Não nos esqueçamos do Rap de Don L. Nordeste mostrou neste feriado um cenário alternativo ativo que vai muito além da música regional

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Tagore Suassuna / Foto: divulgação

“Mandacaru quando fulora na seca
É o sinal que a chuva chega no sertão
Toda menina que enjoa da boneca
É sinal que o amor já chegou no coração”

E é sem se prender à beleza deixada pelos grandes ícones da música nordestina, como Luís Gonzaga, que uma nova geração de músicos do Nordeste brasileiro mostra que, assim como Goiás não vive de som Sertanejo, o povo no Norte não ouve apenas Forró.

Tagore, que bebe da fonte do Baião, Far From Alaska, que foge completamente do que há na música regional, e o rapper Don L, com letras que saem do assunto comum de violência e pobreza, foram grandes atrações na 9ª edição do Grito Rock em Goiânia, durante o feriado de Carnaval.

O grupo Tagore, que leva o nome do vocalista Tagore Suassuna — isso mesmo! Parente de Ariano Suassuna — possui um som que definem como “psicodélico retrô futurístico”. O pernambucano não se afasta de características regionais, sendo acentuada a mistura de baião com rock. “O elemento mais forte, minha voz, sempre vai ser nordestina, sempre vai ter meu sotaque. Não tenho como me desvencilhar e nem quero. Quero que isso seja meu Norte constante e que eu possa livremente experimentar em termos instrumentais em cima disso”, explica Tagore.

O que de fato acontece, como é possível perceber com a mistura de influências percebidas no som dos músicos. The Doors, por exemplo, é presente de forma clara. “Gostamos de música dos anos 60 e 70 em geral. Tem muita coisa de The Doors no nosso som, sim. Muita coisa nacional também, como Alceu Valença, Mutantes, Tom Zé”, disse João Cavalcanti, que toca guitarra e baixo. Além dele e de Tagore, a banda é composta por Caramurú Baumgartner (percussão e voz), Julio Castilho (baixo) e Emerson Calado (bateria).

A própria capa do disco Movido a Vapor, lançado em agosto do ano passado, é um exemplo da mistura de influências. Uma foto de Tagore com um ano de idade e um cigarro na boca foi pensada também com base no álbum Nevermind de Nirvana. “Tentamos misturar sem nos prendermos ao passado. Vislumbramos o futuro. A influência é do passado, mas a prática e execução são de agora”, completou Tagore.

Falta de reconhecimento por serem do Nordeste não é um problema para Tagore. O músico diz que, na verdade, percebe maior repercussão pelo fato de serem nordestinos. “Nossa gente é muito bem vista artisticamente. Acho que a porta foi deixada aberta. Os artistas pernambucanos têm essa tradição de serem bem aceitos. Se você tiver um trabalho legal isso é duplamente bem aceito”, garantiu, citando Alceu Valença, Lenini, Cordel do Fogo Encantado, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, e o roqueiro Raul Seixas.

CD novo vem vindo

Com um baixo e teclados marcantes na estrutura melódica do som, o grupo Tagore já está trabalhando em um novo álbum. “Hoje estamos menos resmungões. Nossos novos trabalhos estão mais doces”, adiantou Tagore Suassuna, que escreve praticamente todas as letras.

De acordo com ele, esse novo trabalho será mais influenciado por bandas psicodélicas contemporâneas, como Flaming Lips. O disco começará a ser gravado este ano, e uma turnê fora do Brasil já é vislumbrada.

Not so “Far From Alaska”
Foto: Sarah Teófilo/ Jornal Opção
Rafael, Emmily, Cris, Lauro e Eduardo (da esq. para dir.). Cris: “A gente é roqueiro e gosta de fazer rock do jeito da gente” / Foto: Sarah Teófilo/ Jornal Opção

O rock de Natal da Far For Alaska (FFA) — composta por Emmily Barreto no vocal, Rafael Brasil na guitarra, Eduardo Filgueira no baixo, Lauro Kirsch na bateria e Cris Botarelli no synth — foi a penúltima atração do último dia de Grito Rock.

Ganhando cada vez mais espaço, os meninos que estão em processo de mudança para São Paulo — três deles já foram — irão tocar no Festival Lollapalooza (os goianos do Boogarins também), onde tocarão Jack White, Kasabian, The Smashing Pumpkins entre outros músicos de grande renome.

O fato de serem uma banda de Rock — com letras apenas em Inglês — do Nordeste é um elemento surpresa para muitos, como comenta Rafael. “É comum pessoas chegarem achando que só tem forró em Natal”. Eduardo concorda: “Deixa mais esquisito. As pessoas não sabem que lá tem uma cena, que têm muitas bandas, e quando escutam começam a querer saber mais.”

Rafael acrescenta a positividade de serem da região do Nordeste brasileiro. “Isso faz o País olhar mais para lá. As outras bandas de lá acabam tendo maior visibilidade também. É bom para todo mundo”, pontuou.

Antes mesmo do lançamento do primeiro disco, ModeHuman — maio de 2014 —, o grupo já havia participado de vários eventos marcantes para a carreira, como o Planeta Terra, em São Paulo, ainda em 2012, após ganhar o concurso Som para Todos. Dois meses depois, o grupo foi elogiado por Shirley Manson, vocalista do Garbage.

No próximo semestre a FFA já pretende não estar assim tão longe do Alasca, com uma turnê que pode ir da Europa aos Estados Unidos da América. “Acho mais provável irmos para a Europa primeiro”, disse Emmily.

Sem Amarras no Som

Um som com muita base teórica não é a preocupação do grupo. Eles não possuem formação musical, tampouco fizeram aulas para aprender a tocar — ou cantar —, mas engajaram no sonho musical há um tempo. Rafael, por exemplo, toca guitarra há 10 anos, e nunca esteve em uma escola de música. “Para falar a verdade eu nem gosto de estudar”, disse dando risada.

O guitarrista da FFA garante que acha interessante tocar sem saber se está certo ou errado. “Faço de um jeito que soa legal para mim. Se eu soubesse como é o certo, poderia nem tentar.” Sem negar a necessidade do estudo e do conhecimento, ele aponta que gosta do “errado”. “Gosto do ‘sou ruim’, do ‘podre’, do ‘tempo errado’. Acaba chamando atenção por fazer algo que as pessoas não estão esperando no momento”, explicou.

Atrás das baterias da banda, Lauro concorda com Rafael e completa: “Quando o cara aprende estudando, já cresce engessado, pensando que tem que fazer do jeito certo, na escala certa, e acaba não explorando outras coisas.” Ele — que se mudou para Natal há sete anos — fez apenas três meses de aula de bateria e logo partiu para uma banda enquanto ainda morava em Curitiba.

O que ensina, conforme concordaram por unanimidade, é o caminho percorrido, as bandas por onde passaram. “Às vezes vão pensar que a gente não sabe tocar, ou não dá importância para o estudo. Mas não é isso que divide bandas amadoras de bandas profissionais. São só dois caminhos possíveis diferentes”, concluiu Lauro.

Emilly também toca bateria e sempre quis cantar. Foi daí que surgiu a banda agora formada. Ela também nunca fez aula de canto. O baixista, Eduardo, foi quem ficou mais tempo estudando teoria. Nascido em Mossoró, fez seis meses de conservatório. “Foi o máximo que eu aguentei”, disse.

As inspirações dos cinco são as mais diversas. “Gosto de Rock velho”, disse Eduardo, lembrando de AC/DC, Led Zeppelin e Pink Floyd. A voz da banda, por sua vez, gosta de vocais femininos. “Adoro Paramore”, pontuou.

Cris pende para o lado Pop com Lady Gaga e Katy Perry, mas também aprecia Soul e Jazz. Lauro gosta de Foo Fighters, Queens Of The Stone Age e uma banda da Escócia chamada Biffy Clyro. Rafael prefere Jack White, Red Hot Chili Peppers, Queens Of the Stone Age.

“Tem o lance da gente não ter uma marca”, disse Rafael sobre uma marca musical da banda. “Cada vez uma coisa diferente”, pontuou. Cris comentou que o que conecta o som são dos timbres da banda. “Gostamos de timbres esquisitos”, respondeu Rafael.

O Rap “ostentação” de Don L
Foto: Fósforo Cultural/ divulgação
Foto: Fósforo Cultural/ divulgação

Não há uma preocupação em falar de violência urbana ou pobreza na música de Don L, rapper cearense que fechou o festival Grito Rock. Sua primeira mixtape solo Caro Vapor – Vida e Veneno — já que anteriormente estava com o grupo Costa a Costa —, lançado em outubro de 2013, fala de amor, noitadas e drogas. Ele não tem medo de dizer que gosta de dinheiro, e que quer a sua parte.

“É, esse mundo tem cores tão vivas. Por que teus sonhos são todos tom cinza?”, diz parte da música “Morra bem, viva rápida” — primeira do mixtape — que em alguns momentos apresenta narração de um programa de TV de venda de joias. “É, esse mundo tem mulheres tão lindas. Quero-as. Tudo em pérolas”, diz a letra. Don L mostra uma perspectiva diferente, em que o importante é viver, conquistar.

Na musicalidade, Don L — que fechou o Grito Rock esse ano — não se detém em um estilo e explora de elementos do jazz e soul. Algumas músicas tem batidas mais pesadas, outras nem tanto. De qualquer forma, quando toca Don L, sabe-se na hora que é Don L.