“Quarenta Dias”, romance vencedor da 57ª edição do Jabuti
21 novembro 2015 às 12h45
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Além de Maria Valéria Rezende, autora do título, Carol Rodrigues e Alexandre Guarnieri são alguns dos premiados
“Aquela figura feita de
partes montadas
não sorri para mim
mas também não pergunta nada
mas também não responde nada”
Luci Collin
Yago Rodrigues Alvim
“Entrei neste apartamento — ainda não consigo dizer ‘em casa’, tento, mas não há jeito — agora há pouco, exausta, carregando um furdunço no peito, sem saber onde despejar essa balbúrdia de imagens, impressões, sentimentos acumulados por quarenta dias, dei com o olho na Barbie e soube logo em quem vou descarregar tudo isso. Por sorte o caderno estava ali mesmo, perto da porta de entrada, na mesinha do telefone onde eu deixei desde que desfiz as malas, sem ter o que fazer com ele”, trecho que dá início ao primeiro parágrafo do romance “Quarenta Dias”, de Maria Valéria Rezende, o qual, ao fim, sequer me pediu que lesse o segundo para que soltasse expressões de surpresa e admiração, seguidas do pensamento “preciso ler este livro”.
Freira desde os 24 anos de idade, não por obrigação ou chamado divino, mas pela pergunta “quer se casar ou virar freira?”, Maria Rezende lançou, aos 72 anos, o romance que a fez viver pelas ruas de Porto Alegre, a fim de confirmar sua história: “Quarenta Dias”. É que o livro conta a história de Alice, uma professora aposentada que deixa sua vida pacata em João Pessoa e se muda para Porto Alegre à procura de Cícero Araújo, filho de uma conhecida.
“Guiavam-me o amanhecer e o entardecer, a chuva, o frio, o sol, a fome que se resolvia com qualquer coisa, não mais de dez reais por dia (…) Onde andaria o filho de Socorro?, a que bando estranho se havia juntado, em que praça ficara esquecido?”, narra Alice. Já Maria, de seus 15 dias em busca da veracidade de sua história, das noites abrigada em rodoviárias, aeroporto, hospitais, narra que percebeu que metade do mundo é feita de gente sumida e a outra metade é de gente que está procurando quem sumiu.
A história da santista Maria, que desde 1986 vive em João Pessoa, rendeu-lhe o prêmio Jabuti de melhor romance. O resultado da 57ª edição do Jabuti foi anunciado na quinta-feira, 19. “Caderno de Um Ausente”, de João Anzanello Carrascoza, e “Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos”, de Evandro Afonso Ferreira, conquistaram o segundo e terceiro lugares, respectivamente, na categoria.
Contos e Crônicas
“Olhou em volta ninguém me olha fechou o olho e fez calor pelo queixo no ombro ruivo do ruivo. Foram doze músicas iguais”, escreve Carol Rodrigues, 30, no conto “Onde Acaba o Mapa” e abre assim o livro “Sem Vista para O Mar”, que já nascera bem quisto. A obra, antes de levar o prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas, arrebatou o prêmio da Biblioteca Nacional de 2015, na mesma categoria. A obra segue assim por 124 páginas, atropelando vírgulas e pontos e rememorando, muitas vezes, poesia. Fora gestado em um curso de escrita, ministrado por ninguém menos que Marcelino Freire. É tudo que produziu durante o curso.
Graduada em cinema, a carioca radicada em Sampa diz que, em seu primeiro livro, estava aprendendo a contar uma história com começo, meio e fim. Mas o gosto por sons já estava ali. Pesquisava milhares de palavras “lindas de várias origens”, com as quais imaginava histórias –– muitas arquivadas, no limbo de pastas e mais pastas do computador, as tais novas “gavetas”. Seu segundo livro, “Os Maus Modos”, do qual diz ser uma obra menos poética, mas com a linguagem ainda “estranha”, deve sair no primeiro semestre de 2016.
Em segundo lugar, foi premiado o escritor Flavio Cafiero, com o livro “Dez Centímetros Acima do Chão”, e Conceição Evaristo, com a obra “Olhos D’água”.
Poesia
O vencedor na categoria Poesia, ao lado de Marco Lucchesi, com a obra “Clio”, e Manoel Herzog, “A Comedia de Alissia Bloom”, também premiados em segundo e terceiro lugares, respectivamente, foi o carioca Alexandre Guarnieri com o livro “Corpo de Festim”. Graduado em História da Arte e mestre em Tecnologia da Imagem, Guarnieri, 41 anos, também exerce o ofício de editor da revista eletrônica Mallarmargens. Desde 1993, participa de eventos de poesia falada em sua cidade natal.
Nas palavras do escritor ítalo-brasileiro Furio Lonza, “Guarnieri inaugura um novo gênero literário: seu poema ‘voyeur biológico’ devassa os mais íntimos processos de gênese. (…) Com seus versos elegantemente bandalhos, ele conta a história da humanidade”. O também escritor Mariel Reis disse: “Incerto quanto ao destino do espírito, negocia com o visível o passaporte de sua permanência sobre a Terra: o poema”.
sangue | suor / e celulose (i)
a carne, que cada corte desonra,
cintila nesse mal que tarde a sarar
a pressão de toda ofensiva tardia,
qualquer soco, avaria / aí cada agulha
se calcula ou se anula / balbúrdia,
barulho, algazarra que cada palavra
declara, tingindo toda ou alguma
área da página mais alva / à nudez
do papel, a rápida mancha a vio
lentá-la / da pálida celulose, violada,
o que sangra é tinta tipográfica.
O vencedor de cada categoria recebe o valor de R$ 3,5 mil e os autores do Livro do Ano de Ficção e de Não Ficção, que serão anunciados na premiação, que será realizada no dia 3 de dezembro, no Auditório do Ibirapuera, levam o prêmio de R$ 35 mil. Diversos nomes vencedores foram anunciados em outras categorias. São elas: Biografia, Reportagem e Documentário, Comunicação, Didático e Paradidático, Ilustração, Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil, Infantil, Infantil Digital, Juvenil, Adaptação, Tradução, Teoria/Crítica Literária, Dicionários e Gramáticas, Gastronomia, Projeto Gráfico, Capa e em Psicologia, Psicanálise e Comportamento.