“Quo vadis, Aida?” cutuca ferida que nunca se curou na Europa
16 abril 2021 às 20h39
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Filme trata do massacre de Srebrenica, que matou oito mil muçulmanos em 1995
“Quo vadis, Aida?”, que na tradução seria “Para onde você está indo, Ainda?” é um filme bósnio com roteiro e direção de Jasmila Zbanic, que transcreveu em cenas um fragmento da história trágica e não tão distante de seu país.
O longa-metragem é um drama de guerra muito comovente. Jasmila parte da premissa de que o espectador, o público, conhece, mesmo que superficialmente, a história da Bósnia. Não há introduções, textos em letras garrafais ou uma voz que narre o momento. O filme não explica o contexto do que estamos vendo e, por isso, pode se tornar um pouco confuso para quem chega desavisado.
Se passa em julho de 1995 e, apesar de não considerar spoiler aquilo que a própria história já contou, mesmo quando se sabe o que esperar do final dessa tragédia do leste europeu, o filme nos deixa atônitos.
O longa-metragem vai inserir a história fictícia de uma tradutora da ONU (a Organização das Nações Unidas), chamada Aida, que antes da guerra civil tomar tais proporções era apenas uma professora. No contexto histórico real, temos ali um massacre planejado, que ocorre no final da Guerra Civil na Bósnia e Herzegóvina.
Na cidade de Srebrenica, soldados holandeses da ONU constroem uma base e passam a chamar, em 1993, de “zona segura”. No entanto, a cidade é tomada pelo general Ratko Mladic e suas tropas. Na base da ONU, cidadãos passam a ser abrigados. Mas, já completamente sem controle da situação, os holandeses recuam, enquanto os civis são agrupados e levados em ônibus. E aí, neste momento, os homens e mulheres são separados para que todos os maridos, filhos, netos, vizinhos sejam fuzilados.
Em entrevista ao The Guardian, Jasmila diz que “a área era protegida pela ONU e que se a própria organização não pudesse conter as agressões, então não havia direitos humanos nos quais os bósnios pudessem acreditar”. Ela conta que, ao saber da história, de quantas pessoas haviam sido mortas, de como haviam sido mortas, e como haviam sido enterradas e depois tiveram seus corpos movidos para encobrir o crime, isso a deixou obcecada. “Foi um trauma para todos os bósnios”, disse a cineasta que tinha 17 anos quando tudo aconteceu.
E como acompanhamos a protagonista Aida, a expectativa é de que ela própria consiga salvar seu marido e os dois filhos homens do fuzilamento. É um filme em que vivemos a aflição da personagem do início ao fim. Ela tenta usar sua ínfima influência como tradutora das Nações Unidas para proteger sua família, sempre articulando, correndo de um lado ao outro, negociando para que seu marido interceda uma conversa com o general Ratko Mladic, escondendo os filhos no escritório de reuniões estratégicas dos holandeses.
A angústia de Aida é nossa angústia. Uma ansiedade que aperta o peito e estômago por uma hora e 40 minutos de filme.
A atriz que interpreta a Aida, Jasna Djuricic, transmite intensamente essa aflição, assim como o roteiro, os diálogos, a trilha sonora, a edição, tudo que a Jasmila e sua equipe de produção constroem para nos transportar para essa história de um passado ainda recente.
O massacre de Srebrenica é considerado o pior da Europa, após a Segunda Guerra Mundial. Em 2000, em um relatório das Nações Unidas, Kofi Annan responsabilizou, inclusive, a Holanda por ter fracassado em proteger a cidade.
Ratko Mladic foi julgado pelo Tribunal Internacional da antiga Iuguslavia, no qual foi considerado o líder do genocídio que matou 8 mil muçulmanos. Ele pegou prisão perpétua. Ele ainda vive e tem 78 anos.
Particularmente comovente sobre o filme é a parte dos créditos. Uma tela preta, créditos subindo e o silêncio intragável pelo luto das vidas perdidas. Um silêncio constrangedor até mesmo se você está sozinho na sala.
“Quo vadis, Aida?” um filme de conhecimento histórico, que enriquece. O longa-metragem disputa o Oscar 2021 na categoria de Melhor Filme Internacional. Sua estreia no Brasil ocorre dia 20 de abril em diversas plataformas.