extraterrestres com terrestres” (ficção científica).
João Carlos Taveira, poeta e crítico, mora em Brasília e é colaborador do Jornal Opção.