Os “órfãos” de Stan Lee
18 novembro 2018 às 00h00

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Fãs do quadrinista contam o impacto que os personagens da Marvel tiveram na cultura pop e celebram a memória e o legado do criador

Victor Faina, da Mandrake Comic Shop
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“Stan Lee é aquela pessoa que marca uma linha tempo: antes e depois de Stan Lee. Os quadrinhos antes de Lee se caracterizavam pela linguagem mais infantil, com personagens como Gasparzinho, Riquinho, Luluzinha. Com a estreia do Quarteto Fantástico, ainda no início da década de 60, Stan Lee trouxe uma perspectiva mais juvenil. Ali, você via que se tratava de uma coisa nova. Os personagens eram diferentes. Isso já é suficiente para marcar a importância dele. Sem falar na Marvel Comics, que acabou sendo concorrente direta à DC. Aliás, a concorrência levou tempo para se adaptar. Só nos anos 80, após vinte anos, que ela foi conseguir assimilar esse fenômeno. O grande acerto de Stan Lee foi criar heróis que tinham dificuldades de socialização. Os personagens tinham seus dramas pessoais. Não eram como Batman ou o Super-Homem, que eram verdadeiros “deuses” na terra e podiam fazer absolutamente tudo. O Homem-Aranha é meu favorito. Aliás, acredito que seja o da maioria, porque os jovens se identificavam com ele. O Homem-Aranha não era um super-herói adulto, mas um jovem passando por problemas de qualquer outro jovem da época. Vale mencionar também o Coisa, do Quarteto Fantástico, que não aceitava sua aparência, e os próprios X-Men, que viviam à margem de uma sociedade que não aceitava o diferente”.

Dani Marino, do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial
“Stan Lee se foi e parece que qualquer coisa que possa ser dita sobre ele, soaria redundante. Não é para menos. Ele era uma das pessoas mais conhecidas e importantes da indústria do entretenimento e sua imaginação nos rendeu uma gama de personagens tão incríveis e complexos, que não seria exagero dizer que não conheceríamos os quadrinhos e seus filmes como conhecemos hoje se ele não tivesse existido. Porém, acredito que seu maior legado foi se manter fiel e sustentar avidamente os motivos pelos quais certos personagens surgiram. Stan Lee era contra qualquer tipo de discriminação de raça, cor, credo ou gênero, por isso, costumava enfatizar a seus fãs que os X-Men foram criados como uma metáfora sobre racismo e homofobia. Ou seja, é incoerente que seus fãs e leitores de suas histórias sejam racistas ou homofóbicos, uma vez que essas histórias são contadas e consumidas há décadas. Com uma memória cada vez pior e debilitado há alguns anos, suas participações nos filmes da Marvel já estavam gravadas até os Vingadores 4. Então, será inevitável que fiquemos esperando sua aparição nas produções seguintes. Mesmo assim, pessoas como ele não desaparecem, não é mesmo? Ele seguirá entre nós, em cada um de seus personagens e nas ações inspiradas por eles. Excelsior!”

Giuliano Cabral, jornalista e músico
“Quando eu passei daquela fase de ler quadrinhos da Turma da Mônica para os quadrinhos de heróis, de cara já gostei daquele universo mais humanizado dos super-heróis, e as histórias que fugiam do lugar comum, quando abordavam questões como o preconceito nos X-Men, a dualidade humana do Hulk e o uso da tecnologia para o bem ou para o mal, como no Quarteto Fantástico. Tinha também aquele universo dos heróis dos guetos novaiorquinos, como Punho de Ferro, Luke Cage, Demolidor, Cavaleiro da Lua, Manto e Adaga, e toda aquela gama de vilões, como o rei do Crime e Gata Negra, que tinham um universo bem próximo da realidade do submundo… Mas foi o dilema de uma história do Homem-Aranha, que se chama “Opções”, que me chamou a atenção para esse debate das questões cotidianas que estavam no pano de fundo das histórias da Marvel. Nessa história, o Peter Parker se vê no dilema de continuar combatendo o crime ou ir morar com a Mary Jane e arrumar um emprego fixo. Isso trazia uma magia a mais para aquele universo dos quadrinhos. Acho que é nesse ponto que reside a genialidade do Stan Lee”.

Tiago Zancope, historiador
“Do ponto de vista da literatura, eu colocaria o Stan Lee ao lado de grandes nomes como J.R.Tolkien, C.S.Lewis, Philip K. Dick, Isaac Asimov e George R. R. Martin. Todos eles, obviamente cada um dentro de sua característica, procurou criar e delinear personagens complexos em universos fantásticos. Ainda que o suporte narrativo seja distinto do romance, ou novela, é inegável a capacidade criativa de Lee de projetar esses lugares em nossa imaginação. Tolkien pensou a Terra Média; Martin, Westeros e Essos. Stan Lee, por sua vez, Wakanda. E como não imaginar a pujança de Wakanda? Uma das maiores potências do mundo da Marvel é um país africano subsaariano! Outro mérito de Lee, sem dúvida, é que parte considerável dos seus heróis são humanizados; isto é, possuem uma conotação social na qual você se identifica ou, no limite, reconhece como sendo algo verosímil. Os vacilos e hesitações do Peter Parker é a mesma de qualquer adolescente; a fraqueza para bebida do Tony Stark também não é distinta de muitos que sofrem após passarem por um episódio de stress pós-traumático. O mesmo pode ser dito acerca da arrogância do Stephan Strange, que passou a valorizar mais o dinheiro que a medicina e, por isso, perdeu suas mãos. Stan Lee abordou o tema do racismo em X-Men; o holocausto judeu, com Magneto; o misticismo oriental dos anos 60-70, com Dr. Estranho; a guerra, com Homem de Ferro; a exploração do espaço, sobretudo, com o Quarteto Fantástico; os desafios da adolescência, com Homem-Aranha. Homem de Ferro tem tudo a ver com Vietnã e pós-Vietnã. Sem esquecer do Capitão América, que tem uma função didática imagética gigante no período da Segunda Guerra Mundial porque ele foi convocado para ajudar a derrotar o Nazi-fascismo. Mais adiante, nos anos 80, Steve Rogers chega a ser cotado para a presidência dos EUA e usa um discurso do Kennedy para recusar o cargo, dizendo que o papel dele era outro. Eu vejo essa mudança de paradigma no Capitão América como algo muito interessante, porque demonstra uma atualização do personagem. Como essa infinidade de assuntos abordados, como não colocar Stan Lee como um pensador do nosso século? Óbvio que não é um Kafka, nem tem porque sê-lo, mas sem dúvida, deixou sua contribuição”.

Dustan Oeven Neiva, diretor de animação
“Stan Lee, junto com o Steve Ditko, criou o personagem que eu mais gosto nas HQs de super-herói: o Homem-Aranha. O Aranha foi um primeiro herói que tem um monte problemas humanos: crise financeira, problemas familiares. Tem também os X-Men, que serve de alegoria sobre as diferenças, o preconceito. Sem contar que os próximos filmes da Marvel não terão a mesma graça sem a participação especial do ‘velhinho’”.