A bossa nova de João Gilberto  ganha homenagem primorosa em  “Gilbertos Samba”, de Gilberto Gil

Gilberto Gil: homenagem a um dos artistas mais importantes da história da música brasileira  | Foto: Wikipédia Commns
Gilberto Gil: homenagem a um dos artistas mais importantes da história da música brasileira | Foto: Wikipédia Commns

Rafael Teodoro
Especial para o Jornal Opção

O cantor e compositor Gil­berto Gil acaba de lançar um disco de bos­sa-nova excelente. Com o título de “Gilbertos Samba” (2014), o álbum homenageia um dos mais importantes nomes da música popular brasileira: João Gilberto.

Nas 12 faixas que compõem o disco, destaca-se a capacidade de Gil em rearranjar composições que se tornaram famosas na voz de João Gilberto e seu inconfundível violão. Não é fácil para um artista regravar alguém. É preciso criar identidade musical na releitura. Caso contrário, vira álbum de “cover”.

Definitivamente esse não é o caso de “Gilbertos Samba”. O álbum tem o mérito de prestar uma homenagem sem ser repetitivo, como provam faixas como “Aos pés da Santa Cruz”, “Do­ra­lice” e “Desafinado”. A regravação de “Você e eu”, composição de Carlos Lyra e Vinicius de Mo­raes, grande sucesso de 1961 na voz de João Gilberto, é de boníssimo gosto. Inteligen­te­mente o setuagenário Gil, cuja po­tência vocal começa a claudicar, utilizar de maneira muito elegante o vibrato sem se arriscar em notas muito altas (as quais, possivelmente, não consegue mais alcançar). Esse mesmo controle vocal se vai observar na interpretação de “O Pato” — uma das com­posições mais bonitas e criativas de todo o cancioneiro nacional.

Mas o que mais me agradou nesse álbum, levando-me a recomendá-lo fortemente ao leitor, foi a direção musical. Com efeito, a decisão do músico de gravá-lo quase que completamente no sistema voz e violão permite ao ouvinte apreciar o quão competente é Gilberto Gil como instrumentista — faceta da sua carreira nem sempre enaltecida pela crítica musical. Pois é nesse sentido que a faixa “Um abraço no João”, uma das inéditas do disco ao lado de “Gilbertos”, deve ser compreendida.

Trata-se de um trabalho primoroso, a revelar em plenitude um (desconhecido para muitos) Gilberto Gil violonista, arranjador, dono de talento suficiente para compor harmonizações instrumentais musicalmente muito ricas. Sem dúvida, apesar de curta, os acordes de “Um abraço no João” representam um momento particularmente brilhante num disco que, tantas são as suas qualidades sonoras, que fica difícil destacar apenas uma faixa.

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“Gilbertos Samba” prova que Gilberto Gil se sai bem melhor como artista que como marqueteiro ou crítico musical. No primeiro caso, seu esforço descomunal em promover a carreira da filha Preta — uma subcelebridade do pior quilate, pessoa desprovida do mínimo talento artístico — é patético. No segundo, em entrevistas recentes, ele apontou Anitta (a funkeira famosa pelo hit “Show das poderosas”, uma das coisas mais insuportáveis já compostas na face da Terra) e Márcio Victor, líder da banda Psirico (do humilhante “Lepo, Lepo”), como talentos promissores da nova geração de artistas brasileiros. Seria estágio duma senilidade incipiente ou apenas o bom-humor solidário de um artista com 50 anos de sucesso, que decidiu fazer caridade com colegas de profissão?

Seja qual for a resposta, o fato é que Gilberto Gil é um cantor e compositor indiscutivelmente talentoso. Contanto que ele não decida levar a sério sua visão estética da música pop e decida gravar aberrações como Anitta e Psirico, os ouvintes da MPB hão de perdoá-lo todas as vezes em que ele empunhar seu violão — instrumento que ele toca tão bem, com tanta competência em suas harmonizações de acordes. Com muito mais razão assim em sua maravilhosa homenagem ao grande João Gilberto — um dos artistas mais importantes da história do Brasil.

Por esse motivo, “Gil­bertos Samba”, para quem gosta de bossa nova, é um disco imperdível!

Rafael Teodoro é advogado e crítico de música e literatura.