Professora da UFG diz que o autista deve ser visto como protagonista de sua história
26 abril 2023 às 10h51
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Candice Marques de Lima
Especial para o Jornal Opção
Ana Flávia Teodoro, professora-doutora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, lança na quinta-feira, 27, às 19h30, o livro: “Pergunte a um/a Autista”. O lançamento será na sede da Adufg, 9ª avenida, 193, Leste Vila Nova.
A professora de educação inclusiva concedeu uma entrevista ao Jornal Opção.
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Em seu novo livro,“Pergunte a um/a Autista”, a sra. pesquisa seis relatos autobiográficos de autistas para responder a várias dúvidas. Como essas experiências te auxiliaram a pensar sobre o autismo?
Os relatos destes seis autistas me mostraram inicialmente que os autistas são únicos e que, portanto, não podem ser definidos por um diagnóstico prescritivo que se ocupa apenas em descrevê-los. Sem dúvida, os relatos autobiográficos ajudaram-me a perceber que todas essas pessoas autistas têm um desejo premente de serem reconhecidas como sujeitos singulares e de não serem vistas nem como anjos, nem como loucos e tampouco como idiotas. Além disso, me ajudou a enxergar o sofrimento vivido por eles, sobretudo por muitas vezes não se encaixarem num padrão de normalidade pré-estabelecido pela nossa sociedade.
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Como as questões que o livro levanta e as respostas que traz podem auxiliar os professores?
O livro pode ajudar os docentes a compreenderem melhor o autismo ou a perceber como essas pessoas pensam, desejam e imaginam. Como o livro trata de perguntas sobre temáticas diversas que envolvem os aspectos sensoriais, a interação social, comunicação, cognição, relação com objetos, corporeidade, situações de crise vivenciadas por essas pessoas, penso que pode ser útil para dirimir dúvidas frequentes acerca do autismo. Ao ler os relatos autobiográficos, os professores podem observar as condições necessárias para construir soluções singulares que promovam efetivamente uma educação inclusiva.
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Dos seis relatos que pesquisou, algum te impactou mais?
Um dos relatos que mais me impactou foi o de Donna Williams, quando ela percorreu toda a escola em busca de saber se tinha amigos. No relato a autista diz:
“Percorri a escola durante duas semanas abordando cada um para saber se eu tinha amigos.
“ — Mas eu não te conheço, retorquiu a maior parte.
“ — Se tu me conhecesses, querias ser minha amiga? Insistia eu.
“Terminei deixando para lá e me sentando no chão num canto sobre a grama, no fundo do pátio. Alguns meses mais tarde duas meninas decidiram me deixar conviver com elas. Eu não gostava do que elas diziam. Mentalmente eu me distanciava delas e logo elas se descartaram de mim. Caí numa depressão que se prolongou por um ano”.
De fato, a história de Donna Williams mostra-nos o quanto o isolamento social era devastador a ponto de levá-la a percorrer a escola durante semanas inquirindo os colegas sobre quem gostaria de ser seu amigo. Sem dúvida, tal narrativa revela a consciência da própria solidão e a experiência dolorosa do isolamento social, contribuindo para a desconstrução do estereótipo, comumente aceito pela sociedade, de que o autista deseja viver na solidão do seu mundo próprio ou ainda de que o autista não tem empatia, emoções e sentimentos.
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Como os familiares podem auxiliar as pessoas autistas?
A melhor maneira de os familiares auxiliarem a pessoa autista é, primeiro, aceitando a condição do seu filho, sem tentar “curá-lo” ou “consertá-lo” para que se encaixe nos padrões exigidos socialmente. Além disso, acredito que os pais precisam buscar informações nas fontes corretas, naquilo que é científico, pois atualmente existe uma infinidade de pessoas produzindo saberes sobre o autismo sem estar fundamentado em pesquisa científica. Os familiares de autistas também precisam de receber um acompanhamento, ou seja, faz-se necessário que tenham uma estrutura de apoio para conseguir apoiar o próprio filho. Por fim, penso que é preciso que a família olhe primeiro para o seu filho como pessoa única para depois considerar o autismo que é parte integrante dele.
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Quais aspectos uma escola deve levar em consideração ao incluir um aluno com autismo?
No que diz respeito à escola, acredito ser necessário primeiro a formação de professores e de toda a equipe escolar. Não se faz inclusão apenas inserindo o estudante autista em sala de aula, pois a inclusão exige a atuação em muitas frentes, dentre elas, pensar na adaptação do ambiente escolar para atender, especialmente, as demandas sensoriais de uma criança autista.
Os relatos dos autistas apresentados no meu livro tornam evidente o intenso sofrimento vivido pelos autistas em virtude da hipersensibilidade tátil e da hipersensibilidade auditiva, evidenciando a importância de se dirimir ou minimizar os eventuais estímulos ambientais que podem fazê-los vivenciar situações de total descontrole e sofrimento. Outra questão importantíssima é que a escola identifique e compreenda o estilo cognitivo do estudante autista, que muitas vezes é marcado por um pensamento visual, pela concentração nos detalhes em detrimento do todo e por uma necessidade premente de preservação de rotinas. Cabe à escola reconhecer as diferenças e promover uma educação equânime considerando as especificidades de Todos, inclusive dos estudantes autistas.
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O que nunca se deve fazer a uma pessoa autista?
Nunca rotulá-la, nunca estereotipá-la, nunca tentar compreendê-la apenas por uma perspectiva médica, olhando-a como um conjunto de sinais e características. Nunca, jamais deixe de vê-los como protagonistas da sua própria história.
Candice Marques de Lima é professora da Universidade Federal de Goiás.