Professor Pettras Felício lança livro com bons versos em todas as páginas

27 outubro 2023 às 15h08


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Nilson Gomes-Carneiro
Especial para o Jornal Opção
A noite movimentada em frente ao Restaurante Évora, uma esquina abaixo da Avenida 85, suscitava perguntas: “Ué, nesse colégio novo aí no lugar do falecido Vitória Figueiredo tá tendo aula pra menino até essas horas?”.
Ou: “Será que estão comemorando até hoje o aniversário de Goiânia?”
Também: “Mutirão da prefeitura aqui no Setor Bueno?”.
A multidão acorreu à escola para colher autógrafo de um professor, Pettras Felício, que estava lançando sua primeira obra, o livro de poemas “Todo Mundo É Ninguém É Todo Mundo”, publicado pela Editora Kelps (R$ 35 — sim, vale mais do que isto). Pettras dá aulas de literatura para o que antigamente era chamado de secundaristas & vestibulandos. Antigamente, quando o Felício famoso que divulgava versos era seu pai, Brasigóis, integrante da Academia Goiana de Letras e ex-presidente da União Brasileira de Escritores em Goiás.
Estrela da cátedra, Pettras se revela tímido com seus escritos, que demorou “quase uma vida” para mostrar ao público. Temia algo tão inexistente agora quanto o Vitória Figueiredo, o crítico literário, que neste Brasilzão de meu Deus costuma ser um chato que age como comentarista esportivo, a ensinar ao artista da palavra (e da bola) a fazer o que ele mesmo não consegue. Como Pettras pratica triatlo, não futebol, está livre de ambos, do resenhista de livros e do sabe-tudo do Brasileirão.
Pettras não tinha que “ocultar do público seu escrito”, conforme diz na “Apresentação à moda de prefácio”. Seus poemas são bons, muito bons. Nenhum é inteiramente ruim. No varejo, há versos de que se orgulhar em todas as páginas. Na média, é melhor que o pai, conseguiu na estreia o que ele ainda não atingiu. Porém, não se trata aqui de um Fla x Flu em família, até porque Brasigóis é um poeta dos baitas e compará-lo a um iniciante, mesmo com os 47 anos de Pettras, deve ser encarado como troféu.


Veja que beleza o soneto “Miragem”, cuja única métrica está no sentir de quem lê: “O que se foi vive em mim/ mais que o que tenho tido./ Mantém-se, sustento e sentido/ Razão de quedar-se assim.// Embora habite o impalpável/ sua forma, transparente e viva,/ impõe-se na perspectiva/ suspensa no indissipável.// Quase toco, sentado na cama,/ esse vulto que me olha defronte,/ que me cobre como ao peixe a escama,// luz da manhã rasgando o horizonte,/ sussurro da voz de quem se ama,/ sede que arde em seca fonte”.
Os sonetistas brasileiros são raros e menos ainda os capazes de fornecer ao leitor a imagem de um habitante do impalpável que o cubra com a luz da manhã até sangrar o horizonte ouvindo o som da pessoa amada. Pettras consegue. No geral, se sobressai com as rimas.
“Quartetos à noite” eleva o autor ao panteão dos graúdos. Dá vontade de transcrever inteiras as dez quadrinhas, de tão agradáveis, mas nos contentemos com a que abre a série: “Lá fora a noite é clarão/ no brilho que a lua furta/ na já quase podre fruta/ que o muro sonega à mão”.
O nível cai quando brinca em trocadilhos dispensáveis: “Nem Drummond/ nem du mond”, “provinciano/ providenciando”, “Vim, vi e empatei”. E esses três em apenas uma página, a 79. Garanti que em todas há versos que escapam e nessa é: “Alguém bate na aorta/ e não vou atender”. Como diria um excelente poeta contemporâneo de Brasigóis, Valdivino Braz, um trocadalho do carilho.


O próprio título do livro é um trocadilho: todo mundo é ninguém e ninguém é todo mundo. Ainda com esse recurso, quem é Pettras servido ao ponto? Joga com o passado em “Amo Tântalo”, referência ao metal de que é feito o escritor necessário, aquele da tabela periódica com “elevado ponto de fusão e alta resistência à corrosão”. Há, também, o Tântalo da mitologia, lembrado por Homero na Odisseia por ter furtado dos deuses o seu manjar e, em troca, ofertar-lhes a carne do próprio filho, Pélope. Foi condenado ao suplício, não ao felício, de viver sem água e sem comida – o que atualmente não seria muita novidade. Aí reaparece a figura do pai, pois Tântalo é Brasigóis e o manjar servido aos leitores são as vísceras do filho em forma de poema.
Ainda na apresentação, Pettras conta que cada texto lhe custa de cinco a dez minutos de lavratura para “verbaliza ideias, sensações, sentimentos”, sem aprimoramento. Terminou, tchau, vai pro leitor. Não precisa versejar com tamanha rapidez nem demorar esse ror de tempo para vir a lume. Deveria escrever mais, polir sempre e publicar diariamente os versos em suas redes sociais, para deleite de seus milhares de alunos e admiradores, que certamente devem aumentar em número e conteúdo após a chegada do livro
Pettras prepara estudantes para o Enem, a Fuvest (que elabora o exame para a melhor universidade do Brasil, a USP) e instituto militares (ITA, IME) na rede de colégios Arena, cuja filial infantil sediou o evento. Sua entrada nas editoras deixa a esperança de formar público consumidor de poesia, virtual e no papel. Entre as centenas que se aglomeravam no lançamento, a maioria absoluta era de jovens. Como não há um Brasigóis em cada casa para fazer de cada menino um Pettras, ao menos um professor-astro nos enche de esperança ao juntar aquele mar de jovens folheando livro de poesias na quente noite de uma quinta no Cerrado.
Nilson Gomes-Carneiro, jornalista e advogado, é colaborador do Jornal Opção.