Os jardins do Cerrado
29 maio 2022 às 00h00
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Oficial veio aqui/Nos trazer intimação/Pra desocupar a casa/Que tá indo a leilão/Tudo é culpa do banco/Tomando casa no tranco/Tomando apê no pisão
Nilson Gomes¹
Personagens
— Andreia, nascida no Nordeste do Brasil e desde os 3 anos morando em Goiânia, Goiás, teve o marido morto pela Covid logo no início da pandemia
— Bárbara, filha de Andreia, poeta participante de batalhas de rimas
— Alexandre, empreendedor na cidade e no campo
— Pedro, estudante, poeta participante batalhas de rimas
— Iris, in memoriam, até os 87 anos fez conjuntos habitacionais
1º ato
Narrado por Bárbara, no ritmo de cordel, que aprendeu com o avô, Augusto, originário de Colinas, Tocantins:
Oficial veio aqui
Nos trazer intimação
Pra desocupar a casa
Que tá indo a leilão
Tudo é culpa do banco
Tomando casa no tranco
Tomando apê no pisão
Nossa família vivia
Sofrendo com aluguel
Mas Iris e Alexandre
Fizeram um bom papel:
Conseguiram em Brasília
Teto pra muita família
Fim do problema cruel
Lembro do Alexandre
Falando ao dar a chave:
“Dona Andreia, a casa é sua
Se houver algum entrave
Entre em contato comigo
Qualquer que seja o perigo”
E o perigo é grave
Quintal e frente da casa
Mamãe plantou pequizeiro
Trouxe as mudas já grandes
Hoje cor, sabor e cheiro
Marcam nosso endereço
Isso pra nós não tem preço
Muito menos em dinheiro
Mas é dinheiro que o banco
Quer receber e nos falta
Começou pouco por mês
A taxa de juro é alta
E banqueiro é ladravaz:
Se nós corremos atrás
Ele na frente assalta
Reintegração de posse
É o que o banco quer
Comete feminicídio
Pois só vitima mulher
A casa sai em seu nome
Até que o banco tome
Ela assina e dá fé
Depois de virmos pra cá
Passamos a ser alguém
Compramos até um carro
Mesmo sem apego a bem
Um patrimônio qualquer
Não é o que a gente é
É o que a gente tem
Tava tudo indo ótimo
Até vir a pandemia
Minha mãe na confecção
Meu pai uber noite e dia
Ele contraiu o vírus
Foi mais letal do que tiros
Acabou nossa alegria
Sem a renda do meu pai
Começou outra tristeza:
Pagar a casa e o carro
Ou pôr comida na mesa
Atrasou uma prestação
Veio busca, apreensão
Quase minha mãe foi presa
Não é por levar o carro
É por trazer injustiça
Pagamos mais da metade
Trabalhando sem preguiça
Não venceu nem a segunda
Diz essa lei vagabunda:
Rico – carne Pobre – carniça
Deus levou meu pai em julho
Com pequizeiros em flor
O diabo levou o carro
Quando setembro chegou
Pequis estavam caindo
Nosso jardim que é tão lindo
Conhecia o horror
Mas nada é tão ruim
Que o banco não piore
Se produtor financia
Fica sem terra e nelore
Se emprestar pro empresário
O banco é tão usurário
Quebra o cara e quer que chore
Quebrou o patrão da mamãe
Choramos sem mais sossego
Comemos por seis meses
O seguro-desemprego
No sofrimento sem fim
Só os pequis do jardim
São o nosso aconchego
Carro, emprego, marido
Minha mãe perdeu os três
Mas ficar sem nossa casa
Por atrasar só um mês?
Pobre assim tá lascado
O jeito é pôr no Senado
Alguém que mude essas leis
2º ato
Narrado por Pedro, no ritmo e poesia (RAP), que usa nas batalhas de rimas:
É bizarro: o banco diz “Vaza!”, toma carro, toma casa, tira sarro se atrasa uma prestação, manda comunicação e vão a leilão até as veias do seu coração.
Chega busca e apreensão até de juiz de plantão e já passam a mão no seu veículo, invadem o cubículo, se vc achar ridículo vai pra grade, vc pagou metade e o banco agride Deus por causa de um versículo.
O bem vale 100, lhe vendem por 200, vc paga 300, inda faltam 400, a lei “converte tudo em excrementos”, é juro de trocentos por cento pra deixar sua casa e seu carro sem vc dentro.
É desfaçatez: usam o juridiquês em vez do Português pra explicar a estupidez que o atraso de um mês fez você perder seu patrimônio pro demônio.
Alienação fiduciária foi criada pelo lobby da especulação imobiliária, empreiteira, banqueira, essa porqueira que acaba com a população brasileira.
Reintegração de posse é humilhação precoce a quem de Possi só precisa por aqui da Luiza e da Zizi e de um jardim com flores de pequi.
A danação é que o Congresso da Nação rasga a Constituição pra retirar da cidadã, do cidadão o direito social à moradia e arrancar sua condução e sua habitação na covardia.
Pra escapar do monstro vil desse covil tem de mudar o Código Civil e outras leis que o lobby urdiu pra banqueiro e empreiteiro esfolar a brasileira, o brasileiro.
No caso da habitação não tem jeito não, tem de obedecer a Constituição e dar casa pra pobre sem prestação sem pagar nem 1 tostão, inclusive por não ter condição: ou paga a casa ou compra o pão.
Projetos que ouvi de Alexandre Baldy aqui nesse jardim de flores de pequi: banco público é pro público, não pra extorquir, não pra chegar no carro e pôr o dono pra fugir, não pra chegar na casa e pôr a família pra sair, peraí: gente é pra ser feliz, não pra regredir. Resumo dos projetos pra gente refletir:
Vai ser maravilha porque a família com renda de até 2 mínimos tem muita precisão e então não vai precisar pagar pela habitação. E os recursos, de onde sairão? Dos bancos públicos, que estão lucrando é muito bilhão.
Seguro-desemprego de 3 anos pro empreendedor que montou um negócio depois que se desligou do vínculo anterior. Passa de desempregado a empregador. Fonte dos recursos vc já conhece: é parte do FAT que vai pro BNDES.
Alexandre Baldy é atento, construiu 53 mil casas e apartamentos e distribuiu pra famílias que precisavam há tempos. Quer agora um negócio legal, mesmo informal, em cada sala, cada quintal, cada celular, no interior e na Capital. E de onde vai sair o capital?
Vou dar uma pista. Dinheiro a juro zero, prazo a perder de vista e outra conquista: o governo será seu avalista. Pega que é raro: Bolsonaro vai liberar R$ 50 bilhões pra pequenos, micros e MEIs. Escuta aqui: 50 bi, com b de bom pra gente subir. No Estado, o governador Caiado tem financiado empresa pra todo lado.
Auxílio Emergencial pro empreendedor, como nunca se viu, nos moldes do Auxílio Brasil. Fonte dessa ajuda gentil: as taxas mil (tarifas, prestação de serviço mercantil) que a clientela paga pra banco hostil.
3º ato
Narradores: Bárbara e Pedro, juntos
O povo quer muito pouco:
Só a oportunidade
De exercer seus direitos
Fazer o que tem vontade
Defender a paz, o pão
Liberdade de expressão
E buscar felicidade
Nota
¹ Levemente inspirado na peça “O Jardim das Cerejeiras”, do dramaturgo e contista russo Anton Tchékhov. As fotografias mostram flores do pequizeiro.