E nem precisa ser atrás do bloco, pode ser só um palco mesmo

Marco Bauer, vocalista do Dry, em um dos shows mais pesados do sábado (6/2) | Foto: Pedro Margherito
Marco Bauer, vocalista do Dry, em um dos shows mais pesados do sábado (6/2) | Foto: Pedro Margherito

O carnaval é o pretexto perfeito para botar o bloco na rua, como diria Sérgio Sampaio, seja o seu bloco o do Netflix, o dos foliões ou o do rock. Do rock? Isso mesmo. Do Rock. Se hoje existe até bloco de indie sustentável com foodtruck (ai credo!), por que não muita música barulhenta, guitarra estridente e muita energia? Não é esse o clichê sobre o rock?

E por essas e outras a Fósforo Cultural realizou pela décima vez o Grito Rock Goiânia no sábado (6/2) e domingo (7) de carnaval. É a desculpa perfeita para curtir o carnaval sem estar no meio da folia tradicional. Ou apenas uma opção barata – os ingressos custavam R$ 20 a inteira e R$ 10 a meia-entrada — e interessante, com 20 bandas e oito DJs se revezando em um feriado muito bem esticado até a manhã de quarta-feira (10).

A festa foi dividida em duas partes no Centro Cultural Martim Cererê, no setor Sul. De um lado o Espaço Casa de Música, que ocupou o Teatro Pyguá no sábado com os DJs Daniel de Mello, Mario Pires, Gabs e Rayanne Coimbra, e no domingo no ritmo dos DJs Lucas Paiva, Matheus Traguetto, Rodrigo Lagoa e Alan Honorato. No menu da pista de dança, muito rap e indie rock.

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Do outro lado, no Teatro Yguá, passaram dois blocos. O Bloco Fósforo Cultural, nome da produtora do evento na capital, trouxe no sábado as bandas Lutre, Urumbeta do Espaço, Almost Down, Stefanini, Oblongs, Chá de Gim, Peixefante, Dry, Ara Macao e Hellbenders.

No domingo, quem ocupou (aliás, uma palavra muito usada por aqui desde dezembro) o Yguá foi o Bloco Vaca Amarela — outro festival produzido pela Fósforo Cultural — com Demasia, Meio Termo, Sheena Ye, La Morsa, Caffeine Lullabies, Trivoltz, Carne Doce, Dogman, Pó de Ser e Overfuzz.

O Martim Cererê recebeu, segundo a produção do Grito Rock Goiânia, aproximadamente 1,8 mil pessoas nos dois dias de festival.

Shows

As bandas Lutre e Urumbeta do Espaço, que eu perdi, abriram o Bloco Fósforo Cultural no sábado. De acordo com a produção do festival, a primeira delas com 15 minutos de atraso: deveria ter começado às 17h30 e começou a tocar às 17h45. Como é um horário com pouca gente na plateia, o atraso é até bom para chamar o público.

Jefferson Radi, da banda Lutre, disse que o trio estava no palco pontualmente às 17h30. Ele, Marcello Victor e Chrisley Hernan, da Lutre, teriam chegado ao Martim Cererê uma hora antes do início previsto do evento, “como estava esclarecido no contrato”. “O que ocorreu foi um problema na organização, que só abriu os portões 18 horas e por isso muitos amigos e até os pais de um dos integrantes não conseguiram ver o show”, afirmou Jefferson.

Já a produção do festival informou que houve um atraso de 15 minutos no início da primeira banda até que os portões fossem abertos para o público, que começou a entrar nos cinco minutos iniciais do show da Lutre.

Cheguei poucos minutos antes do show da Almost Down, com influência cravada no post-hardcore de bandas que seguem um estilo bem Alexisonfire. Tem uma pegada interessante, que mescla a calma do vocal com o peso do instrumental de uma geração que tem como referência o rock da primeira década dos anos 2000.

Stefanini é presença certa nos festivais de Goiânia e traz outra atmosfera para os eventos marcados pelo rock da capital. Com seu pop e eletrônico pautado pelo sucesso das grandes divas do pop, Stefanini ainda pegou um horário de pouco público, mas tentou botar todo mundo para dançar, inclusive com um cover da cantora dinamarquesa MØ.

Como era de se esperar, a sonoridade mudou completamente com a Oblongs e seu pop rock feito para estourar em rádio FM. Os moleques tocam bem e conseguem empolgar o público, que já era maior no show deles. A banda tem música gravada pelo Strike e tem uma plateia cativa em Goiânia.

Chá de Gim chamou a atenção do público no primeiro dia do Grito Rock Goiânia | Foto: Pedro Margherito
Chá de Gim chamou a atenção do público no primeiro dia do Grito Rock Goiânia | Foto: Pedro Margherito

Momento curiosidade

Nunca escondi meu gosto pelo som da Chá de Gim. Antes do lançamento do disco Comunhão, em outubro do ano passado, eles já chamavam a minha atenção principalmente pela performance do vocalista Diego Wander no palco. Então estava bem curioso para ver um show da banda depois do sucesso por aqui da música Benzim — no Spotify, até as 21h37 desta segunda-feira (8/2), ela já foi ouvida 85.238 vezes.

Gostei do show. Mantiveram o clima que mistura a música brasileira com o lado mais psicodélico do rock, mas foi engraçado ver o público pedir Benzim e eles não tocarem. Até que Diego volta e puxa a canção à capela para salvar a noite de quem foi ao Martim Cererê só pra ouvir essa música. E se você pegar o disco para ouvir, ela é completamente diferente das outras sete faixas.

Peixefante, com todos seus teclados, computadores e luzes no palco, fez um bom show. Das bandas mais recentes da cena goiana, é talvez a que tenha a atmosfera mais experimental de todas. Se bem que diversidade é algo que nunca faltou quando desponta um grupo novo no meio independente em Goiânia!

Depressão, músicas longas e muito peso. Esse é o Dry, um dos quartetos mais porrada do Grito Rock. Eu já falei outras vezes das influências de Alice In Chains e Mastodon. Fica a dica se você gosta dessas bandas. E teve música nova ao vivo. Enjoy the fall!

Ainda não conhecia e deixei para ouvir pela primeira vez ao vivo o Ara Macao, projeto do vocalista da Cambriana, Luis Calil. Enquanto a lenda do disco novo da Cambriana continua, Luis usa todos os efeitos de voz possíveis, muita barulheira eletrônica e um time que conta com guitarra, bateria e instrumentos de sopro para animar a festa.

Isso mesmo. Animar a festa. Até Baile de Favela, do MC João, o cara cantou. Quer mais? O projeto Ara Macao já tem quatro singles lançados, que você acha no Facebook. Além das quatro faixas, ainda tem um cover eletrônico de Benzim, do Chá de Gim.

O disco novo do Hellbenders, gravado no deserto da Califórnia, deve sair em março ou abril | Foto: Pedro Margherito
O disco novo do Hellbenders, gravado no deserto da Califórnia, deve sair em março ou abril | Foto: Pedro Margherito

Fim da noite

O Bloco Fósforo Cultural pegou fogo. Calma! Não foi literalmente, tá? “Peraí! Não sei o que significa ‘literalmente’. É assim que usa mesmo essa palavra?”

Enfim… Com mais de uma hora de atraso, outro quarteto com peso do rock com veneno nas veias fechou a noite de sábado bem pra lá das 2 da manhã de domingo: Hellbenders. E o público ficou até o final.

Em 2014 eles foram convidados a gravar um disco no lendário estúdio Rancho de la Luna, no deserto de Joshua Tree, na Califórnia (Estados Unidos). Por meio de financiamento coletivo — crowdfunding –, a banda juntou R$ 38.233, acima da meta dos R$ 30 mil esperados, e foi registrar o segundo álbum, que não sai de jeito nenhum.

O show veio com algumas dessas músicas. Olha! Parece que a coisa tá muito boa, viu? O disco está em fase de prensagem e deve sair em março ou até abril pelo selo HeartsBleedBlue (HBB), de São Paulo, com oito músicas.

Bloco Vaca Amarela

O domingo era dia de carnaval de novo no Martim Cererê. E dessa vez o Bloco Vaca Amarela abriu o trabalho do Teatro Yguá com as bandas Demasia, Meio Termo e Sheena Ye, que eu não cheguei a tempo de ver. Mas acompanhei o show dos garotos de Anápolis do La Morse e gostei muito. Rock’n’roll de qualidade.

Aí veio o hardcore com uma pegada mais tranquila do Caffeine Lullabies. Desde o lançamento do disco The Closest Thing To Death, em outubro de 2015, a banda fez o melhor dos que eu acompanhei. Tudo certinho, sintonia total. Pena que, até que digam o contrário, pode ter sido a última apresentação do Caffeine, que já fala sobre o grupo em clima de despedida. Esperar pra ver no que vai dar.

O power trio roqueiro Trivoltz contou com bom público, que se empolgou com os solos de guitarra de Yan Ferreira, que toca sem usar pedal, com o instrumento ligado direto no amplificador. Como disse o vocalista e baixista Ricardo Aug, de volta ao lado rock e blues do Texas.

Haig Berberian, vocalista da Dogman, é uma espécie de showman. Com carisma e facilidade de lidar com o público, ele liderou a banda em um dos melhores shows do 10º Grito Rock Goiânia. Sobre o som da Dogman, a banda se define melhor do que ninguém em sua página no Facebook: “Rock’n’roll pesado e sem firula”.

A brincadeira de tirar a camisa já é marca registrada de Haig, que não inventou o nome e tem ascendência armênia. É. A curiosidade foi tanta que eu precisei tirar a dúvida e perguntar isso. A banda estreou ao vivo no Grito Rock Goiânia de 2014 e fez um dos shows mais lotados da edição de 2016.

E teve até axé no show da Dogman. Sim. Rolou De Ladinho, da Banda Eva, e Paquerei, do É O Tchan, no pot-pourri mais engraçado do Grito.

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Coisa nova

É a segunda vez que o Carne Doce traz mais músicas novas para o repertório do show. Cê Tá Pensando, Artemísia e Açaí, canções que devem fazer parte do segundo disco da banda, previsto para ser gravado em junho na capital paulista, fizeram parte da apresentação de domingo no Martim.

Depois de lançarem o primeiro disco de forma independente, a banda disse que gostou da ideia de ter mais liberdade para escolher o que fazer e deve lançar o próximo álbum, com mais hits (formato estrofe e refrão), por conta própria.

Sobre o show de ontem? O público acompanhou do início ao fim. E teve até declaração de amor do casal Salma Jô (vocalista) e Macloys Aquino (guitarrista) com direito a beijo no palco seguido da música Adoração: “Chupei seu som/Chapei na sua dança/Amigo, ator, à toa/Na adoração/Tirando onda de mutilação/Na adoração”.

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Enquanto parte do público preferiu dar um tempo do lado de fora do teatro e descansar um pouco, Diego de Moraes voltou a se apresentar no Martim Cererê depois de bom tempo longe daquele palco. Dessa vez com a banda Pó de Ser. Um belo show, que contou com a participação de integrantes do grupo Terrorista da Palavra.

O encerramento do Bloco Vaca Amarela foi deixado para o Overfuzz, um trio de rock com sobrenome barulho. Um show intenso, na semana seguinte ao lançamento do videoclipe da música Turning Your Beauty Into A Sickness.

Se o público já estava morto quando, já na madrugada de segunda-feira (8), o Overfuzz subiu ao placo eu não sei. Mas o fato é que todo mundo aguentou firme para não perder mais um bom show da banda.

Conversa velha e carcomida

Já estamos em 2016, metade da segunda década do século XXI e ainda tem gente discutindo se carnaval é coisa de gente séria? Faça um favor à humanidade: se você não gosta de carnaval, aproveite o feriado; se for a sua praia, se jogue, amigo. Mas, por favor, pare de encher o saco de quem quer aproveitar esses quatro dias na farra.

Agora, se você faz parte daqueles 49% dos homens que acham que “mulher direita” não deve participar de folia em bloco ou qualquer festa de carnaval, sinto muito, mas é você que não deveria existir.

Teatro cheio durante o show da Dogman | Foto: Pedro Margherito
Teatro cheio durante o show da Dogman | Foto: Pedro Margherito