Poesia de Goiamérico Felício, em “Do Exercício de Viver”, é sólida e de presença exuberante

30 junho 2024 às 00h00

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Elias Antunes
O livro de poesia “Do Exercício de Viver”, de Goiamérico Felício, inaugura uma nova maneira de criação poética, na qual destaca a beleza dos achados e das palavras em si: a sonoridade e o significado, a mais das vezes, polissêmico.
O livro foi o vencedor do prestigiado Prêmio Hugo de Carvalho Ramos, de 1983, ganhando destaque e repercussão nos meios literários.
Esse modelo muito peculiar pode ter suas raízes em outro poeta, autor de um único livro de poemas, o também premiado José Décio Filho, o qual escrevia poemas muito livres, com temáticas várias, inclusive metapoemas, o famoso “Poemas e elegias”.

Deste seu “Exercício de Viver” a poesia aparece em um crescendo, partindo dos dilemas e fantasmas interiores:
“Depois de tudo,
o que me sobra da sombra –
refúgio de mim,
refuto do resto –
é o lesto gesto
do pouco de mim.
Depois de toda contenda,
contido, burilo nos dedos
não mais o instrumento,
da morte, não mais a bússola
ao norte;
não mais espelho
a noite”
(…)
(Felício, 1986, página 19)
Para se chegar a uma visão fraterna das pessoas, todas dentro de uma luta, seja contra os dilemas do sistema, seja contra as injustiças sociais:
“O DIA DA LUTA
Eu aqui, nesta terra
rica e inútil,
tendo como posse apenas
um sentimento amargo de perda,
assisto impotente
ao deambular de irmãos
desalojados de si,
pobres de tudo,
mas ricos de paciência.
Eu aqui, nesta terra
tão minha e estranha,
aguardo apenas o dia da luta.”
(Felício, 1986, página 47)
Partindo para outro grande tema universal: o fim da vida física, o perecimento:
“VIAGEM
O cortejo segue lento
retardando atroz momento.
A multidão trafega triste
com seu fardo –
e a morte em riste.
O cortejo segue sempre
o seu coro pálido, em desalento.
O coveiro cava lento,
gesto duro frente a lamentos,
adiando o próprio dia.”
(FELÍCIO, 1986, p. 59)
Sempre importante buscar ler a poesia de ótima qualidade, com uma atenção voltada para o poder criador do poeta.
Goiamérico Felício, poeta de grande envergadura, construiu uma obra pouco extensa no universo poético, mas muito sólida e de presença exuberante.
Elias Antunes é escritor e crítico literário.