Hollywood pode achar que suas produções serão sempre melhores do que as dos estrangeiros, ao se basearem na mesma fonte, mas os filmes que saíram do livro de Stieg Larsson, publicados há dez anos, são equivalentes, e a versão sueca por vezes é melhor

Michael Nyqvist e a bela e talentosa atriz sueca Noomi Rapace em cena do filme “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”, versão sueca baseada no livro do também sueco Stieg Larsson (1954-2004)

Os Homens Que Não A­ma­­vam as Mulhe­res”, filme sueco de 2009, não deixa nada a desejar a “Mil­lennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”, produção hollywoodiana de 2011, que conta com o 007 Daniel Craig e um rol de atores talentosos.

Ambas as versões são baseadas no primeiro livro da trilogia de romance policial “Millennium”, do sueco Stieg Larsson que morreu em 2004, antes mesmo de ver seus livros serem publicados, fato que só ocorreria em 2008, há dez anos, portanto.

Talvez Larsson nem tenha imaginado – ou sonhado em ver – o sucesso de sua obra. Em 2017, a trilogia original (“Os Homens que não Amavam as Mulheres”, “A Menina que Brincava com Fogo” e “A Rai­nha do Castelo de Ar”) e dois volumes escritos por um ghost writer, sob contrato com a família do de­funto e a editora original (“A Garota na Teia de Aranha” e “O Homem Que Buscava Sua Sombra”), formando uma pentalogia, já haviam vendido 75 milhões de cópias.
A produção sueca verteu para o cinema a trilogia inteira, mas Holly­wood só produziu o primeiro título. Na Suécia, o filme foi dirigido pelo dinamarquês Niels Arden Oplev (“Sem Perdão” e séries como “Under the Do­me”) e teve no elenco a talentosa No­o­mi Rapace e o bom ator Michael Ny­qvist, que faleceu em junho de 2017, aos 56 anos, vítima de câncer de pulmão.
Com “Os Homens Que Não A­ma­vam as Mulheres”, os dois atores suecos acabaram sendo catapultados para Hollywood. Rapace, por exemplo, protagonizou filmes como Prometheus, de Ridley Scott, e tem ó­ti­mos papéis em produções como “007 – Operação Skyfall” e “Bright”, com Will Smith, da Netflix.

A produção americana é dirigida por David Fincher (“Seven – Os Sete Pe­ca­dos Capitais” e “Rede Social”). Não é que o filme de Fincher seja ruim. É óti­mo. Mas a qualidade da produção sueca muitas vezes supera a do pacote hollywoodiano. O filme sueco é, por exemplo, mais econômico no tempo para falar as mesmas coisas e, por isso, mais sugestivo. Também é menos moralista.

Lisbeth

O filme narra o drama e a aventura investigativa do jornalista Mikael Blonkvist (Michael Nyqvist), condenado a alguns meses de prisão por calúnia ao denunciar um megaempresário e não conseguir provar as acusações.

Sem dinheiro, sem emprego e desmoralizado, Mikael recebe o convite de outro senhor rico e de família tradicional sueca, Henrik Vanger (Sven-Bertil Taube e Christopher Plummer), que quer desvendar o mistério do desaparecimento de sua sobrinha neta, Harriet, 40 anos atrás, quando tinha 16 anos. Lisbeth é uma hacker, gótica, tatuada com um dragão, que vai ajudar Mikael a desvendar essa história.

No novo trabalho, Mikael poderia usar seu faro de jornalista e encontrar pistas necessárias. Seu caminho com o da hacker Lisbeth se cruza quando ele descobre ter sido investigado por ela antes de ser contratado pelo milionário. E por achá-la competente no que faz, recruta-a para seu lado.

E aí tudo segue para uma série de desencadeamentos que já se encontrava na gênese do livro de Larsson, mas que roteiristas e diretores de ambas as produções souberam trabalhar com maestria.

Quando o advogado do milionário Henrik Vanger pergunta a Lisbeth, “Michael tem segredos?”, ela responde “todo mundo tem.” Este curto trecho de diálogo demonstra o tipo de rio dentro do qual corre a história, e para onde essas águas nos levarão. Todo mundo tem segredos, esta é a premissa do filme. Acontece que os segredos de alguns carregam a marca do mal absoluto, carrega o destino de muita gente.

A não menos talentosa, e também bela atriz, Rooney Mara e Daniel Craig contracenam na versão hollywoodiana de “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”

Diferenças

No confronto entre os dois filmes, fica claro o que sobressai num e noutro. Lisbeth Salander, por exemplo, tem uma série de diferenças na comparação com Noomi Rapa­ce e Rooney Mara, que concorreu ao Oscar de Me­lhor Atriz por esse filme, em 2012.

Na primeira versão, Lisbeth (Noomi Rapace) é mais misteriosa, mais bonita e sensual. Na segunda, Lisbeth (Rooney Mara) é mais louca, metodicamente alucinada e tão brilhante quanto a primeira Lisbeth.

Na versão original, na primeira cena de sexo de Lisbeth com Mikael, quando os dois já estão trabalhando juntos, ela entra no quarto e transa com ele, sem falar nada, fica em cima, goza, se levanta e vai embora (muda como entrou, exibindo a longa tatuagem nas costas).

Na segunda versão, Lisbeth começa em cima, mas em seguida, Mikael (Daniel Craig) muda a posição, enquanto ela aceita o jogo, numa clara alusão moralista de dominação masculina, e depois do prazer dela, ela se deita ao lado dele e fuma um cigarro.

As adaptações do roteiro se equivalem em termos de linguagem, mas o filme de Fincher explica demais as cenas, põem em evidência aquilo que na versão anterior era pura sugestão. Por outro lado, o título da produção americana em inglês (“The Girl with the Dragon Tattoo”) tem o alcance da metáfora da violência.

A tatuagem é um signo marcado na pele que fica para sempre, como as marcas da exploração sexual, da violência física e psicológica contra as mulheres, que são guardadas, quando não no corpo, na alma. Todas as versões estão disponíveis na Netflix.