Oficial veio aqui/Nos trazer intimação/Pra desocupar a casa/Que tá indo a leilão/Tudo é culpa do banco/Tomando casa no tranco/Tomando apê no pisão

Nilson Gomes¹

Personagens

— Andreia, nascida no Nordeste do Brasil e desde os 3 anos morando em Goiânia, Goiás, teve o marido morto pela Covid logo no início da pandemia

— Bárbara, filha de Andreia, poeta participante de batalhas de rimas

— Alexandre, empreendedor na cidade e no campo

— Pedro, estudante, poeta participante batalhas de rimas

— Iris, in memoriam, até os 87 anos fez conjuntos habitacionais

1º ato

Narrado por Bárbara, no ritmo de cordel, que aprendeu com o avô, Augusto, originário de Colinas, Tocantins:

Oficial veio aqui

Nos trazer intimação

Pra desocupar a casa

Que tá indo a leilão

Tudo é culpa do banco

Tomando casa no tranco

Tomando apê no pisão

Nossa família vivia

Sofrendo com aluguel

Mas Iris e Alexandre

Fizeram um bom papel:

Conseguiram em Brasília

Teto pra muita família

Fim do problema cruel

Lembro do Alexandre

Falando ao dar a chave:

“Dona Andreia, a casa é sua

Se houver algum entrave

Entre em contato comigo

Qualquer que seja o perigo”

E o perigo é grave

Quintal e frente da casa

Mamãe plantou pequizeiro

Trouxe as mudas já grandes

Hoje cor, sabor e cheiro

Marcam nosso endereço

Isso pra nós não tem preço

Muito menos em dinheiro

Mas é dinheiro que o banco

Quer receber e nos falta

Começou pouco por mês

A taxa de juro é alta

E banqueiro é ladravaz:

Se nós corremos atrás

Ele na frente assalta

Reintegração de posse

É o que o banco quer

Comete feminicídio

Pois só vitima mulher

A casa sai em seu nome

Até que o banco tome

Ela assina e dá fé

Depois de virmos pra cá

Passamos a ser alguém

Compramos até um carro

Mesmo sem apego a bem

Um patrimônio qualquer

Não é o que a gente é

É o que a gente tem

Tava tudo indo ótimo

Até vir a pandemia

Minha mãe na confecção

Meu pai uber noite e dia

Ele contraiu o vírus

Foi mais letal do que tiros

Acabou nossa alegria

Sem a renda do meu pai

Começou outra tristeza:

Pagar a casa e o carro

Ou pôr comida na mesa

Atrasou uma prestação

Veio busca, apreensão

Quase minha mãe foi presa

Não é por levar o carro

É por trazer injustiça

Pagamos mais da metade

Trabalhando sem preguiça

Não venceu nem a segunda

Diz essa lei vagabunda:

Rico – carne  Pobre – carniça

Deus levou meu pai em julho

Com pequizeiros em flor

O diabo levou o carro

Quando setembro chegou

Pequis estavam caindo

Nosso jardim que é tão lindo

Conhecia o horror

Mas nada é tão ruim

Que o banco não piore

Se produtor financia

Fica sem terra e nelore

Se emprestar pro empresário

O banco é tão usurário

Quebra o cara e quer que chore

Quebrou o patrão da mamãe

Choramos sem mais sossego

Comemos por seis meses

O seguro-desemprego

No sofrimento sem fim

Só os pequis do jardim

São o nosso aconchego

Carro, emprego, marido

Minha mãe perdeu os três

Mas ficar sem nossa casa

Por atrasar só um mês?

Pobre assim tá lascado

O jeito é pôr no Senado

Alguém que mude essas leis

2º ato

Narrado por Pedro, no ritmo e poesia (RAP), que usa nas batalhas de rimas:

É bizarro: o banco diz “Vaza!”, toma carro, toma casa, tira sarro se atrasa uma prestação, manda comunicação e vão a leilão até as veias do seu coração.

Chega busca e apreensão até de juiz de plantão e já passam a mão no seu veículo, invadem o cubículo, se vc achar ridículo vai pra grade, vc pagou metade e o banco agride Deus por causa de um versículo.

O bem vale 100, lhe vendem por 200, vc paga 300, inda faltam 400, a lei “converte tudo em excrementos”, é juro de trocentos por cento pra deixar sua casa e seu carro sem vc dentro.

É desfaçatez: usam o juridiquês em vez do Português pra explicar a estupidez que o atraso de um mês fez você perder seu patrimônio pro demônio.

Alienação fiduciária foi criada pelo lobby da especulação imobiliária, empreiteira, banqueira, essa porqueira que acaba com a população brasileira.

Reintegração de posse é humilhação precoce a quem de Possi só precisa por aqui da Luiza e da Zizi e de um jardim com flores de pequi.

A danação é que o Congresso da Nação rasga a Constituição pra retirar da cidadã, do cidadão o direito social à moradia e arrancar sua condução e sua habitação na covardia.

Pra escapar do monstro vil desse covil tem de mudar o Código Civil e outras leis que o lobby urdiu pra banqueiro e empreiteiro esfolar a brasileira, o brasileiro.

No caso da habitação não tem jeito não, tem de obedecer a Constituição e dar casa pra pobre sem prestação sem pagar nem 1 tostão, inclusive por não ter condição: ou paga a casa ou compra o pão.

Projetos que ouvi de Alexandre Baldy aqui nesse jardim de flores de pequi: banco público é pro público, não pra extorquir, não pra chegar no carro e pôr o dono pra fugir, não pra chegar na casa e pôr a família pra sair, peraí: gente é pra ser feliz, não pra regredir. Resumo dos projetos pra gente refletir:

Vai ser maravilha porque a família com renda de até 2 mínimos tem muita precisão e então não vai precisar pagar pela habitação. E os recursos, de onde sairão? Dos bancos públicos, que estão lucrando é muito bilhão.

Seguro-desemprego de 3 anos pro empreendedor que montou um negócio depois que se desligou do vínculo anterior. Passa de desempregado a empregador. Fonte dos recursos vc já conhece: é parte do FAT que vai pro BNDES.

Alexandre Baldy é atento, construiu 53 mil casas e apartamentos e distribuiu pra famílias que precisavam há tempos. Quer agora um negócio legal, mesmo informal, em cada sala, cada quintal, cada celular, no interior e na Capital. E de onde vai sair o capital?

Vou dar uma pista. Dinheiro a juro zero, prazo a perder de vista e outra conquista: o governo será seu avalista. Pega que é raro: Bolsonaro vai liberar R$ 50 bilhões pra pequenos, micros e MEIs. Escuta aqui: 50 bi, com b de bom pra gente subir. No Estado, o governador Caiado tem financiado empresa pra todo lado.

Auxílio Emergencial pro empreendedor, como nunca se viu, nos moldes do Auxílio Brasil. Fonte dessa ajuda gentil: as taxas mil (tarifas, prestação de serviço mercantil) que a clientela paga pra banco hostil.

3º ato

Narradores: Bárbara e Pedro, juntos

O povo quer muito pouco:

Só a oportunidade

De exercer seus direitos

Fazer o que tem vontade

Defender a paz, o pão

Liberdade de expressão

E buscar felicidade

Nota

¹ Levemente inspirado na peça “O Jardim das Cerejeiras”, do dramaturgo e contista russo Anton Tchékhov. As fotografias mostram flores do pequizeiro.