Alguém com interesse em Ronnie Von ou na música que ele fez, vai ter de esperar um próximo livro
Iúri Rincon Godinho
Especial para o Jornal Opção
Biografia é uma coisa. Entrevista é outra com léguas de distância. “Ronnie Von — O Príncipe que Podia Ser Rei” tinha todas as premissas para ser uma excelente biografia. O cantor que rivalizou com Roberto Carlos no final dos anos 1960 e provavelmente enfureceu o rei. O garoto que nunca imaginou seguir na música e tinha aos seus pés todas as mulheres do mundo. O homem que, ao terminar seu casamento, teve uma doença emocional que paralisou e atrofiou seus músculos e quase o matou — na capa de um dos seus discos ele aparece de pé ao lado de um manequim quando ainda se recuperava da enfermidade e, diria depois, ainda estava sentindo dores horrorosas. O homem que perdeu o sucesso, a família e se reinventou com um livro sobre como criar filhos.
Mas o livro não é nada disso. Precisou juntar dois autores, Antonio Guerreiro e Luiz César Pimentel, para entregar uma grande entrevista em forma de reportagem, uma biografia autorizada sem contraditório, quase capaz de colar duas asinhas de santo em Ronnie Von que, nessa altura da vida, com certeza não precisava de nada disso.
O grande desserviço da obra é transformar uma vida extraordinária em uma historinha ordinária. No auge do sucesso, Ronnie pirou. Em busca do novo e de reconhecimento por parte da crítica, gravou três discos com músicas psicodélicas, um deles uma maluquice deliciosa chamada “A Misteriosa Luta do Reino de Parasempre Contra o Império de Nuncamais”. Na época, por ousadia e preconceito contra um cantor de grande sucesso popular, todos provaram o limbo dos LPs não vendidos. Redescobertos no início do século 21, viraram cult na internet e foram relançados. Mesmo afastado da música, Ronnie Von virou o queridinho do que o PT — na sua eterna luta para dividir o Brasil — chama de elite branca. No livro, essa fase psicodélica é tratada de forma rápida e sem profundidade, como se fosse apenas um fracasso comercial e sem posicionar os três discos à altura da importância deles na música brasileira.
Já o principal sucesso de Ronnie, “A Praça”, é apenas uma canção de sucesso, embora o fato mais importante sobre ela tivesse sido a polêmica de que o autor, Carlos Imperial, teria simplesmente plagiado o sambista Aroldo Santos — Imperial dizia que ele próprio pagou Aroldo para espalhar a notícia e gerar propaganda e interesse pela canção.
Olhos claros, cabelo longo e liso displicentemente cobrindo o rosto, magrinho, porte altivo, Ronnie Von apaixonava as fãs. No livro ele é um ser à beira do assexuado. Nunca traía, nunca caía em tentação. Um totem, um monumento de equilíbrio contra todas as investidas femininas.
Faltou também explorar o relacionamento do biografado com os Mutantes — ele teria dado nome ao conjunto. Rita Lee, os irmãos Arnaldo e Sérgio Baptista eram o ápice da contravenção musical — chegavam a modificar e reinventar os instrumentos — e o relacionamento com um cara tão certinho como Ronnie deve ter rendido excelentes histórias. Também merecia um olhar mais detalhado e crítico a relação de Ronnie com os militares, já que foi cadete da Aeronáutica (era apaixonado por aviões) e fez sucesso durante a ditadura — no auge da repressão do final dos anos 1960 e início dos 70. Quem ler o livro vai achar que ele não conhecia um milico sequer ou que todos seus colegas músicos viviam uma paz de harpa e nuvem com a repressão.
A imagem de bom moço, bom pai, bom marido, bom músico, bom tudo talvez tenha sido uma estratégia do próprio Ronnie, que autografou o livro na recente Bienal do Livro, em São Paulo, e posou sorridente ao lado dos autores.
Alguém com interesse em Ronnie Von ou na música que ele fez, vai ter de esperar um próximo livro.
Iúri Rincon Godinho, jornalista e publisher da Contato Comunicação.
Critica perfeita, me decepcionei muito com a “biografia” esperava mais sobre as fases musicais no Ronnie Von e mais discussões sobre a carreira dele.
Também concordo.Quando eu era pré-adolescente, quando havia aquele movimento da Jovem Guarda e da MPB, eu virei fã do Ronnie e do Chico Buarque e hoje ambos me decepcionaram. O Ronnie ficou chato demais, muito arrogante com esse negócio de “conhecer tudo”, acho que a gente deve demonstrar que conhece alguma coisa dentro de um contexto, e também por tentar ignorar sua história com a Ana Luisa, por quem ele acabou o casamento; e o Chico pela suas escolhas políticas. Estou imaginando um livro cor de rosa.
Realmente, também me decepcionou em parte. São algumas estórias pessoais muito “contidas”, muito “evasivas”, nos dando a impressão que o próprio cantor não quis causar intrigas ou escândalos. Onde foi parar o capítulo que trata de suas brigas, de suas entradas na polícia por mais de 40 vezes, como eu vi em um de seus video-entrevista?
Com certeza, faltou algo, faltou emoção e coragem para falar do lado “polêmico” do artista. E concordo, a sua relação com os “Mutantes” e os seus discos psicodélicos poderiam ter sido muito melhor explorados…