Série Contos da Pandemia (8): A Ivermectina, de Geraldo Rocha
08 julho 2021 às 11h14
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“Mas seu Juarez, o senhor comprou esse remédio semana passada. Aumentou o gado”? — perguntou o vendedor. “Não é para o gado. É pra combater esse tal de corona”
(Com o apoio do escritor e doutor em História Ademir Luiz, o Jornal Opção organizou uma seleção de contos escritos por autores goianos explorando o tema da pandemia da Covid-19 — que já vitimou mais de 529 mil brasileiros. A prosa curta mostrou-se não apenas possível, mas necessária, durante a pandemia. O jornal vai publicar um conto por dia e espera que, em seguida, alguma editora publique um livro.)
A Ivermectina
Geraldo Rocha
Juarez não dava bola para resfriado. Sob sol ou chuva, na poeira ou na lama, lá estava ele labutando na chácara. Uma vez ou outra exagerava na exposição ao clima frio, e quando isso acontecia, começava a tossir ou espirrar. Pedia então para Maruca, sua dedicada esposa, aquele chá milagroso que somente ela sabia fazer: alho amassado, sumo de limão, casca de romã e uma pitada de sal. No outro dia estava novinho em folha.
O pequeno sítio ficava perto da cidade, onde eles viviam quase em isolamento, que agora chamavam de social. Imagina as pessoas se cumprimentarem acenando a mão ou batendo o cotovelo. Coisa mais esquisita! — resmungava.
Juarez não gostava de televisão, preferindo o radinho de pilha para se distrair. De manhã, ao tirar o leite das vaquinhas no curral, ele curtia as músicas sertanejas e ouvia as notícias. E foi assim, através do rádio, que tomou conhecimento do coronavírus. Nome difícil desse bicho, e também da doença: Covid-19! Então, para ele ficou sendo apenas corona.
Nos encontros com os amigos, cada um receitava um remédio. Compadre Severino era bem-informado e tinha para todos os gostos: cloroquina, hidroxicloroquina, anita, ivermectina e muito mais. Juarez dizia que o vírus não o pegaria, que tinha o corpo fechado por causa das raizadas que ele mesmo fazia. Quando insistiam muito para ele tomar, retrucava que Ivermectina era para o gado. Onde já se viu gente tomar remédio de animal?!
Certo dia ele chegou na casa do compadre Severino e a porta estava fechada. Bateu palmas, gritou oh! de casa! e nada. De tanto insistir, um vizinho apareceu e disse que o compadre fora internado na Upa da cidade com Covid-19. Informou ainda que a casa estava isolada e a comadre Ernestina de quarentena. Não podia receber ninguém.
Juarez se desesperou. Ele estivera com o compadre na semana passada, então devia ter pegado o vírus. Até estava tossindo, recordou-se. Entrou no fusca folgando a máscara sobre o nariz pois já sentia falta de ar. Dirigiu até a casa agropecuária e pediu um pacote de ivermectina. “Mas seu Juarez, o senhor comprou esse remédio semana passada. Aumentou o gado”? — perguntou o vendedor. “Não é para o gado. É pra combater esse tal de corona” — respondeu ele. “Não é esse remédio, seu Juarez. O outro o senhor compra na farmácia” — esclareceu o vendedor.
Juarez foi até a farmácia e comprou o remédio. Já sentia todos os sintomas da Covid-19. Dor de cabeça, febre, tosse e calafrio. Pediu para o farmacêutico medir a temperatura e estava normal. Foi até o posto de saúde, fez o exame e nada foi detectado. Voltou para chácara e depois de três dias não sentia mais nada. Ficara impressionado com a notícia da internação do compadre Severino e isso desencadeou um stress emocional nele. Só que por precaução não deixou faltar ivermectina na prateleira da cozinha. Seguro morreu-se velho.
Geraldo Rocha é escritor.