Os 91 anos de Goiânia — Século XXI
03 novembro 2024 às 00h00
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Gabriel Nascente
I
Hoje eu saí para ver Goiânia e não encontrei Goiânia dentro de Goiânia.
Mas de volta a mim mesmo, a buscar-me eu moço no fogaréu etílico das emoções dos anos 70 – não pude. Pois, do perímetro central (da minha Goiânia-mãe) saltou-me às vistas a fachada esquelética dos prédios, e o cheiro balofo de suas marquises; escancarando-me ainda a imagem de uma Goiânia senil, moribunda (e quase defunta), dentro de outra Goiânia:
a dos arranha-céus estupidamente belos – do chão às grimpas – esbanjando o luxo aburguesado de suas arquiteturas.
Da Goiânia-berço, que sonhei-te menina eterna, adeus, não há mais nada.
Cemitério de comércio quebrado. Infâmia, mendigos e fantasmas quebrando garrafas pelas madrugadas
de suas tiorgas, cuspindo e falando alto pelos botiquins da soberana esbórnia. Boêmia cafajeste dos românticos e das prostitutas.
Goiânia de um tempo soterrada entre os lençóis de cinza da lembrança. Não há mais.
II
Goiânia hoje, da política coió de seus engenheiros de trânsitos.
Goiânia de hoje, dos mendigos, dos drogados, dos pombos e das moscas comendo lixo pelo útero das madrugadas.
Goiânia dentro de Goiânia é uma Goiânia de retrato rasgado.
III
Com o advento da modernidade inferneticamente tecnológica (e todo tempo é tempo de modernidade) os urubus da ditadura política e digital, apareceram com seus guindastes e chips, derrubando palmeiras e massacrando minas dágua, em nome da panturra bancária do dinheiro.
Goiânia suja, depredada, pelas costelas de seu dentro: os imóveis do centro já sem cor e desfigurados de um amarrom cadavérico.
Certamente os palacianos dirão: “É natural. Lugar de velho é no bolor dos museus. E do novo, não: é sorvetando defronte às vitrines de ar refrigerando dos shoppings.”
IV
As minhas andanças de revisitas às sombras espectrais das ruas oito, sete, esquinas da Anhanguera, três e quatro, (miolo romântico de uma outrora capital ludoviquista) – é puro espremer de lágrimas, queixas de um ex-ébrio maluco de paixão…
então não há então. Quem quiser amar Goiânia que me siga. Não vamos tê-la nunca mais, entre as árvores lá do bosque do Botafogo.
Cadê Goiânia? A geração brinquinho não conhece Pedro Ludovico. Meu Deus, lembranças de se prantear adeus ao moinho de café de tia Fiíca.
V
Adeus juventude de calças jeans.
Adeus juventude do perfume Lancaster.
Adeus juventude da vespa M4 Adeus às canecas de chope do lanche Acapulco.
Adeus olhos de jabuticabas da
minha primeira namorada: ( a Jurema do alpendre da 75). Amor que me feriu o coração sem juízo.
Matar a morte, como?
Se já errei o primeiro tiro.
Gabriel Nascente é poeta e prosador. É colaborador do Jornal Opção.
(Goiânia-Inhumas, 4 de Outubro de 2024)