Carlos Willian Leite

Vigésimo sétimo livro lido em 2024: “O Diabo Mesquinho” (Kalinka, 392 páginas, tradução de Moissei Mountian), de Fiódor Sologub.

Ambientado na transição do século 19, o romance traça um retrato vívido, divertido e surreal de Ardalión Borissytch Peredónov, um educador em uma obscura cidade do interior da Rússia. Caracterizado por uma índole detestável — ignorante, manipulador, dissimulado e moralmente corrompido —, Peredónov é dominado pela ambição de elevar seu status social.

O protagonista anseia por uma promoção a inspetor escolar e busca solidificar essa ascensão por meio de um casamento estratégico com uma parceira tão lamentável e absurdamente surreal quanto ele. Essa ambição frustrada desencadeia um turbilhão de loucura, alimentado por perseguições imaginárias, encantamentos e delírios constantes, entre eles, o de estar incessantemente vigiado.

Neste contexto, a realidade e a fantasia se entrelaçam de forma imperceptível, intensificando os delírios de Peredónov e criando uma atmosfera simultaneamente mágica, delirante, divertida e sombria.

Peredónov emerge como um anti-herói, simbolizando tanto a decadência social quanto a desumanização resultante de comportamentos insensíveis e egocêntricos.

Fiódor Sologub (1863-1927): poeta e prosador russo | Foto: Reprodução

Inserindo-se na distinta e longa tradição de escritores russos que retrataram mentes perturbadas, como Tchékhov e, sobretudo, Gógol, o romance mergulha nas profundezas da paranoia e desconfiança que devoram Peredónov, capturadas com uma intensidade quase palpável.

A paranoia de Peredónov

O personagem desperta a sensação de começar a temer a própria sombra. Uma das manifestações mais notáveis desses tormentos é a nedotykomka, uma entidade enigmática que brota do vazio, assombrando Peredónov com suas formas cambiantes e enganosas.

Ao entrelaçar elementos cômicos com tragédias e o surreal com o profundamente real, e ao combinar um humor ácido com uma visão desencantada da realidade, sem se perder em análises psicológicas excessivas, o livro alcança uma singularidade que o torna não apenas uma leitura cativante, mas também um dos trabalhos mais criativos e emblemáticos da literatura russa que já li. Vale a pena ler.

Nota: 9,5

Carlos Willian Leite, poeta, jornalista e crítico, é editor da “Revista Bula”. É colaborador do Jornal Opção.