Roberson Guimarães

Péter Nádas, de 81 anos, escritor húngaro (a propósito, o que tem na água daquele país para produzir tantos escritores geniais?) em seu livro de estreia (1962) demonstra em apenas 112 páginas a força de um texto literário curto e intenso: “A Bíblia” (Todavia, tradução de Paulo Schiller).

O pequeno romance é uma espécie de natureza morta iluminada com luz fria, onde não há um único elemento que se possa retirar (cena, diálogo ou descrição) sem que o delicado equilíbrio dramático do “huis clos” familiar se desfaça irremediavelmente. Cada palavra, cada momento está em seu lugar.

O personagem principal é um menino pré-adolescente, por meio de quem acompanhamos os acontecimentos na Hungria recém-convertida ao comunismo.

Descobrimos logo no primeiro capítulo, por intermédio do relato chocante da brutalidade exercida sobre um cão, que Gyuri é cruel e vingativo, reagindo às contrariedades e aos seus próprios medos com violência e tentativas de humilhação.

Todo aquele sentimento juvenil de onipotência está presente e é posto à prova a todo instante, enquanto vive sua curiosidade adolescente desafiando os limites.

A ruptura desse estado de coisas se dá com a contratação de uma moça camponesa (Szidike) para trabalhar como empregada doméstica. A frustração da sua curiosidade sexual, que é repelida por Szidike e alvo de troça por parte de uma adolescente vizinha, só contribui para alimentar um ressentimento indefinido contra o mundo.

É nesse contexto que um exemplar da Bíblia se transforma numa arma… O desenvolvimento e a conclusão do enredo são uma espécie de cerimônia de destronamento, o que para mim definiu as intenções do autor ao escrever o livro. O triste final é definitivamente instigante. Alguém já disse que mesmo quando um romance está terminado, está apenas 50% completo, é aí que entra o leitor para completar a história.

Roberson Guimarães é médico e crítico literário.